A recente experiência inflacionária global foi resultado de uma sequência complexa de eventos, que começou com os lockdowns e reaberturas das economias em virtude da pandemia de covid-19, passando depois pela alta dos preços das commodities (petróleo e agrícolas) com a invasão da Ucrânia pela Rússia. Entender a estrutura desse episódio de elevada inflação global oferece uma lição nova e confirma uma velha para a elaboração da política monetária pelos bancos centrais, observa o Fundo Monetário Internacional (FMI).
No Capítulo 2 do seu “Panorama Econômico Mundial”, divulgado nesta quarta-feira (16) o Fundo destaca que o movimento de alta da inflação nos últimos três anos veio em decorrência de de uma ruptura única na economia global. Primeiro, a pandemia de covid-19 trouxe lockdowns que, em um primeiro momento, afastaram a demanda de consumo dos serviços para bens. Isso ocorreu simultaneamente a uma onda de estímulos fiscais e monetários sem precedentes dos governo para impulsionar a demanda após a parada na economia provocada pelos lockdowns. Mas muitas empresas não conseguiram aumentar a produção rápido o suficiente, resultando em descompassos entre oferta e demanda e aumento de preços em alguns setores.
Quando as economias reabriram, as pressões inflacionárias mudaram de bens para serviços. Embora tenha sido fundamental para conter as consequências econômicas da pandemia, o estímulo fiscal e monetário sem precedentes dados por economias avançadas e alguns mercados emergentes aumentou a poupança das populações. Com o fim da pandemia, o uso dessas poupanças impulsionou a demanda, ampliando os desequilíbrios entre oferta e demanda e estimulando a inflação, uma vez que a capacidade permanecia restrita. A invasão da Ucrânia pela Rússia piorou essa dinâmica, levando a uma crise global de alimentos e energia. Em meados de 2022, a inflação global havia triplicado em relação ao seu nível pré-pandêmico, aponta o relatório.
“Nossa modelagem mostra como picos de inflação em setores específicos se tornaram incorporados no núcleo da inflação, uma medida menos volátil que exclui os preços de alimentos e energia. A chave para nossa análise é a interação entre a demanda crescente e gargalos e choques específicos do setor. Isso causou grandes mudanças nos preços relativos que resultaram em uma dispersão incomum de preços”, explicam os economistas Jorge Alvarez, Alberto Musso, Jean-Marc Natal e Sebastian Wende, em artigo publicado hoje no Blog do FMI, sobre o Capítulo 2 do WEO.
De acordo com os economistas, quando os gargalos de oferta se espalharam e interagiram com a forte demanda, a curva de Phillips — o principal indicador da relação entre inflação e folga econômica — se inclinou e mudou para cima. “A curva de Phillips mais íngreme implicava que mudanças relativamente pequenas na folga econômica poderiam ter grande efeito sobre a inflação”, escreveram eles. Isso explica porque a inflação disparou quando muitos setores atingiram limites de capacidade. E também que era possível conter a inflação a um custo menor em termos de perda da produção econômica.
Essa é a nova lição: “gargalos generalizados de oferta podem apresentar aos bancos centrais uma compensação favorável ao enfrentar um aumento na demanda”, segundo o FMI. Como a curva de Philips se torna mais íngreme nesses casos, o aperto da política pode ser particularmente eficaz para reduzir rapidamente a inflação com custos de produção limitados.
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Porém, quando os gargalos são confinados a setores específicos com preços relativamente flexíveis, como commodities, vem a velha lição: a prática comum de focar a política monetária em medidas de núcleo da inflação continua apropriada. “O aperto excessivo da política nesses casos pode ser contraproducente, levando a uma contração econômica custosa e à má alocação de recursos.”
Embora o episódio inflacionário recente tenha sido único, os bancos centrais ainda podem tirar lições da experiência, especialmente ao reverem suas estruturas de política monetária. Os bancos centrais, segundo o FMI, devem considerar incluir cláusulas de escape bem definidas em suas estruturas de política para lidar com pressões inflacionárias quando há uma inclinação acentuada das curvas de Phillips agregadas. Tal flexibilidade permitiria aos bancos centrais estarem mais preparados para agir no futuro, finalizam os economistas do Fundo.
Fonte: Valor Econômico

