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A Receita Federal identificou R$ 19,1 bilhões em créditos presumidos de tributos que foram transmitidos, de janeiro a dezembro de 2024, por contribuintes com atividade econômica incompatível com os tipos de produtos que dariam direito de fazer a compensação tributária com esse tipo de crédito. O caso mais emblemático é relativo à indústria farmacêutica e de importadores de medicamentos: 97% do crédito relacionado a essas atividades foi solicitado por empresas que não se enquadram nas categorias previstas pela legislação.
Os dados constam em nota técnica obtida pelo Valor via Lei de Acesso à Informação (LAI). No documento, o subsecretário de Arrecadação, Cadastros e Atendimento da Receita, Gustavo Manrique, cita que, somente no ano passado, o Fisco rejeitou R$ 51 bilhões de pedidos de compensação por serem indevidos, de um total de R$ 67,2 bilhões analisados. Ou seja, dos pedidos de compensação que passaram pela auditoria, 76% foram negados.
Além de créditos que não guardam relação com a atividade econômica, há ainda os pedidos baseados em documento de arrecadação inexistente, que somaram R$ 6,4 bilhões.
Segundo o Fisco, os pedidos de compensação indevida acontecem por alguns motivos, entre eles: interpretação ampliada das bases legais que geram o crédito tributário; apresentação de créditos bilionários inexistentes; e atuação de consultorias fraudulentas, voltadas à fabricação artificial de créditos. A consequência é que o governo arrecada menos, já que os créditos são um benefício usado pelas empresas para abater impostos e contribuições devidos.
No mês passado, o governo sancionou a Lei nº 15.265, que fecha a brecha para essa compensação indevida. De acordo com a legislação, não será compensado o crédito tributário presumido de PIS/Cofins que não guarde relação com a atividade econômica da empresa, exceto nos casos de transformação, incorporação ou fusão, em que podem ser consideradas as atividades do negócio originário. Também fica proibida a compensação de crédito decorrente de documento de arrecadação inexistente.
Essas duas medidas já estavam em vigor desde meados do ano, em razão da Medida Provisória (MP) nº 1.303, que criou alternativa ao Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Contudo, como a MP não foi apreciada pelo Congresso Nacional, as regras mais rígidas para a compensação tributária foram incorporadas num projeto de lei que tratava do Regime Especial de Atualização e Regularização Patrimonial (Rearp). A Lei nº 15.265 é fruto desse projeto.
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A expectativa, segundo a nota técnica, é que até o fim deste ano a arrecadação aumente em R$ 1,1 bilhão com as regras mais rígidas para compensação, além do que já foi levantado no período em que a MP 1.303 ficou vigente. Para o próximo ano, o valor anualizado esperado é de R$ 10 bilhões.
Ao todo, a Receita Federal analisou R$ 27,2 bilhões em créditos presumidos transmitidos ao longo do ano de 2024 pelas empresas. Desse total, 70%, ou R$ 19,1 bilhões, se mostraram incompatíveis com as atividades econômicas das empresas que solicitaram o direito. Ou seja, são benefícios fiscais destinados a determinados setores, mas que as empresas que pedem a compensação do crédito não exercem aquela atividade. Apenas 30% do analisado, ou R$ 8 bilhões, guardava relação com o segmento econômico da empresa.
A maior incompatibilidade em valores absolutos foi registrada em relação a benefícios fiscais que deveriam ser usados pelo setor farmacêutico. Segundo os dados do Fisco, os pedidos de compensação tributária indevidos relacionados a esse setor somaram quase R$ 9 bilhões em 2024, o equivalente a 97% do total de créditos transmitidos na área no ano.
Depois, aparecem créditos relacionados à indústria de leite, em que R$ 5,3 bilhões dos pedidos de compensação foram indevidos, o equivalente a 81% do total de créditos na área transmitidos; venda de soja e biodiesel, com R$ 2,1 bilhões (42%); e nafta, com R$ 1,2 bilhão, 97% do total.
Com as novas regras trazidas pela Lei nº 15.265, o Fisco entende que delimita com maior precisão as hipóteses de “compensação não declarada”, reforça o combate a fraudes, assegura uma arrecadação tributária “correta e justa” e oferece maior clareza às hipóteses de compensação aos contribuintes, reduzindo espaço para interpretações indevidas.
Para a advogada Priscila Faricelli, sócia da área de tributário do Demarest, a Receita Federal está “passando um pente fino nas compensações que parecem fraudes e se repetem”. Segundo ela, existem consultorias que criam um crédito fictício, que funciona especialmente em negócios que são acumuladores de créditos, como o setor farmacêutico.
“A consultoria fica um ano fazendo compensação para o cliente, pega um percentual do ganho e desaparece”, diz Priscila. “Quando o cliente começa a receber a conta, nem localizar mais o profissional ele consegue”, acrescenta. Mas, segundo a advogada, em geral, as fraudes podem ser percebidas pelas empresas.
Outra modalidade é a fraude com base em decisões judiciais coletivas, alvo recente da Receita, que passou a exigir mais requisitos para as compensações nesses casos. “Conforme o Fisco vai percebendo que certas condutas se dão de forma consistente e volumosa, ele mapeia e tenta resolver o problema”, afirma a advogada. O primeiro passo, ainda este ano, foi exigir a habilitação dos créditos, agora o alvo são mandados de segurança coletivos.
Priscila aponta um boom nas compensações a partir do ano de 2019, reflexo do julgamento de 2018 em que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu o conceito de insumo para creditamento de PIS e Cofins (REsp 1.221.170). Ao mesmo tempo que aumenta o uso de créditos válidos, os fraudadores também atuam, segundo a tributarista. “É inevitável”, aponta. Para ela, o sistema da Receita deveria bloquear a tentativa do contribuinte usar crédito inexistente.
Fonte: Valor Econômico