Por Arthur Cagliari — De São Paulo
09/02/2023 05h01 Atualizado há 24 minutos
O movimento de queda do dólar frente à maioria das moedas de mercados desenvolvidos e emergentes no fim do ano passado e início deste ano é semelhante ao observado há 20 anos, no primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). À época, o dólar perdia força em relação às principais divisas globais depois de ter se supervalorizado e atingido seu pico em 2002. O movimento se repete agora, ainda que por motivos distintos, mas desta vez não só as condições externas não devem dar o mesmo impulso ao real, mas também o cenário local pode limitar o ímpeto, principalmente se não houver cuidado com a evolução da dívida.
Na avaliação de Tony Volpon, ex-diretor do Banco Central, ao analisar a perspectiva do câmbio é preciso ponderar tanto o espectro do real quanto do dólar. “Quando tivemos a forte apreciação do real em 2003 houve também uma grande queda do dólar lá fora, medido pelo DXY.”
O índice DXY é uma referência utilizada para medir a força do dólar no exterior, tendo como base de comparação uma cesta de seis moedas de mercados desenvolvidos, com maior peso do euro. Em janeiro de 2002, o índice atingiu o pico aos 120 pontos e depois começou a cair, movimento que se seguiu, em menor intensidade, ao longo do primeiro mandato de Lula. No ano passado, após o aperto monetário rígido do Federal Reserve (Fed), a referência alcançou o pico de 114 pontos em setembro e veio perdendo força de lá para cá, principalmente após uma sequência de dados mais fracos de inflação nos Estados Unidos.
Ao comentar a atual fraqueza da moeda americana, Volpon explica a “Teoria do Sorriso do Dólar”, do economista Stephen Jen. “O dólar costuma subir quando há uma crise, depois, quando a economia americana fica mais fraca por conta dessa crise, a moeda perde força e, por fim, quando as atividades voltam a apresentar crescimento, e é preciso subir os juros para controlar esse desempenho, o dólar reage e sobe novamente”, diz. “Começamos a entrar nesta fase intermediária, em que os fatores de risco dos últimos anos, como a covid e a guerra da Ucrânia, perdem espaço no cenário.”
Neste momento intermediário, ainda segundo Volpon, a economia americana começa a perder atratividade, seja por meio da bolsa ou mesmo pelo investimento direto estrangeiro, e quem ganha são economias com maior diferencial de juros, como é o caso do Brasil agora.
No espectro da força do real frente ao dólar, um movimento no Brasil lá atrás que pode se repetir agora é a força da economia chinesa. Como aponta Rodolfo Margato, economista da XP, a reabertura da China, pós “política covid-zero”, já tem impulsionado alguns ativos financeiros. “Projetamos que o PIB da China vai crescer em torno de 5,5% em 2023, após alta de 3% no ano passado. A flexibilização das restrições sanitárias deve impulsionar o Brasil e outros exportadores de commodities”, diz.
Ele pondera, porém, que diferentemente do que ocorreu no passado, agora não haverá o chamado “boom das commodities”. “Deve ter uma acomodação dos preços de seus preços em patamares relativamente altos, mas longe de ser um superciclo, como entre 2003 e 2007.”
Ao comparar o cenário de commodities do passado e de agora, Luís Afonso Lima, presidente da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais (Sobeet), aponta que, embora nos últimos anos as fortes exportações tenham ajudado a reduzir o déficit das transações correntes, durante o primeiro mandato de Lula (e no primeiro ano do segundo), os superciclos das commodities permitiram superávits nas transações. “Se você tem resultado positivo nas transações correntes, você tem um fluxo forte de moeda estrangeira, e isso favorece a valorização do real. Não por acaso, vimos o dólar a R$ 1,73 em 2007”, diz.
Ainda na leitura de Lima, agora sem a força das commodities, o investimento direto no país passa a ter mais peso para uma eventual força da moeda brasileira. Mas ele diz que, ainda que o Brasil tenha recebido mais capital estrangeiro, proporcionalmente ao total do fluxo global, hoje o contexto internacional não ajuda. “É mais provável que o investimento direto caía neste ano porque você ainda tem uma guerra, condições econômicas apertadas, além de um crescimento mundial desacelerando, com economias já apontando para uma recessão. Isso é tudo o que o investidor estrangeiro não quer”, afirma. “Se neste ano tiver uma manutenção dos investimentos estrangeiros, em relação ao ano passado, já é uma vitória.”
Também no que tange à valorização do real, Volpon aponta que nenhum mercado emergente tem um setor de fundos multimercados tão grande quanto o do Brasil, hoje com patrimônio de R$ 1,5 trilhão, segundo dados da Anbima. “O setor de multimercado, que opera muito juros e câmbio, é muito importante e tende a ser um setor muito pessimista. Porque tem a visão mais pessimista do investidor local”, afirma. “Por isso, a entrada de dinheiro estrangeiro não tem impactado nossos mercados como impactou no passado. Até que o investidor local se torne menos pessimista, os fatores globais não vão ter seu efeito devido nas cotações do câmbio.”
Também em relação ao desenvolvimento do mercado financeiro, Luiz Fernando Figueiredo, sócio da Mauá Capital e ex-diretor do BC, diz que houve uma mudança do perfil e do número de investidores. “Naquela época, o mercado financeiro era muito mais restrito. Hoje, você tem um mercado gigantesco. Nós crescemos muito nesses últimos 20 anos, temos um volume muito maior e, com isso, acaba tendo uma resiliência também maior.”
Figueiredo lembra ainda que no primeiro mandato de Lula, perto e logo após as eleições, o dólar se valorizou contra o real porque havia uma incerteza sobre o que seria um governo petista. “Havia uma visão muito contra um regime liberal, sobre renegociação e default de dívida. Teve todo um trabalho para mudar isso. Tanto que tivemos a Carta ao Povo Brasileiro. O que o governo Lula fez foi seguir o modelo que estava vigente à época do Fernando Henrique [Cardoso], então foi um espetáculo.”
Agora, na avaliação dele, se o Brasil seguir a trajetória de alcançar sustentabilidade nas contas públicas, provavelmente o país vai encontrar um cenário muito benigno. “O país vai crescer mais, e crescimento maior significa mais investimento estrangeiro e também uma taxa de câmbio mais apreciada”, afirma. “Mas se continuar com ruídos por parte do governo, teremos mais inflação, menos crescimento, câmbio mais depreciado e mais juros.”
Fonte: Valor Econômico

