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O reajuste dos preços de medicamentos no país neste ano deve ocorrer em três níveis pela primeira vez desde 2021, e inclusive abaixo da inflação acumulada pelo IPCA, calculou o Valor.
Isso deve afetar as redes de capital aberto, que registram melhora de lucratividade imediata no segundo trimestre, quando as novas tabelas chegam. Se ficar dentro das projeções de bancos, de 4% em média, será o menor repasse desde de 2018 (2,8%).
Apesar de o índice final de reajuste ainda estar em discussão no comitê técnico do CMED (Conselho de Ministros da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos), o peso principal no cálculo foi divulgado quatro dias atrás, permitindo as análises.
A informação das faixas diferentes foi obtida pela reportagem junto a fonte do setor, a partir de dados de uma nota técnica da Secretaria de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda, que compõe o CMED. A nota foi publicada, no fim da tarde de sexta-feira (24), no site da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
“Por um tempo, ficou tudo igual [de repasse aos preços], num nível só de reajuste. E esperávamos, de novo, inflação ‘full’ em 2025. Ainda não fizemos a conta de como ficará agora, com a possibilidade de alta menor”, diz um executivo de uma grande cadeia de farmácias nacional.
Segundo ele, ao fim desse processo, como todo o setor será impactado, as redes tentarão compensar esse reajuste menor em outras categorias à venda. Esses repasses em remédios elevam imediatamente a receita nominal das varejistas. Se a empresa tiver caixa e conseguir comprar estoques com preços mais baixos, e depois revender, obtém margens de lucro melhores. Mas, se o aumento é menor que a inflação nominal do país, os ganhos são menores.
Ontem, as ações de grupos como Raia Drogasil, Profarma e Pague Menos chegaram a desacelerar ao longo do dia, mas fecharam o pregão em alta ou leve queda.
Esse repasse em níveis diferentes pode ajudar a reduzir a pressão inflacionária num momento em que o tema já afeta a popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como mostra pesquisa publicada ontem pela Quaest.
O debate ainda ocorre num momento em que já se discute no governo um aumento da concorrência com a possível entrada dos supermercados na venda de remédios sem prescrição.
“Este [farmácias] é um dos setores mais resilientes do mercado de varejo, que ainda sofre a perda de confiança do consumidor. Agora, também está no olho do furação”, diz a sócia de uma gestora independente.
Pelo documento publicado, um dos fatores que determinam o reajuste no preço ficou em 2,459% – trata-se do “fator x”, ou de produtividade. Esse índice não é o reajuste final dos produtos, mas indicador que pesa dentro do reajuste final. É calculado todos os anos, podendo ficar em linha, acima ou abaixo do IPCA.
No entanto, como ele foi positivo, fica determinado que o mercado terá três níveis de reajuste de preços após 1º de abril de 2025.
O percentual positivo de 2,459% é um cálculo que indica que houve ganhos de produtividade no setor no último ano, e nesse caso, a recomposição da inflação tem variações. É algo definido para não “nivelar” o mercado num único reajuste a todas as redes de farmácias.
Trata-se de um modelo regulatório mundialmente adotado, e a ideia do conselho é que as empresas que não tiveram esse ganho de eficiência não tenham a recomposição imediata da inflação.
Segundo cálculos prévios de redes ouvidas, com base nas regras do CMED e no “fator x”, em 2025, o nível 1, para medicamentos em mercados concorrenciais, terá repasse integral do IPCA. O período se refere aos 12 meses acumulados entre fevereiro de 2024 e março de 2025. Essa categoria inclui remédios como omeprazol (gastrite e úlcera) e amoxicilina (antibiótico).
O nível 2, para remédios em mercados com média concorrência, o reajuste a ser calculado terá como base de desconto a metade do “fator x”, logo, 1,22%. Por causa disso, numa conta simplificada, o aumento deve ser o IPCA acumulado menos 1,22%. Portanto, abaixo do índice oficial de inflação. Nesse caso estão lidocaína (anestésico local) e nistatina (antifúngico).
Já para o nível 3, o reajuste é ainda menor. Nesse grupo, estão medicamentos em mercados com baixa concorrência ou que são monopolistas, como ritalina (tratamento do déficit de atenção e hiperatividade) e stelara (psoríase). Para eles, será aplicado IPCA menos 2,45%.
Um economista e ex-interlocutar na CMED afirma que os cálculos são técnicos, com base em resoluções e leis, e não se baseiam em momentos de busca de controle inflacionário do governo. Além disso, quando a produtividade do setor chegou a cair, foi repassada toda a inflação do mercado, como em 2022, diz ele.
Procurada, a coordenação de saúde da Secretaria de Reformas Econômicas (SRE) da Fazenda diz que o cálculo final de reajuste não está fechado. E depende de outro fator (chamado “Y”), que não foi calculado. O órgão diz que isso dificulta saber, com precisão, a variação.
Ocorre que, segundo analistas de bancos, esse índice Y (que mede fator de reajuste de preços relativos), historicamente, não influencia a ponto de “virar” a conta.
Os analistas Leandro Bastos e Renan Prata, do Citi, projetam reajuste de 4,3%, em média. O J.P. Morgan estima média de 4%, com preços variando entre 2,8% e 5,2%. O IPCA estimado para 2025 está em 5,5%, com possível perda de alavancagem operacional no setor.
Um empresário do segmento lembra que, neste ano, ainda há o efeito da revisão da decisão do STF que excluiu o impacto do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins, que já deve levar a uma redução pequena de preços nas lojas.
A última vez que o governo definiu três níveis para reajustes também foi sob pressão inflacionária, em 2021, na gestão do ex-presidente Bolsonaro, durante a pandemia de covid-19.
Fonte: Valor Econômico