Por Georgi Kantchev, Yuliya Chernova e Stephen Fidler, Dow Jones
11/12/2022 12h13 · Atualizado
Após uma série de derrotas no campo de batalha na Ucrânia nos últimos meses, o presidente russo, Vladimir Putin, enfrenta um grande teste em casa: mobilizar a economia da Rússia para alimentar o esforço de guerra.
Autoridades russas vêm cruzando o país para aumentar a produção e reabastecer os estoques cada vez menores de mísseis e outras munições. Dados sobre o orçamento fornecidos pelo Ministério das Finanças mostram os gastos com defesa aumentando este ano em cerca de 30% em comparação a 2021, para cerca de US$ 78 bilhões, devendo aumentar ainda mais no ano que vem para cerca de US$ 82,5 bilhões.
À medida que os contornos da economia de guerra da Rússia tomam forma, o Estado vem obrigando algumas empresas privadas a participar. Putin estabeleceu um conselho especial formado por tecnocratas de alto escalão com amplos poderes para exigir que as empresas privadas produzam equipamentos para o Exército. Fabricantes de guardanapos e móveis estofados estão agora produzindo capuzes, botas e kits de primeiros socorros.
Mas, segundo analistas e autoridades ocidentais, aumentar a produção militar, e fazer isso rapidamente, é difícil. Os esforços assumiram uma importância descomunal depois que uma fonte muito importante de receitas da Rússia, as vendas de petróleo, ficou ameaçada por preços baixos, embargos do Ocidente e um novo teto de preço para o petróleo russo.
“É impossível aumentar significativamente a produção de armas para as forças armadas russas”, disse Pavel Luzin, um especialista em forças armadas russas e acadêmico visitante da Universidade Tufts. “Os principais desafios aqui são um déficit de força de trabalho, déficit de componentes e equipamentos industriais e uma estrutura organizacional ineficiente das corporações de defesa.”
As sanções ocidentais limitaram o acesso a alguns componentes de alta tecnologia importantes para a produção de armas e analistas militares afirmam que a Rússia vem tendo um sucesso apenas limitado no desenvolvimento de produção doméstica em substituição às importações. Fabricantes de outros setores não podem reequipar rapidamente as cadeias de suprimentos e linhas de produção para fabricar equipamentos militares.
Ao mesmo tempo, a crise demográfica do país e um êxodo pós-invasão para outros países significam que as fábricas de armas estão com falta de trabalhadores.
A Rússia perdeu milhares de tanques e veículos blindados nos combates e recorreu ao Irã e à Coreia do Norte para ajudá-la com armamentos e munições.
“Demora um pouco para aumentar a produção, mesmo que você tiver uma linha de produção ativa”, diz John Parachini, pesquisador sênior de defesa internacional da Rand Corporation. “O que eles estão produzindo no momento não é o que está dando certo no campo de batalha, que os mísseis de curto alcance e os drones.”
O conflito na Ucrânia representa “um fardo adicional para alguns de nossos produtores militares”, disse um porta-voz do Kremlin. “Mas todos os pedidos do Ministério da Defesa estão sendo 100% atendidos”, afirmou ele. “Não vemos nenhum problema.”
A indústria de defesa da Rússia foi destruída após o colapso da União Soviética em 1991. Putin vem tentando reconstruí-la desde a metade dos anos 2000. Ele renacionalizou empresas e colocou o setor sob o controle de uma grande companhia holding chamada Rostec, que controla mais de 800 empresas. Um relatório de 2021 da Agência Sueca de Pesquisas de Defesa descreve o setor como “controlado de cima para baixo e financiado principalmente pelo governo”.
Aumentar a produção militar e ajudar o exército tornou-se agora um objetivo nacional. “Hoje estamos construindo novas fábricas em grandes quantidades; todas elas voltadas para as necessidades das forças armadas”, escreveu Andrey Gurulev, um parlamentar da Duma, em seu canal no Telegram em novembro.
No fim de outubro, Dmitry Medvedev, vice-presidente do Conselho de Segurança Russo, inspecionou, sob as ordens de Putin, a Uralvagonzavod, maior fabricante de tanques de guerra da Rússia, para discutir uma aceleração de produção.
“A tarefa foi a implementação estrita da ordem de defesa do Estado em todos os seus principais parâmetros, para evitar interrupções no fornecimento de equipamentos manufaturados”, escreveu ele em sua conta no Telegram.
Um mês depois, a companhia disse que iria contratar 250 condenados para trabalhar como perfuradores, soldadores e operadores de guindastes.
Há sinais de que a produção para os militares aumentou este ano. Embora as estatísticas oficiais não discriminem a produção de bens para os militares, a produção de “produtos de metal acabados” — uma linha estatística que inclui armas e munições — aumentou mais de 16% em outubro, em relação a setembro, e mostra um crescimento de 3,6% no ano até agora.
Mas o setor enfrenta um problema de força de trabalho. O complexo de produção militar, que emprega cerda de dois milhões de pessoas, carece de 400 mil trabalhadores, segundo disse em junho o vice-premiê Yuri Borisov, segundo informou a agência de notícias estatal “Tass”.
Enquanto isso, o Ministério da Defesa da Rússia luta com a corrupção e suas ineficiências. Em outubro, o chefe da comissão anticorrupção e o presidente do comitê de Defesa do parlamento russo enviaram um pedido ao procurador-geral do país para investigar por que o Departamento de Defesa não consegue equipar adequadamente as tropas mobilizadas, uma vez que ele foi totalmente financiado para fazer isso.
Um porta-voz do Kremlin disse que o complexo de produção militar tem as medidas anticorrupção mais rígidas de qualquer setor da economia.
Os esforços da Rússia para colocar publicamente a economia em pé de guerra representa uma mudança. Inicialmente o Kremlin tentou proteger a população interna dos acontecimentos na Ucrânia. Mas a decisão de Putin de mobilizar cerca de 300 mil homens foi prejudicada por reclamações de falta de armas, roupas e provisões. O próprio Putin reconheceu as deficiências e pediu ao Ministério da Defesa e outras agências que as resolvessem.
O conselho de coordenação de Putin inclui o primeiro-ministro Mikhail Mishustin e o prefeito de Moscou, Sergei Sobyanin. Além de exigir que as empresas privadas ajudem, ele pode exercer controle sobre os preços dos suprimentos para os militares e distribuir fundos orçamentários.
Em uma reunião do conselho em novembro, Putin disse que o objetivo é “melhorar radicalmente” o ritmo de trabalho e fornecimento de equipamentos para os soldados na Ucrânia.
“As metas devem ser formadas com programas de produção claros e prazos de entrega para tudo que for mais necessário”, disse ele.
Em outubro, a Omsk, uma fabricante de roupas da Sibéria que produz mochilas escolares sob a marca Luris, recebeu um telefonema do escritório regional do Ministério da Defesa, segundo disse o presidente da companhia, Alexandr Berdnicov. O Departamento de Defesa perguntou se ele poderia projetar e construir mochilas para as tropas mobilizadas em pouco tempo. “Passamos um preço muito baixo. Não queríamos lucrar com isso, queríamos ajudar. Sou um patriota”, disse.
As mochilas pretas com capacidade para 70 litros que a companhia projetou são mais fáceis de costurar que as mochilas para crianças, segundo ele. Sessenta costureiras deixaram outras funções de lado e passaram a trabalhar 12 horas por dia, sem fins de semana, para produzir 6 mil mochilas em duas semanas e meia, segundo disse Berdnicov.
Em São Petersburgo, a Spetsmedtechnika, uma fabricante de equipamentos médicos, aumentou a produção para soldados nas linhas de frente.
“Assim como todo o país, nossa vida mudou para a tensão máxima que experimentamos ao cumprir a ordem do Departamento de Defesa”, disse Yakov Sharov, vice-diretor da Spetsmedtechnika, à TV estatal russa em novembro. “Emendas à lei foram introduzidas no nosso caso para nos estimular e não permitir que relaxemos”, afirmou ele.
Fonte: Valor Econômico

