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A proposta apresentada pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), para a renegociação da dívida dos Estados é desequilibrada, não promove mudanças estruturais na administração pública e ainda deve pressionar as contas da União, que já sente os reflexos de uma dívida crescente, por exemplo, nas perspectivas mais altas para os juros. Essa é a avaliação de professores da Fundação Dom Cabral.
O projeto de lei complementar que cria o Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag) prevê que o valor principal da dívida dos entes, em torno de R$ 700 bilhões, deverá ser congelado e parcelado em 30 anos.
“O nome é bonito, mas as regras são frouxas, o projeto é muito benéfico aos Estados e tem contrapartidas muito baixas”, afirma Bruno Carazza, professor associado da FDC e colunista do Valor.
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O projeto permite aos Estados, por exemplo, a negociação de ativos no abatimento do estoque da dívida. Os juros poderão ser abatidos em até dois pontos percentuais se os ativos entregues tiverem valor superior a 20% da dívida.
A transferência de ativos dos Estados, no entanto, requer “muita cautela”, segundo Carazza. “Vai exigir a devida avaliação desses ativos e, no caso de participações societárias, aprovação legislativa estadual e federal. Não é simples.”
A proposta também prevê a dedução de um ponto percentual se o valor correspondente restante da dívida for revertido em investimentos no Estado, em educação, infraestrutura e segurança, e mais um ponto percentual se os valores forem destinados ao futuro Fundo de Equalização Nacional, que atenderá com repasses todos os entes, inclusive não endividados.
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Os professores da FDC observam, porém, que muitas dessas áreas elencadas já têm destinação de recursos atrelada.
Pelo projeto, com todas as opções, o indexador da dívida dos Estados pode ser reduzido de IPCA mais 4% para até apenas IPCA.
“É uma proposta que tem um lado muito claro que vai ganhar, os Estados, e outro que vai perder, que eu não digo nem que é a União, mas é a sociedade brasileira, que paga a conta da irresponsabilidade dos Estados”, diz Carazza. “É uma proposta desbalanceada, desequilibrada entre as partes e contrária a o que a gente tem na relação entre credor e devedor. Quando o devedor quer renegociar dívidas, geralmente, é o credor que impõe as condições.”
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A proposta também é, claramente, uma tentativa de aumentar a margem para os Estados gastarem mais, afirma Carazza.
O Brasil convive com uma “tensão grande” entre União, Estados e municípios, diz Paulo Paiva, professor associado da FDC e ex-ministro do Planejamento. “O equilíbrio federativo é uma questão extremamente complexa no Brasil.”
Na avaliação de Paiva, os incentivos do projeto são assimétricos. “A proposta induz a inadimplência no horizonte do mandato do governador”, afirma. Além disso, para ele, há “injustiça” com os Estados adimplentes.
O fundo de equalização proposto também não leva em consideração o equilíbrio entre inadimplentes e adimplentes, diz Paiva. “Conceitualmente, a maneira mais justa seria refazer toda a dívida com a taxa de juros que está sendo proposta, devolver para quem pagou o seu valor e refinanciar o resto, permitindo esse equilíbrio, mas não é possível”, reconhece.
Sobre o fundo, Carazza diz que o projeto não especifica a regra de governança, inclusive em relação à distribuição dos recursos. “É algo complicado e complexo que o projeto não ataca”, afirma.
Para Carazza, chama a atenção também que o acordo tem condicionantes “muito frouxas”. “Nos acordos anteriores, tinha a imposição de condicionantes duras, para mudar o comportamento dos entes. No caso do projeto atual, os Estados vão ter 12 meses para instituir eles próprios regras anuais para limitar o crescimento das despesas como no arcabouço fiscal, a 50% ou 70% do aumento da arrecadação. Não exige nada, por exemplo, em relação a Previdência, avaliação da qualidade dos gastos, relações entre poderes”, afirma.
Os Estados vivem um “cenário muito caótico” e “uma situação dramática”, afirma Renata Vilhena, professora associada da FDC e ex-secretária de Planejamento e Gestão de Minas. Ela destaca a “situação crítica” do endividamento no Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, em Minas Gerais e São Paulo (ver gráfico nesta página). Os professores observam que Minas, por exemplo, só tem conseguido operar porque conta com liminar na Justiça suspendendo o pagamento da dívida. “Se voltar a pagar, no mês seguinte atrasa o pagamento de pessoal”, diz Vilhena.
Estados menores, como Amapá e Rondônia, por outro lado, têm situação privilegiada, segundo a professora. “Como eles são mais novos, eles têm uma conta de Previdência muito baixa, o que gera um conforto. Grande parte das despesas que os Estados comprometem hoje é com Previdência”, afirma, observando que Estados menores também tendem a fazer menos investimentos.
Sem recursos, os Estados precisariam estabelecer prioridades e desenhar um planejamento de mais longo prazo, diz Vilhena. No entanto, um problema sério, segundo ela, é que há “disfuncionalidade” entre planejamento e execução, já que os orçamentos estaduais, assim como o federal, são muito rígidos.
“Com a quantidade que temos de vinculações constitucionais, o espaço discricionário [para despesas não obrigatórias] que os Estados têm para aplicar recursos em investimentos e políticas públicas praticamente inexiste. O orçamento encaminhado para as assembleias legislativas é uma peça que cumpre todas as obrigações legais, mas sua execução é totalmente descolada do aprovado, porque, a partir daí, começam os remanejamentos”, afirma.
Até existem algumas iniciativas que podem ser interessantes, como o “orçamento para resultados” e também o “orçamento base zero”, aponta Vilhena. Mas essas experiências exigem um acompanhamento de toda a execução e esforços muito grandes para serem feitos rotineiramente, pondera.
“O que a gente tem discutido é trabalhar com indicadores, metas, evidências e também avaliação de políticas públicas, para minimizar gastos desnecessários. Há experiências interessantes no país, por exemplo, no Espírito Santo e no Ceará, mas ainda é superficial, porque a gente não consegue integrar de fato com o orçamento”, afirma.
Em entrevista à Globonews na semana passada, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que os entes com débitos não podem desarrumar as contas públicas, mas mostrou abertura para discutir o indexador da dívida: “merece revisão”, afirmou.
Carazza concorda que a renegociação é necessária, porque alguns Estados estão “estrangulados” com dívidas do passado – ainda que eles também tenham responsabilidade sobre isso porque “não fizeram o dever de casa”, afirma -, mas o momento deveria ser aproveitado para induzir reformas mais estruturantes, segundo ele.
“Não é isso que está posto, o que está posto é que vamos pedalar uma dívida que deveria estar sendo paga por agora por mais 30 anos e, daqui a dez anos, vamos sentar e discutir isso de novo”, afirma. “É inevitável, o que isso vai gerar é uma explosão da dívida pública federal, que já está em trajetória ascendente. Vamos dar mais combustível para esse crescimento. Daí, não adianta reclamar que os juros estão muito altos. É uma bola de neve que tem origem na situação fiscal, em que a situação dos Estados, embora não seja o único, é um componente relevante.”
Fonte: Valor Econômico

