O adiamento da maternidade é uma tendência que vem crescendo mundialmente. No Brasil, dados do IBGE mostram que, em 2022, o número total de nascimentos apresentou uma queda de 13% em relação a 2018, mas aumentou entre mulheres com mais de 40 anos de idade. Nessa faixa etária, houve uma alta de 16,8% na natalidade.
Para apoiar as mulheres que decidem deixar a maternidade para depois, além de dar suporte aos casais homoafetivos que querem formar uma família e àqueles que enfrentam dificuldades para gestar, algumas empresas passaram a oferecer benefícios voltados à fertilidade para os funcionários. Uma delas é a farmacêutica Merck.
Em pesquisa feita pela companhia com 550 mulheres brasileiras, 41% das entrevistadas responderam que se sentiriam mais inclinadas a trabalhar em uma empresa que oferecesse o benefício. Para aquelas que já realizaram algum tratamento de infertilidade ou preservação da fertilidade, organizações que contam com políticas do tipo têm cinco vezes mais chances de atração de profissionais.
O benefício de fertilidade da Merck completou um ano em outubro do ano passado e está presente em 60 países onde a empresa opera. Segundo Franciele Ropelato, diretora de recursos humanos na Merck Brasil, dezenas de funcionários da companhia no país já utilizaram o benefício, que é válido também para dependentes ativos no plano de saúde, independentemente do gênero. “A jornada dos pacientes dentro da fertilidade tem um investimento considerável não só do ponto de vista financeiro, mas psicológico também. Então, esse benefício auxilia ainda na questão emocional”, observa.
Antes da implementação da política, a organização já oferecia descontos de até 88% em medicamentos. Agora, os funcionários contam com auxílio financeiro da empresa para realizar procedimentos como congelamento de gametas masculinos e femininos, fertilização in vitro, inseminação intrauterina, exames, cirurgias e tratamentos hormonais. “É um valor considerável que suporta a realização de alguns ciclos completos do processo de tratamento de infertilidade”, detalha Ropelato.
Franciele Ropelato, diretora de RH da Merck, diz que na jornada da fertilidade o investimento é financeiro e emocional — Foto: Ana Paula Paiva/Valor
A própria diretora de RH faz uso do benefício. Aos 34 anos, ela e o marido decidiram ter filhos. “Fui surpreendida com um exame que mostrava que a minha reserva de óvulos estava abaixo do esperado para a minha idade”, conta. “Percebi que tinha alguma coisa errada quando a médica não quis passar o resultado por telefone e pediu para eu ir ao consultório. Foi então que começou a nossa jornada”.
O processo de tratamento do casal já dura nove anos. “A gente passou por diversas fases. Primeiro, tentamos induzir a ovulação para ver se conseguíamos engravidar naturalmente. Não aconteceu. Depois, decidimos fazer a estimulação para a fertilização in vitro. Aí acabou o meu estoque de óvulos, veio a menopausa precoce e começamos as conversas sobre recepção de óvulos de doadora”, relata.
Na Merck há cinco anos, Ropelato segue na jornada para ter filhos. “Ainda não desisti. Tenho algumas alternativas para tentar, sigo conversando com profissionais e fazendo uso desse benefício ótimo que hoje eu tenho a sorte de ter. Ter acesso a isso é um privilégio porque realmente tira a pressão financeira do processo”, declara.
Desde o segundo trimestre de 2023, o Google também passou a oferecer benefícios voltados para a fertilidade. “A partir do momento em que o funcionário tem interesse em fazer essa expansão da família, ele entra em contato com um parceiro nosso para iniciar o acompanhamento. Através dessa equipe parceira, ele terá todo o suporte que precisar, desde jurídico, equipe médica, e apoio emocional”, explica Carolina Priscilla, líder da área de RH para o Google Brasil.
Ela conta que, antes mesmo de a política ser instituída, os funcionários já perguntavam se e quando a empresa passaria a oferecer um benefício de fertilidade. “O trabalho de implementação é longo, não foi uma ativação simples. A gente já tinha isso ‘assando no forno’ há algum tempo e em paralelo havia essa demanda”, revela.
No Grupo Fleury, existe um programa chamado “Amor de Família” que, entre outros cuidados, oferece descontos de 40% para procedimentos de fertilização, como captação de óvulos, fertilização in vitro, congelamento de óvulos, embriões e espermatozoides. “Preço é uma barreira. Por isso, a ideia é viabilizar o valor de maneira que mais gente tenha acesso a esses tratamentos”, comenta Edgar Gil Rizzatti, presidente de unidades de negócios médico, técnico e novos elos da companhia.
Daniel Suslik Zylbersztejn, coordenador médico do Fleury Fertilidade, unidade do grupo dedicada à reprodução humana, é quem atende os funcionários que utilizam o benefício. “Existem pacientes que teriam muita dificuldade de fazer o tratamento sem os descontos. Ao mesmo tempo, há casais que têm condições financeiras e que poderiam fazer em qualquer lugar, mas são colaboradores e escolhem fazer aqui”, explica. “Na parte de honorários médicos, esses pacientes pagam um valor mais baixo em relação ao mercado. Muitas vezes, o preço da consulta já é um limitador”, avalia Zylbersztejn.
Uma das estratégias utilizadas pela empresa para que os funcionários façam uso do benefício é a divulgação. “A gente procura fazer um grande planejamento de comunicação para os funcionários porque como a empresa é grande, muitas vezes o próprio colaborador não sabe que existe essa possibilidade. Temos feito ações de endomarketing para fazer com que as pessoas fiquem sabendo do benefício”, conta Rizzatti.
Desde 2020, a Mastercard oferece um programa global de construção familiar que inclui tratamentos de fertilidade. No modelo praticado pela companhia, o funcionário escolhe o profissional de reprodução humana que irá atendê-lo e recebe um reembolso da empresa. “O benefício foi implementado como parte de uma estratégia ampla de bem-estar e qualidade de vida”, explica Luciana Cardoso, vice-presidente de recursos humanos da Mastercard Brasil.
O LinkedIn, por sua vez, passou a disponibilizar o benefício no Brasil em janeiro de 2019 para todos os funcionários que trabalham em tempo integral na empresa. De acordo com a companhia, o valor reembolsável é de R$ 22 mil por tentativa, para até três tentativas de fertilização.
Em novembro do ano passado, a Evertec+Sinqia, empresa de softwares e inovação para o setor financeiro, passou a oferecer um reembolso para tratamentos de fertilidade que cobre até US$ 5 mil por pessoa para despesas médicas, farmacêuticas ou de tratamentos usados para infertilidade. São elegíveis os funcionários contratados no modelo CLT ou pró-labore ativos na data de solicitação, assim como seus cônjuges legalmente casados e ativos no plano de saúde.
Até agora, duas funcionárias fizeram uso da política. “Esse benefício é um grande diferencial para a atração e retenção, principalmente de profissionais do gênero feminino. São tratamentos ainda onerosos e, como organização, demonstrar que queremos apoiar, reduzindo preocupações, significa um posicionamento intencional alinhado aos valores de cuidado e de inclusão”, diz Marcia Drysdale, diretora de recursos humanos na companhia.
Já na PepsiCo, existe o “Minha Hora”, programa voltado ao planejamento familiar implementado em outubro de 2022 e que oferece um reembolso anual para tratamentos como fertilização in vitro, inseminação artificial, congelamento de óvulos e embriões, além de banco de espermatozoides e óvulos. “A ideia de criar o programa surgiu em um dos grupos de afinidade da empresa voltado para mulheres”, revela Nadja Minami, diretora de total rewards da PepsiCo Brasil.
O benefício é válido para todos os funcionários da organização e cônjuges, sem restrição de gênero, identidade ou orientação sexual. “Anualmente, abrimos as inscrições e é realizada uma pré-seleção dos participantes através de questionário e entrevista”, diz Minami.
Ela conta que a ideia é proporcionar mais qualidade de vida e equilíbrio entre vida pessoal e profissional para os trabalhadores, além de ampliar as possibilidades e garantir que as suas escolhas e diversidades sejam respeitadas. Até o momento, o benefício foi usufruído por 134 famílias. “No último ano, dobramos a quantidade de beneficiados”, pontua.
Fonte: Valor Econômico