Por Bloomberg, Valor — Pequim
02/07/2023 13h13 Atualizado há 20 horas
Este era para ser o ano em que a economia da China, liberada da rígida política de covid-zero, voltaria com tudo para ajudar a impulsionar o crescimento mundial. Em vez disso, o país enfrenta uma confluência de problemas: fraqueza nos gastos do consumidor, um mercado imobiliário em crise, exportações em queda, desemprego recorde entre os jovens e governos locais atolados em dívida. As dificuldades da China começam a repercutir em todo o mundo, com impactos em todas as áreas, desde os preços das commodities até os mercados de ações.
O pior é que o governo do presidente chinês, Xi Jinping, não tem boas opções para consertar as coisas. A cartilha habitual de Pequim, de usar estímulos em larga escala para estimular a demanda, levou a um excesso de oferta massivo em imóveis e de capacidade industrial e à explosão dos níveis de dívida entre os governos locais. Isso provocou uma discussão sobre se a China caminha para o mesmo tipo de estagnação que sofre o Japão, depois de 30 anos de crescimento econômico sem precedentes.
Isso é exacerbado pela abordagem mais assertiva de Xi para lidar com os EUA, que põe mais lenha na fogueira das iniciativas americanas para excluir a China do fornecimento de semicondutores avançados e outras tecnologias que devem impulsionar o crescimento econômico no futuro.
Essa dinâmica ameaça não só levar a um crescimento decepcionante neste ano, mas também frustrar o ímpeto da economia chinesa para superar a dos EUA.
“Há alguns anos era difícil imaginar que a China não ultrapassaria rapidamente os EUA como a maior economia do mundo”, disse Tom Orlik, economista-chefe da Bloomberg Economics. “Agora, é quase certo que esse momento geopolítico será adiado e é possível imaginar cenários em que ele nem mesmo aconteça.”
Em um cenário negativo — com uma piora na crise imobiliária, lentidão nas reformas e um desacoplamento mais dramático entre os EUA e a China — a Bloomberg Economics prevê uma desaceleração da China para 3% até 2030.
A economia de US$ 18 trilhões da China passa por dificuldades em vários setores. Dados divulgados na sexta-feira mostraram que a economia perdeu mais vigor em junho, com a atividade manufatureira se mantendo em contração e outros setores ainda debilitados.
Na endividada província de Guizhou, no sudoeste, as autoridades procuram auxílio financeiro de Pequim. No centro manufatureiro de Yiwu, na província costeira de Zhejiang, pequenas empresas advertem que as vendas caíram muito em relação aos níveis de 2021. Em Hangzhou, sede da gigante de e-commerce Alibaba, medidas regulatórias duras do governo para o setor de tecnologia e dezenas de milhares de demissões afetam o mercado imobiliário.
A meta oficial de crescimento da China de cerca de 5% — considerada pouco ambiciosa quando foi anunciada, em março — hoje parece mais realista. Em junho o Goldman Sachs baixou sua previsão para o crescimento da China neste ano de 6% para 5,4%.
À primeira vista, isso não parece tão ruim em uma economia mundial com expectativa de crescimento de 2,8%. A realidade, porém, é que como em 2022 a China ainda estava limitada pelas restrições da covid-zero, uma base de comparação baixa faz o indicador parecer melhor do que é. Segundo a Bloomberg Economics, se o efeito base for desconsiderado, o crescimento para 2023 parecerá mais próximo de 3% — menos da metade da média anterior à pandemia.
Se o governo continuar de braços cruzados, as coisas podem piorar. Em um cenário de colapso do setor imobiliário, menor gasto do governo por conta da queda nas vendas de terrenos, enfraquecimento da demanda mundial por uma recessão nos EUA e de aversão ao rico nos mercados da China, o modelo SHOK da Bloomberg mostra um corte no crescimento de mais 1,2 ponto porcentual.
“Estamos presos em uma espécie de círculo vicioso, no sentido de que é preciso um grande estímulo para criar um impacto pequeno e moderado”, disse Keyu Jin, professora da London School of Economics and Political Science.
“Precisamos estar preparados para um crescimento mais baixo no futuro, porque o fato é que neste momento a China está na transição da industrialização para o crescimento baseado na inovação”, afirmou ela. “O crescimento baseado em inovação simplesmente não é tão rápido assim.”
É verdade que as autoridades econômicas da China já contrariaram os derrotistas antes e podem fazê-lo de novo. Um estímulo maior do que o esperado, medidas proativas para resolver a insolvência, um compromisso de apoiar empreendedores e fazer um gesto de reconciliação aos EUA podem dissipar parte do pessimismo.
No início de 2023, havia bastante otimismo de que a China teria uma rápida recuperação nos gastos do consumidor, alimentada pelas compras para compensar a fase de lockdowns, pelas refeições fora de casa e pelas viagens. Mas a incerteza sobre o impacto do crescimento mais fraco para o desemprego e a renda, combinada com o efeito-riqueza negativo de um setor imobiliário em crise, levou as pessoas a poupar em vez de gastar.
No centro desse pessimismo está o mercado imobiliário. A crise se seguiu à tentativa do governo de reprimir incorporadoras imobiliárias muito endividadas em 2020, para reduzir os riscos. Isso empurrou os preços dos imóveis residenciais para baixo e várias empresas entraram em inadimplência. Muitas incorporadoras pararam a construção de imóveis residenciais que já tinham vendido, o que levou alguns de seus proprietários a pararem de pagar as hipotecas.
Essa turbulência foi um chamado de alerta para muitos chineses, que consideravam os imóveis como um investimento seguro e os usavam como reserva de riqueza.
E não nenhuma há indicação de que a queda nos preços dos imóveis esteja atraindo os novos compradores necessários para dar impulso a uma recuperação. No ano passado, os bancos concederam a menor volume de empréstimos de longo prazo às famílias em quase uma década e os empréstimos caíram outros 13% nos primeiros cinco meses deste ano, um sinal claro de que menos pessoas têm tomado novos financiamentos.
Outro sinal preocupante é o desemprego entre os jovens. A taxa de desemprego para pessoas de 16 a 24 anos está em 20,8%, a mais alta desde que a China começou a publicar esses dados, em 2018, e representa quatro vezes a taxa urbana nacional. Um dos maiores motivos é a crise nos setores de serviços, como consequência da adoção das regras estritas contra a covid e do declínio no mercado imobiliário. As duras medidas regulatórias no setor tecnológico também removeram uma opção de carreira lucrativa para muitos jovens formandos.
Não é só a demanda interna que decepciona. O comércio exterior foi um pilar durante a pandemia, quando as fábricas chinesas corriam para atender a encomendas dos EUA e da Europa, mas ele minguou nos últimos meses. Em comparação ao recorde de US$ 340 bilhões em dezembro de 2021, as exportações em maio caíram quase US$ 60 bilhões e devem continuar em declínio, à medida que taxas de juro mais altas pesam sobre o crescimento nos EUA e na Europa.
O declínio do ímpeto de crescimento também contribui para que a inflação ao consumidor permaneça próxima de zero na China. Os preços na porta de fábrica já descambaram para a deflação — o que deixa as empresas com menos renda para pagar suas dívidas.
Fonte: Valor Econômico
