Por Martin Arnold, Patricia Nilsson e Laura Pitel — Financial Times, de Frankfurt e Berlim
15/09/2023 05h03 Atualizado há 6 horas
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A Heller fabrica máquinas para a usinagem de virabrequins em sua sede no sudoeste da Alemanha há quase 130 anos, mas, a exemplo de muitas fabricantes de médio porte, o presidente de seu conselho de administração, Klaus Winkler, está ficando desiludido com a competitividade de seu país.
Além dos impostos e sobretaxas que estão entre os mais elevados da Europa, empresas como a dele enfrentam elevados custos com energia e uma força de trabalho que cumpre uma das menores jornadas entre os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
“Ninguém trabalha menos que os alemães”, disse Winkler, acrescentando que a qualidade dos candidatos para seu programa de aprendizes está “muito abaixo da que tínhamos 10 anos atrás”.
A indústria da Alemanha deixou de ser o motor econômico da Europa e agora está entre as de pior desempenho da região após uma série de choques, incluindo a desestruturação das cadeias de suprimentos globais causada pela pandemia e a crise de energia desencadeada pela invasão da Ucrânia pela Rússia.
Esses reveses agravaram problemas estruturais de mais longa data, entre os quais a escassez de mão de obra, elevação das barreiras ao comércio exterior, crescimento da burocracia e a falta de investimentos em transporte, educação e infraestrutura digital.
A produção industrial do país caiu 2,1% ao ano em julho, prolongando um declínio que reduziu a produção do setor em 12,2% desde o início de 2018. Os setores mais intensivos na utilização de energia da Alemanha sofreram um declínio ainda maior, de 20%.
“Há uma recessão cíclica. E, além disso, há problemas estruturais”, disse Clemens Fuest, presidente do Instituto Ifo, de Munique, um dos principais órgãos de pesquisa econômica da Alemanha. “Essa é a combinação que resultou no desalento que vemos hoje.”
Economistas como ele se preocupam com o risco de o tecido industrial da economia alemã, a maior da Europa, estar em uma lenta degradação, com mais empresas transferindo a produção e os investimentos para o exterior.
Em consonância com esse fator, Winkller disse que a Heller planeja reduzir a dependência da Alemanha e consolidar maior presença na Ásia e nos EUA. A fabricante de máquinas para virabrequins, um componente vital de motores a gasolina e diesel, também planeja expandir sua unidade na cidade de Redditch, na Inglaterra, apesar das complicações do Brexit, devido a suas “grandes vantagens competitivas” de custos mais baixos com mão de obra se comparados aos vigentes em sua sede em Nürtingen.
Outras empresas adotam iniciativas semelhantes. Segundo a Câmara de Comércio e Indústria alemã, quase 33% das empresas pesquisadas estão preferindo investir no exterior a expandir sua operações em território nacional.
“Não quero falar mal da Alemanha, mas a sensação que se tem é a de que tudo aqui dá sinais de certo cansaço”, disse Gert Röder, a sexta geração de sua família a comandar a fundição de alumínio de 208 anos, em Soltau, no norte do país.
O grosso de seus investimentos neste ano irá para uma fábrica já em operação na República Checa, que – ao contrário da Alemanha – optou por não desativar gradualmente a energia nuclear, o que tornou seus custos com energia um pouco mais baixos. “Eles também têm uma ótima força de trabalho”, acrescentou.
Os economistas se preocupam com a capacidade de os políticos de agir de forma decisiva. Fuest, por exemplo, aponta para divisões no governo de coalizão, comandado pelo premiê Olaf Scholz, com relação ao possível lançamento de um preço subsidiado para energia elétrica destinado às indústrias intensivas em utilização de energia.
São muitos os temores em torno da decisão do governo de priorizar setores como os de semicondutores e de construção, que receberam subsídios e benefícios fiscais de vários bilhões de euros, em detrimento de seu “know-how” tradicional em áreas como a de produtos químicos, que sofrem com a elevação dos custos com energia.
A Basf, a maior empresa mundial de produtos químicos, optou por construir uma nova unidade de produtos petroquímicos, de € 10 bilhões, na China, ao mesmo tempo em que reduz o porte de sua sede às margens do rio Reno, em Ludwigshafen.
“As empresas não entendem por que a Alemanha subsidia fortemente alguns setores, como chips, enquanto parece preparada para abandonar outros”, disse Fuest.
Além disso, a capacidade da Alemanha na produção automobilística está sendo ameaçada pela China. O sucesso da economia asiática na produção de veículos elétricos fez com que ela ultrapassasse a Alemanha no ano passado como a segunda maior exportadora de automóveis em termos de volume. Embora o total das vendas externas tenham aumentado, os negócios com a China – uma fonte fundamental de crescimento nas últimas décadas – vieram abaixo.
As remessas para seu segundo maior mercado de exportações, depois dos EUA, caíram 8,1% nos primeiros sete meses deste ano, quando comparadas ao mesmo período de 2022.
A incerteza que cerca os laços políticos e econômicos da Alemanha com a China elevaram as preocupações sobre quais as expectativas de o setor alemão dependente de exportações ter um bom desempenho nos próximos anos.
A Basf reportou uma queda de quase 60% ao ano dos lucros no segundo trimestre, citando o enfraquecimento da economia chinesa como um fator significativo. A recessão alemã afetou o restante da zona do euro, onde dados oficiais divulgados na quarta-feira mostraram que a produção industrial de julho caiu 1,1% no mês e 2,2% em termos anuais. Outros consideram que o tom sombrio das perspectivas é exagerado.
Alguns setores – principalmente o de equipamentos bélicos – estão vivenciando uma demanda sem precedentes, com empresas como a Rheinmetall e a Renk registrando números recordes, com a guerra na Ucrânia impulsionando os gastos militares na Europa.
Markus Krebber, CEO do grupo de energia RWE, maior produtora de energia elétrica da Alemanha, disse discordar do tom “alarmista” atual. “Há desafios e temos de enfrentá-los. Mas não compartilho desse quadro negativo generalizado”, disse ele.
Krebber, que também faz parte de um conselho de assessores da BDI, a Confederação da Indústria Alemã, a maior entidade de classe das indústrias do país, defendeu o fim do “ativismo de curto prazo”, concentrado em subsídios para determinados setores, em favor de reformas que viabilizem um crescimento de longo prazo.
“Deveríamos falar sobre o sistema fiscal, de reduzir a burocracia. Temos de pressionar por digitalização, além de obter trabalhadores qualificados na Alemanha e melhorar nosso sistema educacional”, disse Krebber.
Fuest observa que muitos dos problemas da Alemanha são passíveis de correção. “Então, vamos em frente e vamos fazer isso.”
Fonte: Valor Econômico

