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Torsten Sløk: “Em 1999, a idade média de uma empresa em IPO era de cinco anos. Em 2022, era de oito anos, e hoje, de 14 anos” — Foto: Victor J. Blue/Bloomberg
As acrobacias improváveis exibidas pela rede britânica de academias de alto padrão David Lloyd ilustram as enfermidades que afligem tanto os mercados negociados publicamente quanto de forma privada. A empresa, que se descreve como “o principal grupo de saúde e bem-estar da Europa”, acabou a semana passada no centro de uma das estratégias mais intrigantes da indústria de private equity.
A TDR, sua controladora de private equity, na prática vendeu a companhia para outra parte da própria TDR, depois que tentativas anteriores de se desfazer do grupo adquirido em 2013 perderam fôlego. Ela utilizou um chamado veículo de continuação para transferir a propriedade de um bolso para outro, apoiada em parte com recursos de – adivinhe – outra companhia de private equity, a CVC.
Para pessoas comuns, isso lembra Milo Minderbinder e sua cooperativa de ovos malteses na Ardil-22, na qual ele comprava repetidamente ovos que já havia vendido e, de alguma forma, sempre lucrava. Já na indústria de private equity, trata-se de um dia normal no escritório. No primeiro semestre deste ano, as firmas de private equity venderam empresas de volta a si mesmas em ritmo recorde, encontrando uma forma de saída (ou de voltar, se preferir) de cerca de US$ 41 bilhões em investimentos nos primeiros seis meses de 2025, segundo o banco de investimento Jefferies. Isso equivale a quase um quinto de todas as vendas do setor, 60% acima do nível do ano passado, e ocorre em um momento em que os grupos de private equity se veem sentados sobre US$ 3 trilhões em ativos dos quais não conseguem se desfazer, seja vendendo para outra companhia, seja abrindo capital.
Uma das razões é um caso crônico de constipação dos mercados, instalado desde o fim da era dos juros quase zero. Antigamente, a crença – nem sempre correta – era que firmas de private equity poderiam tomar dinheiro emprestado a custos baixos, comprar empresas depreciadas, adicionar a magia da engenharia financeira e alguma competência de gestão, e então revendê-las. Agora isso se tornou mais difícil, tanto na ponta do endividamento quanto nos mercados acionários. A grande esperança era que as condições para aberturas de capital melhorassem neste ano. Não foi o que aconteceu.
Os mercados se recuperaram do choque sofrido em abril com as tarifas dos EUA, mas a incerteza continua elevada. O reduzido grupo de incômodos gestores de fundos que selecionam ações (“stock pickers”) que realmente sustentam os processos de IPO (oferta inicial de ações, na sigla em inglês) está mais exigente, e muitas vezes não aceita pagar o preço que as empresas ou seus patrocinadores de private equity acham justo. Repetidamente, no último ano e meio, banqueiros e executivos de private equity me disseram que essa diferença de expectativas estava prestes a desaparecer. Qualquer dia desses. Eles insistem que 2026 será o ano em que tudo vai se alinhar e as novas aberturas de capital vão fluir. Veremos.
Por enquanto, a tensão é bastante evidente nos mercados do Reino Unido, por exemplo. O índice FTSE All-Share subiu cerca de 12% em 2025, caminhando para seu melhor desempenho anual desde a recuperação da crise financeira. No entanto, no front de novas listagens, o silêncio é total.
A provedora de dados PitchBook observou em um relatório neste mês que as “saídas” são o “ponto mais fraco” da indústria britânica de private equity. No primeiro semestre de 2025, elas caíram 12% em relação ao mesmo período do ano passado, que já havia caído mais da metade em comparação ao ano anterior.
Ainda há muito dinheiro fluindo para private equity, o que significa que as gestoras continuam comprando empresas para seus portfólios, mas isso também quer dizer que o Reino Unido acumula agora um estoque de mais de 2,7 mil companhias à espera de um novo destino. Os “desafios persistentes de listagem” no mercado londrino, como coloca a PitchBook, são uma parte central disso. De fato, o fluxo segue na direção contrária, como mostrou o caso da Spectris, que saiu da bolsa e foi adquirida por investidores de private equity em um negócio de quase 5 bilhões de libras esterlinas (US$ 6,8 bilhões).
Banqueiros de investimento dizem que Londres fez um bom trabalho ao alinhar seu mercado acionário a bolsas mais amigáveis às empresas na Europa continental, e que essas melhorias levam tempo para surtir efeito. Ainda assim, por ora, os canos continuam entupidos.
O Reino Unido está longe de ser o único nessa situação. Mesmo nos EUA, o fluxo habitual foi interrompido. Torsten Sløk, do grupo de mercados de private equity Apollo, destacou na semana passada que, além do fluxo constante de empresas deixando os mercados com negociação em bolsa, aquelas que optam por abrir capital “estão cada vez mais velhas”. (Suspiro, não estamos todos?)
“Em 1999, a idade média de uma empresa em IPO era de cinco anos”, escreveu. “Em 2022, era de oito anos, e hoje, a idade média aumentou para 14 anos.”
Algumas empresas ainda conseguem, claro, como mostrou no início do mês a Klarna, especialista em “buy now, pay later” (modalidade de crediário digital). Mas, novamente, trata-se de uma companhia de 20 anos.
A relutância em abrir capital se deve em parte ao peso administrativo e regulatório. Também em parte porque os “stock pickers” foram atropelados pelos fundos passivos (ainda que se possa argumentar que isso é resultado da ascensão do private equity, e não a causa dela).
Mas há outra força em jogo: o private equity tem segurado ativos valiosos por mais tempo ao longo dos anos, extraindo o máximo possível deles e deixando pouco para os investidores do mercado de negociação pública em bolsa. Parece justo, portanto, que desfaça o entupimento aceitando preços de saída mais baixos na bolsa.
Fonte: Valor Econômico