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Ainda que desacelere ligeiramente até o fim do atual mandato de Lula, o déficit estrutural do governo central deve convergir para o redor de 1% do PIB até 2026, cerca de um ponto percentual pior do que indicam os parâmetros adotados pela equipe econômica. É o que aponta estudo do Santander.
O resultado primário estrutural do governo deve fechar 2024 com déficit de 1,3% do PIB, desacelerando para -1,2% em 2025 e -1,1% em 2026. Se concretizados os parâmetros indicados pelo governo no orçamento, no entanto, o déficit iria de 0,8% do PIB em 2024 para -0,4% em 2025 e -0,1% em 2026. As estimativas são dos economistas Ítalo Franca e Ana Júlia Carvalho.
O primário estrutural não considera fatores cíclicos nem extraordinários e é uma medida importante para mapear a situação fiscal dos países a médio-longo prazo.
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Com um PIB mais próximo de 3% neste ano, como divulgou na semana passada a Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda, o resultado estrutural para 2024, nos parâmetros do governo, pode ser até um pouco melhor, entre -0,6% e -0,7% do PIB, observa Franca. Ainda assim, “teria uma convergência para o neutro mais rápida do que a gente vê”, diz.
Uma das explicações para a diferença entre as estimativas de primário estrutural com as premissas do Santander e as do governo é exatamente a expectativa para a economia. Por enquanto, o Santander projeta, por exemplo, alta do PIB de 1,5% no ano que vem, enquanto o governo estima 2,5%.
Além disso, o governo considera, entre diversas medidas, mais de R$ 160 bilhões em novas receitas para o ano que vem, mas os economistas do Santander dizem ter dúvida sobre a viabilidade de todas elas.
“Essa diferença [entre a projeção de primário estrutural com números do Santander e do governo] vai depender de como esses parâmetros todos evoluem, tanto a aprovação de medidas, quanto o crescimento da economia. Pode ser que seja algo intermadiário”, diz Franca.
Ainda assim, para ele, as premissas do governo parecem um pouco otimistas. “Eu fico bastante confortável com a estimativa de um déficit estrutural de 1% do PIB ou um pouco abaixo. Provavelmente, eles [governo] vão convergir para isso. Tem coisas superestimadas nas receitas e subestimadas nas despesas”, afirma Franca.
Isso significa, segundo o economista, que, estruturalmente, o governo vai precisar de mais medidas e reformas. “Vão precisar atacar a agenda de gastos e aprovar aumento de carga tributária que não afete o PIB. Vão precisar de outros esforços estruturais, mas a agenda, até agora, é composta de elementos menos estruturais”, afirma, acrescentando que contingenciamento de gastos, por exemplo, é importante, mas não é estrutural.
O resultado primário tradicional do governo central é a diferença entre receitas e despesas, exceto gastos com juros. Esse resultado primário pode ser recorrente ou não recorrente. No resultado recorrente, entram, por exemplo, gastos com precatórios que acontecem todos os anos, mas não o “excesso”, isto é, gastos extraordinários com precatórios, que vão compor o primário não recorrente, explica Franca.
O primário recorrente, por sua vez, pode ser dividido entre cíclico – isto é, aquele ajudado pelo desempenho do PIB – e estrutural. Daí que o resultado estrutural pode ser obtido pela diferença entre o primário geral do governo central, o primário recorrente cíclico e o primário não recorrente, explica Carvalho.
O Santander usou três metodologias diferentes para calcular o primário estrutural: um método agregado, utilizado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI); um método desagregado, derivado da Organização de Cooperação para o Desenvolvimento Econômico (OCDE); e um método alternativo do próprio Santander, a partir da relação entre o resultado recorrente e o hiato (medida para a ociosidade da economia). Os números finais apresentados pelo Santander representam a média desses três métodos.
Em cada metodologia, o jeito de calcular o primário estrutural é parecido, diz Carvalho. O que muda, segundo ela, é a chamada “elasticidade” da receita em relação ao PIB, isto é, como a arrecadação reage a determinado comportamento da atividade econômica. “O método agregado, do FMI, usa uma elasticidade só. A vantagem é que ele é bem simples, mas pode haver perda de acurácia. Já o método desagregado, da OCDE, calcula uma elasticidade para cada quebra de receita”, exemplifica.
A ideia de usar três metodologias diferentes foi trazer robustez ao resultado estrutural final, diz Franca. “Quando agregamos e usamos uma elasticidade só é como se fosse uma média. Um questionamento, porém, é que nem todas as receitas se comportam da mesma forma a depender só do PIB. O que depende mais de lucro ou do mercado de trabalho, por exemplo, pode ter uma sensibilidade ao PIB maior do que outros tipos de imposto, como IOF [Imposto sobre Operações Financeiras]”, explica Franca.
Até junho de 2024, o déficit estrutural calculado pelo Santander deve ter apresentado seu pior momento, chegando a 1,84% do PIB, muito por causa do impulso fiscal existente, diz Franca.
Enquanto o fator estrutural do primário deve melhorar lentamente até 2026, o componente cíclico deve contribuir cada vez menos, e os elementos não recorrentes passam a atrapalhar. A estimativa do Santander é que o resultado cíclico seja de superávits de 0,47% do PIB em 2024, 0,3% em 2025 e apenas 0,12% do PIB em 2026. Já o resultado não recorrente deve sair praticamente da estabilidade em 2024 (0,03% do PIB) para déficits de 0,2% do PIB em 2025 e de 0,18% em 2026.
“O resultado geral vai ser melhor porque ainda tem uma parte cíclica ajudando, mas isso tende a arrefecer”, afirma Franca.
Para controlar a trajetória da dívida pública, o Brasil precisa de um superávits de 1,5% a 2% do PIB, diz Franca, e, nessa tarefa de mais longo prazo, o fator estrutural vai ganhando peso.
“Tivemos um conjuntural positivo no curto prazo, mas temos desafios estruturais par resolver, principalmente nas despesas. Quanto mais tiver ajuste e mais o PIB crescer, a velocidade desse estrutural melhora. Isso cria um ambiente positivo e até o fator cíclico acaba ajudando também, porque daria para reduzir a taxa de juros real e a economia reagiria melhor. É por isso que a agenda de consolidação fiscal é importante. É uma questão estrutural para a economia conseguir ter melhores parâmetros”, afirma Franca.
Fonte: Valor Econômico

