Por Adriana Cotias — De São Paulo
23/11/2023 05h04 Atualizado há 5 horas
Num ano em que o setor de fundos de investimentos líquidos registra resgates de R$ 105,2 bilhões, as carteiras de previdência exibem um raro sinal positivo, com captação de R$ 12,7 bilhões até 17 de novembro. A seguir esse ritmo, o segmento tem chances de empatar ou até mesmo superar a produção de 2021 e 2022, quando R$ 13,4 bilhões e R$ 14,0 bilhões, respectivamente, ingressaram nesses portfólios – em 2019 (R$ 42,8 bilhões) e em 2020 (R$ 35,5 bilhões), em meio à reforma das regras do sistema público e na pandemia, havia mais dinamismo.
Os últimos meses de cada exercício costumam atrair boa parte do dinheiro de investidores que buscam o benefício fiscal do Plano Gerador de Benefício Livre (PGBL), em que podem reduzir a base de renda tributável em até 12% na declaração anual. Nessa reta final de 2023, outro fator pode contribuir para engordar o bolo da previdência: a nova tributação de fundos exclusivos/restritos fechados, veículos usados pelas famílias utrarricas para uma maior eficiência tributária.
Como a previdência não tem e não será alvo do “come-cotas” – o imposto semestral que recai sobre fundos multimercados, de renda fixa e cambiais tradicionais -, conforme o projeto de lei que está no Congresso, esse pode ser um dos destinos de parte dos recursos. Na opção pela tabela regressiva, para o investimento de longo prazo, a previdência tem a menor alíquota de Imposto de Renda, de 10% após dez anos. Em oito anos empata com a de veículos com tributação exclusiva, de 15%, caso dos fundos de ações e os próprios exclusivos fechados quando entrar em vigor a nova regra.
A resistência da previdência dentro da indústria de fundos se deve a alguns fatores, segundo lista Rudolf Gschliffner, chefe de produtos da Santander Asset Management. O segmento não sofreu o mesmo efeito das perdas de crédito na primeira metade do ano, após o colapso da Americanas. O investidor que se viu machucado apenas fez a portabilidade para alternativas mais conservadoras. A predominância de estratégias de renda fixa na grade dos bancos – que detêm os maiores volumes da previdência – também ajudou, não houve concorrência de letras e certificados de crédito isentos que se viu nos demais fundos.
Particularmente a partir do terceiro trimestre, o executivo diz que dá para inferir que houve incrementos antecipando a nova tributação dos fundos exclusivos/restritos fechados. “Os exclusivos, com a questão da tributação, foram menos incentivados e esse impacto eventual parece ter acelerado algumas estruturas de previdência na casca de multimercados porque quando se olha para os fundos em geral, o primeiro semestre foi ruim e o último trimestre também”, afirma Gschliffner.
A rede está aquecida e tem novos produtos. O discurso da previdência é fortalecido pela questão tributária”
— Rudolf Gschliffner
Entre julho e outubro, dentro da previdência, os multimercados livres tiveram ingressos líquidos de R$ 1,9 bilhão, segundo a Anbima. Os fundos de renda fixa crédito livre atraíram R$ 7,6 bilhões de julho para cá e os indexados receberam R$ 8,7 bilhões. As carteiras de ações tiveram incremento de R$ 1,9 bilhão.
As estratégias de renda fixa ativa têm sido um dos destinos para o dinheiro novo que tem chegado para a previdência. Várias instituições criaram produtos com esse perfil, do fim do ano passado para cá, e os gestores têm conseguido surfar na volatilidade de juros reais e nominais.
Os meses de novembro e dezembro, tradicionalmente, trazem novos recursos para os fundos destinados às reservas para a aposentadoria e “a rede está aquecida, usando novos produtos. O discurso em favor da previdência é fortalecido pela questão tributária”, afirma Gschliffner. Com a evolução regulatória dos últimos anos, a diferenciação entre estratégias mais voláteis, que cobram taxa de performance, previdenciárias ou não, diminuiu, diz.
Os grandes grupos financeiros, donos do maior estoque de previdência nas suas respectivas seguradoras e gestoras de recursos, são, naturalmente, os que mais sofrem a investida da concorrência via portabilidade – em que o investidor pode migrar sem ter que resgatar e pagar imposto.
No caso da “joint venture” Zurique Santander, até setembro, o escape se limitava a R$ 155,5 milhões, segundo dados da Susep. “A grade hoje não deixa a desejar, tem oferta de fundos ‘offshore’, multimercados, ações. A melhor defesa é ir para o ataque”, diz Gschliffner. Ele conta que as carteiras de renda fixa ativa e multiestratégia captaram R$ 3,5 bilhões neste ano. A previdência como um todo tinha atraído R$ 2,3 bilhões líquidos até setembro, ante R$ 1 bilhão na mesma data no ano passado.
A concorrência se intensificou nos últimos anos e “a guerra da portabilidade continua sendo jogada”, diz Estevão Scripilliti, diretor da Bradesco Vida e Previdência. “Em algum momento havia mais assimetria na oferta de produtos, hoje ela é menor. As grandes [seguradoras] estão mais equilibradas e cada vez mais se discute os serviços relacionados e a consistência da oferta.”
Neste ano, prossegue o executivo, os grandes grupos financeiros (Brasilprev, Bradesco, Santander ou Itaú) aparecem como ganhadores em termos de captação líquida, diferentemente de 2021 e 2022, em que seguradoras novatas (ligadas a XP e BTG Pactual, principalmente) roubaram a cena. Na portabilidade, a maioria das instituições da chamada “bancassurance”, que tem o próprio balcão, ainda perde recursos para a concorrência, mas em volume menor do que no passado.
A Bradesco chegou a ter saldo negativo de R$ 6 bilhões e hoje está perto de R$ 2,5 bilhões. “Quando combina com a captação fora a portabilidade, teve mais de R$ 5 bilhões no total, o que não acontecia há seis, sete anos”, diz Scripilliti. No acumulado de 2022 até outubro, a conta estava no zero a zero.
Num cenário de juros para baixo, o executivo não vê saídas expressivas dos planos dos bancões para as casas independentes na intensidade que se observou nos anos de queda da Selic. “A indústria já buscou diversificação de portfólio ampla, os fundos fora da previdência e os de previdência têm alternativas mais similares do que no passado, o que diminui a pressão”, diz Scripilliti. “E o próprio processo de educação financeira permite mostrar os atributos, a flexibilidade de migração sem tributação, gradualmente os especialistas e escritórios têm entendido o valor do instrumento, isso nos blinda de uma migração massiva.”
Entre os grandes conglomerados financeiros, o que se defendeu melhor foi o Itaú Unibanco, com um valor líquido de portabilidade positivo em R$ 4,2 bilhões até setembro. No lado da captação dos planos houve ingresso de R$ 4,6 bilhões, diz Cláudio Sanches, diretor de produtos de investimentos e previdência do banco. Com a arrancada de fim de ano, ele espera fechar 2023 com algo próximo de R$ 8 bilhões. Será um resultado “muito bom” dado que em 2022 a conta entre entradas e resgates praticamente empatou.
Para esse desempenho, o executivo diz que os escritórios de assessorias de investimentos e os especialistas na rede de agências tiveram um importante papel porque a previdência requer uma venda mais consultiva. “É uma conversa mais sofisticada, tem a diferença de tributação, precisa olhar para a carteira completa do cliente, se é melhor o P [PGBL] ou o V [VGBL], é uma conversa mais longa”, diz.
De imediato, Sanches não prevê incrementos decorrentes da mudança da tributação nos veículos de gestão patrimonial, “não é uma coisa simples falar ‘vou sair de fundo exclusivo e vou para a previdência’. Pode até ser isso, mas a flexibilidade é menor, [o gestor] não pode alavancar ativos no exterior, por exemplo, tem certas limitações”.
Ele cita que a previdência está relacionada à economia. No ano passado, em meio às incertezas do que viria depois do processo eleitoral, o investidor não quis se arriscar em aplicações longas. “Começamos a ver a taxa de juros cair, e com a previsão de queda maior, as pessoas olham para o longo prazo”, afirma Sanches. “O primeiro semestre foi de muito investimento em DI e agora começa a ter uma mudança de perfil, indo para a renda fixa ativa, num primeiro momento, e mais adiante para multimercados. No ano que vem vamos ver um movimento mais forte de saídas do ‘CDIzão’.”
Entre as independentes, a XP Vida e Previdência, com um saldo positivo de R$ 4,2 bilhões na portabilidade, e o BTG Pactual Vida e Previdência, com R$ 3,7 bilhões, mostram ainda ser rivais incômodos para os grandes grupos com rede de agências.
No BTG, não só o “rouba-monte” fluiu, como também o ingresso de dinheiro novo, com R$ 3,7 bilhões de captação líquida, segundo Gabriel Escabin, chefe da área de previdência da instituição. Ele conta que desde 2015, quando foi criada, a seguradora nunca teve um mês negativo. Com R$ 19 bilhões em custódia, o índice de evasão é baixo, inferior a 3%, prossegue.
Uma das táticas de atração e retenção de clientes é que a previdência aparece composta dentro da carteira de investimentos como um todo e a oferta vem casada com muita tecnologia no autosserviço. É possível fazer todo o processo de portabilidade sem auxílio de um assessor. A instituição também privilegia a venda cruzada com o segmento corporativo, uma forma de fidelizar essa base e trazer novos clientes pessoas físicas.
A queda da Selic, diz o executivo, vai impactar a escolha financeira do cliente e isso vale para a previdência. O orçamento do banco para 2024 prevê um ano melhor do que 2023 se desenha, mas isso não quer dizer movimentar o patrimônio do investidor para a previdência por causa de eventuais ganhos tributários em relação aos fundos fechados exclusivos.
Por mais que a regulação dos fundos de previdência tenha evoluído, Escabin diz que ainda há algumas amarras, com limitação de até 40% para investimentos no exterior para o público qualificado e de 20% no varejo. Nos fundos de ações a aderência do produto previdenciário é de 100% em relação às carteiras tradicionais e nas de renda fixa/inflação há vantagem em ter acesso a uma tributação menor se o dinheiro for efetivamente de longo prazo, evitando o come-cotas do fundo aberto.
Fonte: Valor Econômico

