Por Victor Rezende e Gabriel Roca — De São Paulo
09/06/2022 05h03 Atualizado há 4 horas
Embora já estejam no maior nível do ano, os juros de longo prazo podem não encontrar tanto apoio à frente para uma retirada mais forte de prêmios de risco. O mercado começa a vislumbrar o fim do ciclo de aperto monetário nos próximos meses, e, mesmo que alguns agentes vejam esse evento como algo importante para que haja um alívio no cenário, a perspectiva para as taxas de longo prazo não se mostra muito favorável, na medida em que os riscos fiscais e políticos continuam em alta, ao mesmo tempo em que a escalada dos Treasuries se mantém em vigor.
As apostas dos agentes, assim, têm se concentrado em uma maior inclinação da curva de juros, ou seja, em um aumento da diferença entre os juros longos e os de curto prazo. No momento, o spread entre as taxas longas e curtas está negativo – no jargão do mercado, a curva de juros está “invertida”. Ontem, a diferença entre os juros de cinco e de dois anos estava em -0,635 ponto. Na visão de profissionais do mercado, essa diferença tende a aumentar após o fim do ciclo de aperto monetário. Essa aposta indica a possibilidade de os juros curtos caírem de forma expressiva ou até mesmo a chance de as taxas longas subirem mais.
“Todos os caminhos levam para uma inclinação maior da curva de juros”, afirma o superintendente de pesquisa macroeconômica do Santander, Mauricio Oreng. Ao enumerar os fatores que apontam para esse cenário, o profissional cita o processo de aperto monetário em economias avançadas, que tem gerado dúvidas sobre o nível neutro dos juros; o pico da inflação e a proximidade do fim do ciclo de elevação da Selic; e os riscos fiscais, que continuam no radar.
Em relação ao cenário externo, Oreng observa que os juros internacionais costumam ter influência, em especial, nas taxas de longo prazo. “Temos esse cenário de aperto que pode se desenhar como mais célere do que em outros ciclos para vários bancos centrais de países desenvolvidos, e existe dúvida sobre se lá na frente, quando o ciclo estiver encerrado, os juros vão estar em níveis mais altos”, diz.
“A dúvida passa a ser, no futuro, qual o nível neutro do juro global. Será que tivemos um aumento com todas essas repercussões inflacionárias no pós-covid, agravamento das cadeias produtivas, tensões geopolíticas? É uma dúvida que, eventualmente, pode trazer uma visão de que o juro neutro no Brasil possa ter subido adicionalmente”, avalia Oreng. Ele nota que, com o aumento do risco fiscal durante a pandemia, a taxa de juros neutra do Brasil subiu para cerca de 4% em termos reais, nos cálculos do Santander, e avalia que pode subir ainda mais, a depender do juro neutro global.
Quanto aos fatores internos, o risco fiscal é uma das questões que têm pressionado frequentemente os juros de longo prazo. Nos últimos dias, inclusive, as discussões em torno do ICMS e de cortes de impostos propostos pelo governo federal para conter os preços dos combustíveis geraram forte alta das taxas longas, que alcançaram os maiores níveis desde outubro de 2021. Ontem, a taxa do DI para janeiro de 2027 subiu de 12,57% para 12,605%.
Além das questões fiscais, um dos principais fatores citados por profissionais do mercado para apostas em um aumento da inclinação da curva de juros é a proximidade do fim do ciclo de aperto monetário. Assim que o Banco Central indica que encerrou o processo de elevação da taxa de juros, o mercado começa a colocar nos preços dos ativos quando se dará o movimento inverso, de redução de juros, o que pode gerar predisposição dos agentes a apostar na queda dos juros de prazo mais curto.
O diretor de gestão (CIO) da BV Asset, Luiz Armando Sedrani, destaca o fato de o Brasil ser um dos poucos países, dentre as principais economias do mundo, cuja taxa de juros já está acima dos níveis da inflação corrente, o que pode ser traduzido como um estágio avançado do ciclo de aperto monetário.
De acordo com o profissional, a inflação global provocada pelas commodities pode começar a perder tração daqui em diante. Além disso, quando as pressões inflacionárias mais ligadas à atividade econômica no Brasil começarem a ceder, o movimento de desinflação pode ser mais rápido que o esperado pelos agentes financeiros. “Assim, temos preferência por apostas que se beneficiem da inclinação da curva de juros. De um lado, acreditamos que o Banco Central pode vir a cortar mais cedo do que se espera. E, de outro, o aumento do risco político também beneficia a estratégia”, afirma Sedrani.
No contexto de resultados fiscais melhores que as expectativas, o executivo acredita que parece ser difícil conter o ímpeto do governo de ampliar os gastos, especialmente em um ano eleitoral. “Acreditamos que haverá pressão por mais gastos e o governo vai tentar estimular a economia. Isso preocupa, tem impacto na curva de juros e, por isso, nossas apostas são no aumento da inclinação”, argumenta.
A Legacy Capital é outra gestora que tende a aumentar posições que se beneficiam de uma diferença maior entre os juros longos e os mais curtos, diante da proximidade do fim de alta da Selic. “Sempre que o ciclo de elevação de juros se interrompeu, a curva ganhou inclinação. Por motivos diferentes, mas a inclinação sempre aumenta”, observa Gustavo Pessoa, sócio e gestor da casa.
O profissional diz que a Legacy acompanha esse processo não só no Brasil, mas em diferentes países, e enfatiza que ele “nunca deixou de acontecer”. Assim, a gestora mantém essa posição na carteira. “A dificuldade é entender quando será o fim do ciclo. Quando o movimento [de aumento da inclinação da curva de juros] acontece, ele tende a ser brusco e potente”, nota Pessoa.
O economista-chefe da WHG, Fernando Fenolio, avalia que as apostas em um spread maior entre os juros longos e curtos se baseiam na visão de que as ações do BC devem influenciar as taxas curtas, enquanto o risco fiscal pode manter pressionado o juro de longo prazo.
“Caso o BC pare de subir os juros na próxima reunião, em um cenário de inflação alta e expectativas se deteriorando, a curva de juros pode inclinar bastante com um prêmio de inflação. Seria uma leitura do mercado que ele estaria interrompendo o ciclo em um momento em que o trabalho ainda não está terminado”, diz Fenolio.
Por outro lado, caso a autoridade monetária encerre o ciclo de aperto em um momento de arrefecimento da inflação corrente e das expectativas, a inclinação da curva poderia ocorrer em menor magnitude. “Nesse caso, o mercado começaria a projetar o ciclo de cortes de juros”, aponta o economista.
“Mas o prêmio fiscal pode dominar bem essa parte do ‘steepening’ [aumento da inclinação da curva]. Em um cenário mais extremo, se o risco fiscal subir muito, poderíamos até ver uma necessidade do BC voltar a subir os juros e a curva voltar a achatar”, afirma Fenolio. Ele, porém, enfatiza que esse não é o cenário-base da WHG.
Fonte: Valor Econômico

