A economia da China começou o ano de forma relativamente positiva, mas surgem dúvidas em uma dimensão crucial: o mercado de trabalho.
A taxa oficial de desemprego nas áreas urbanas da China subiu para 5,4% em fevereiro, o nível mais alto em dois anos, mesmo com o crescimento dos gastos dos consumidores superando as expectativas e os investimentos aumentando, segundo dados divulgados pelo Escritório Nacional de Estatísticas no início desta semana.
Indicadores privados também mostram que o mercado de trabalho continua fraco, apesar das autoridades terem lançado uma série de medidas para impulsionar o crescimento desde o outono passado. Uma pesquisa da agência de recrutamento chinesa Liepin mostra que 19% das empresas planejavam cortar pessoal no primeiro trimestre deste ano, acima dos 12% de um ano atrás. O crescimento anual dos salários urbanos desacelerou significativamente, de 5,6% no primeiro trimestre de 2024 para apenas 2,6% no terceiro trimestre do ano passado, de acordo com cálculos do Goldman Sachs.
Economistas afirmam que os números fracos do emprego aumentam a urgência para Pequim ampliar os estímulos fiscais para criar mais empregos, já que o setor de manufatura de ponta em expansão não consegue absorver os trabalhadores ociosos devido à prolongada desaceleração do setor imobiliário. Além disso, a tensão comercial com o governo do presidente Donald Trump e as crescentes barreiras às exportações chinesas podem levar mais fabricantes à falência ou acelerar os planos de transferir a produção para o exterior, eliminando ainda mais empregos necessários no país.
Embora autoridades chinesas digam que a maior taxa de desemprego em fevereiro reflete em parte as interrupções causadas pelo feriado do Ano Novo Lunar, reconhecem a necessidade de fortalecer o emprego. “Estabilizar e expandir o emprego neste ano ainda exigirá esforços significativos”, disse Fu Linghui, porta-voz do Escritório Nacional de Estatísticas da China, na segunda-feira. “A base para a recuperação e melhoria da economia doméstica ainda não é sólida.”
Muitos economistas acreditam que a realidade pode ser pior do que mostram os dados oficiais.
Os números de desemprego da China há muito enfrentam críticas quanto à sua precisão, em parte porque os residentes rurais são excluídos das pesquisas sobre desemprego. Em 2023, Pequim suspendeu temporariamente a divulgação da taxa de desemprego entre jovens enquanto alterava a metodologia de cálculo, “otimizando-a” ao excluir estudantes matriculados em escolas, o que resultou em uma taxa mais baixa.
E, ao contrário de países como os EUA, a China não possui dados oficiais que meçam o subemprego, quando trabalhadores subutilizam suas habilidades, como graduados universitários que assumem empregos que não exigem diploma.
Mesmo com a metodologia revisada, a taxa de desemprego continua desproporcionalmente alta entre os jovens. A taxa para aqueles entre 16 e 24 anos, excluindo estudantes, subiu para 16,9% em fevereiro, de acordo com os dados mais recentes do governo divulgados na quinta-feira, acima dos 16,1% em janeiro e dos 15,7% em dezembro.
“Não vimos nenhuma melhora fundamental no mercado de trabalho”, disse Larry Hu, economista-chefe para a China no Macquarie Group. “As autoridades precisam tomar medidas mais ousadas para criar demanda, especialmente se as tarifas dos EUA continuarem subindo.” Até agora, o governo Trump aplicou tarifas adicionais de 20% sobre produtos chineses e ameaça impor novas tarifas de reciprocidade sobre todos os países em abril.
Enquanto isso, um número recorde de 12,2 milhões de graduados universitários deve ingressar no mercado de trabalho neste verão, competindo por um número cada vez menor de vagas de colarinho branco, já que as empresas correm para adotar inteligência artificial e reduzir custos.
O cenário que pode tirar o sono dos formuladores de políticas na China é que um mercado de trabalho enfraquecido, marcado pela desaceleração do crescimento salarial e aumento da competição, afete a confiança de empresas e famílias. Isso, por sua vez, reduzirá o apetite por investimentos e consumo, levando a uma espiral deflacionária — um ciclo vicioso em que preços baixos e demanda fraca se reforçam mutuamente.
Em fevereiro, o índice de preços ao consumidor da China caiu no ritmo mais rápido em mais de um ano.
De muitas maneiras, o problema no mercado de trabalho decorre dos esforços de Pequim para reformular seu modelo de crescimento para um mais dependente da manufatura de alta tecnologia e menos de investimentos em imóveis e infraestrutura, que foram criticados por gastos excessivos e retornos decrescentes.
Um problema com essa abordagem é que os setores de manufatura de ponta não criam empregos suficientes para compensar.
Um estudo de 2023 do Goldman Sachs concluiu que os novos pilares de crescimento da economia chinesa — incluindo a produção de baterias, veículos elétricos e painéis solares — são muito menos intensivos em mão de obra do que empreendimentos anteriores, como a fabricação de móveis, o setor imobiliário e a construção de infraestrutura.
Para cada 1 trilhão de yuan (US$ 140 bilhões) em demanda final por veículos elétricos, seriam criados 2,8 milhões de empregos, segundo o estudo. O mesmo valor investido em construção de moradias geraria 3,7 milhões de empregos.
Outros dados apontam para conclusões semelhantes.
Gene Ma, chefe de pesquisa sobre a China no Instituto de Finanças Internacionais, descobriu que, de 2012 a 2023, a China perdeu 86 milhões de empregos no setor agrícola e 17 milhões em indústrias como manufatura e mineração, enquanto adicionou 82 milhões no setor de serviços. Isso resulta em uma perda líquida de 21 milhões de empregos em 11 anos.
“As novas indústrias têm capacidade limitada de absorver o excesso de força de trabalho”, disse Ma, acrescentando que a rápida adoção da automação pela China, bem como os esforços contínuos das fabricantes para transferir cadeias de suprimentos para fora do país devido às tarifas dos EUA, deixarão ainda menos empregos disponíveis para os trabalhadores chineses.
A automação está varrendo o setor de manufatura de alta tecnologia na China, com o país representando 51% dos robôs industriais instalados globalmente em 2023, de acordo com a Federação Internacional de Robótica. Um executivo que trabalha com automação fabril disse que há uma demanda crescente por automatizar linhas de produção, mesmo entre empresas estatais, graças ao surgimento de fabricantes domésticos de robôs industriais que conseguem oferecer preços mais baixos do que os concorrentes internacionais.
“O superpoder secreto da China em termos de eficiência na manufatura é a combinação de mão de obra de menor custo com altos níveis de automação”, disse Michael Dunne, CEO da consultoria automotiva Dunne Insights. “Visite a nova fábrica da Xiaomi ou o enorme complexo industrial da BYD em Henan e você ficará impressionado com o nível de automação — robôs por toda parte, tudo limpo e silencioso.”
Trabalhadores de colarinho branco também enfrentam maior insegurança no emprego.
Nicole Liu, de 34 anos, que trabalha com sourcing de cadeia de suprimentos para uma montadora alemã em Xangai, começou a procurar emprego em dezembro passado, preocupada com uma possível demissão devido à queda nas vendas de carros a diesel na China. Ela rapidamente percebeu que as condições do mercado estavam difíceis. “A maioria das grandes empresas congelou as contratações e poucas ainda estão contratando”, disse Liu, que chegou a procurar oportunidades em setores que vão de farmacêuticas a bens de consumo. “Os salários parecem estar caindo em todos os setores.”
Nas últimas semanas, governos locais em Guangzhou integraram modelos de inteligência artificial desenvolvidos pela DeepSeek para ajudar a processar documentos. Alguns temem que isso possa tornar obsoletos certos cargos no serviço público.
“O aumento de aplicativos de IA de alto desempenho e baixo custo pode desestabilizar os mercados de trabalho, com a perda de empregos de colarinho branco superando significativamente os ganhos”, escreveram economistas do Nomura em um relatório a clientes no mês passado.
Essas tendências significam um delicado jogo de equilíbrio para o governo central, que estabeleceu a meta de criar mais de 12 milhões de novos empregos urbanos este ano e manter a taxa de desemprego urbano em torno de 5,5%, conforme anunciado no Congresso Nacional do Povo no início deste mês.
O apoio ao emprego foi listado como prioridade em um amplo plano de ação para estimular o consumo, divulgado pelo governo chinês no último domingo. Na segunda-feira, Fu Jinling, do Ministério das Finanças, disse a repórteres que Pequim reservou 66,7 bilhões de yuan em subsídios este ano para apoiar políticas relacionadas ao emprego.
Isso irá “incentivar e orientar as empresas a absorver mais trabalhadores”, com foco em graduados universitários, disse ele.
Fonte: Valor Econômico

