Rei Charles III recebe Donald Trump no Reino Unido

Presidente dos EUA inicia sua segunda visita oficial ao Reino Unido. Crédito: AFP
Foi um banquete para ricos e poderosos
Lá estavam eles, sentados lado a lado, algumas das pessoas mais influentes e bem relacionadas do mundo, todas reunidas em uma longa mesa dentro de um castelo com quase mil anos de idade. O convidado de honra estava no meio da mesa, vestindo gravata branca, parecendo mais feliz do que nunca. Ele estava sendo tratado como um rei por um rei de verdade.
O jantar de Estado que o rei Charles III ofereceu ao presidente Donald Trump na quarta-feira à noite no Castelo de Windsor parecia um novo ápice para Trump: uma exibição brilhante dos poderosos se superando para ficar (ou permanecer) do lado de um presidente cujo segundo mandato foi marcado por demonstrações de poder bruto. Essas demonstrações têm assumido cada vez mais a forma de retaliação contra inimigos percebidos no país e alianças desgastadas no exterior.

“O vínculo entre nossas duas nações é realmente notável”, disse Charles. “Ao renovarmos nosso vínculo esta noite, fazemos isso com confiança inabalável em nossa amizade e em nosso compromisso comum com a independência e a liberdade.”
O presidente parecia extremamente satisfeito com tudo isso; ele não pareceu nem um pouco incomodado quando o rei usou seu discurso para gentilmente abordar questões ambientais e a necessidade de apoiar a Ucrânia.
Trump levantou-se e exclamou: “É um privilégio singular ser o primeiro presidente americano a ser recebido aqui.” (Outros presidentes dos EUA foram recebidos em Windsor — incluindo Trump em seu primeiro mandato — embora não em um jantar de Estado. Normalmente, esses jantares acontecem no Palácio de Buckingham, em Londres, mas esse antigo edifício está passando por reformas.)

Estratégia
O objetivo do Reino Unido é claro: a realeza estava trabalhando em conjunto com o governo britânico, dispensando atenção e honras ao presidente na quarta-feira para que ele pudesse ser mais flexível nas negociações com o mais antigo aliado dos Estados Unidos em sua reunião diplomática com o primeiro-ministro na quinta-feira.
Mas e o resto da mesa? Havia 160 pessoas sentadas naquela sala de banquetes. E 1.452 talheres, tilintando e raspando nas mãos de magnatas da mídia, financistas, políticos e magnatas da tecnologia. Espalhados entre os poderosos estavam membros do gabinete de Trump e os assessores mais graduados da Casa Branca.
O mapa de lugares para o jantar de quarta-feira deveria ser guardado dentro do castelo e estudado daqui a mil anos como um documento fascinante sobre a história do Ocidente. Esta não era uma mesa de cantores pop, estrelas de cinema, celebridades ou figuras da moda, cuja companhia Trump frequentemente procura. Não se tratava de poder de estrela. Tratava-se de poder real.

O primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, estava sentado ao lado do financista nova-iorquino e diretor executivo da Blackstone, Stephen Schwarzman. O diretor executivo do Bank of America, Brian Moynihan, sentou-se nesse lado da mesa. O mesmo aconteceu com o jovem rei da inteligência artificial do Vale do Silício, Sam Altman, que foi colocado ao lado de Kemi Badenoch, líder do Partido Conservador britânico. Demis Hassabis estava lá (ele dirige a DeepMind, o laboratório secreto de inteligência artificial do Google em Londres), assim como Satya Nadella, o chefão da Microsoft, e também Marc Benioff, cofundador da Salesforce. Tim Cook, o chefe da Apple, também estava lá.
A presença de Cook, em particular, pareceu notável. Há apenas algumas semanas, ele apareceu no Salão Oval, com as câmeras ligadas, para dar a um radiante Trump um pedaço de vidro Corning feito à mão em um suporte de ouro 24 quilates. Era um troféu destinado a mostrar o investimento de sua empresa nos Estados Unidos, mas também a ajudar a consertar seu relacionamento com Trump, que ficou irritado quando o executivo da Apple decidiu não se juntar a seus colegas titãs da tecnologia no Oriente Médio em maio passado, durante a visita do presidente à região. Trump percebeu a ausência de Cook e o provocou publicamente durante duas paradas da viagem.
E assim, lá estava Cook na quarta-feira, sentado ao lado de Tiffany Trump no salão de banquetes. Além da primeira-dama, Melania Trump, que se sentou entre a rainha Camilla e o príncipe William, Tiffany e seu marido eram os únicos parentes de Trump presentes.

Mas havia um convidado no jantar de quarta-feira cuja presença parecia especialmente reveladora. Do outro lado da mesa de Cook e alguns lugares à direita estava o magnata da mídia Rupert Murdoch. Ele e Trump têm uma relação longa e complicada, com altos e baixos. No momento, as coisas estão definitivamente em baixa: há alguns meses, o Wall Street Journal — a joia da coroa do império jornalístico de Murdoch — publicou uma matéria sobre a antiga amizade de Trump com o falecido criminoso sexual Jeffrey Epstein, levando o presidente a negar a história e processar o jornal e seu proprietário.
No processo, Trump exigiu, com sucesso, que Murdoch, de 94 anos, fornecesse atualizações sobre sua saúde depois que o presidente pressionou para que ele depusesse nos autos.
A posição de Murdoch no salão de banquetes era suficientemente distante da mesa para que ele estivesse fora do campo de visão do presidente, mas mesmo assim ele estava lá, sentado durante um discurso sobre a grandeza de Trump. (Curiosamente, o magnata da imprensa estava sentado ao lado de Morgan McSweeney, chefe de gabinete e braço direito do primeiro-ministro, que atualmente está sendo muito criticado pela mídia, principalmente nas páginas dos jornais de Murdoch, como você já deve ter adivinhado).

Mesmo nessa noite de afagos, o apetite de Trump por retaliação não foi saciado. Após o jantar, ele postou alegremente nas redes sociais sobre como a ABC havia tirado do ar indefinidamente o programa do comediante e crítico de Trump, Jimmy Kimmel. Ele também postou que estava designando o movimento “Antifa” como “UMA GRANDE ORGANIZAÇÃO TERRORISTA”. Ele fez tudo isso enquanto se preparava para passar a noite dentro do castelo.
O Castelo de Windsor é frequentemente descrito como o castelo habitado mais antigo do mundo, em uso quase contínuo desde que Guilherme I o construiu após a conquista normanda em 1066.
Há um fosso, grossas paredes de pedra e um labirinto de salas. O imponente salão de banquetes contém os escudos dos Cavaleiros da Jarreteira, que datam de 1348. Armaduras polidas observam a mesa de jantar de pedestais esculpidos nas paredes.
Fora dos portões do castelo, Trump deve retornar a um mundo que não necessariamente o vê — ou, pelo menos, não necessariamente o trata — da mesma forma que os poderosos homens e mulheres reunidos no Castelo de Windsor.
Na semana passada, quando o presidente deixou a Casa Branca para seu primeiro jantar fora em Washington desde seu retorno, ele foi vaiado dentro de um restaurante por um grupo de manifestantes que, embora apoiassem Gaza, o compararam a Adolf Hitler. Eles foram expulsos.
Ainda assim, no Reino Unido, na noite anterior ao jantar de Estado, manifestantes projetaram imagens de Trump socializando com Epstein nas paredes do castelo, um lembrete da controvérsia política que o aguarda em casa.
Afinal, fortalezas são projetadas para manter o mundo do lado de fora. E nenhum banquete dura para sempre.
Fonte: Estadão

