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A fachada enferrujada da torre de escritórios desativada de uma siderúrgica que já deixou de existir ainda serve de lembrete do próspero passado industrial da cidade de Bethlehem, na Pensilvânia, na costa leste dos Estados Unidos.
Foi a Bethlehem Steel Corporation, outrora uma das maiores empresas americanas, que forneceu o aço para o prédio Empire State Building, a ponte Golden Gate e a represa Hoover, além de ter ajudado a materializar as vitórias em duas guerras mundiais. Hoje, o complexo em torno da torre abriga espaços de música, recreação, hotelaria e atividades artesanais.
Bethlehem poderia servir de estudo de caso sobre a transição bem-sucedida de um passado industrial para um presente produtivo. Ainda assim, na eleição de 2024, os eleitores desta região da Pensilvânia mudaram o voto em massa em favor de Donald Trump, apoiando sua promessa do “Maga” [acrônimo em inglês de um dos lemas de Trump, “Tornar os EUA Grandes de Novo”].
O prefeito democrata de Bethlehem, J. William Reynolds, considera isso resultado de “décadas de falta de confiança e de fé no governo, no setor público e no que as comunidades podem fazer quando as pessoas trabalham juntas”.
Já os republicanos locais dizem que a resposta é mais simples: os democratas abandonaram os eleitores da classe trabalhadora, enquanto Trump promete tornar a vida deles melhor.
A discussão política em Bethlehem também vem se repetindo ao redor dos EUA há anos e, portanto, deverá ajudar a decidir as próximas eleições parlamentares, de 2026, e a disputa pela Casa Branca, em 2028.
Se os republicanos quiserem manter o poder, precisarão continuar conquistando eleitores em cidades como Bethlehem, uma das áreas politicamente mais disputadas da Pensilvânia – o Estado-pêndulo por excelência em todas as eleições americanas recentes.
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Se os democratas quiserem tirar o poder de Trump – e reverter suas políticas em quase tudo, desde imigração até tarifas alfandegárias e cortes nos programas de saúde para a baixa renda -, precisarão da Pensilvânia, que ajudou a eleger Joe Biden em 2020, mas trocou de lado de forma decisiva para o campeão do Maga em 2024.
O “Financial Times” visitou Bethlehem neste verão no hemisfério norte para tentar entender o que está em jogo em uma cidade cuja guinada à direita, composição demográfica, histórico industrial, divisões políticas e ambições servem de termômetro do clima nos fronts de batalha eleitorais dos EUA.
A área no entorno de Bethlehem reflete bem essas divisões. A cidade está localizada entre os condados de Lehigh e Northampton. Na eleição presidencial de 2024, Lehigh deu a vitória, por pequena margem, aos democratas; Northampton, aos republicanos, também por margem estreita.
Assim como os EUA, a cidade é uma metamorfose ambulante.
Bethlehem pode ter sido construída pelo aço, mas sua transição pós-industrial para a tecnologia, logística, educação e saúde a afastou de suas raízes operárias. A população hoje chega a quase 80 mil habitantes, a maior já registrada. Os moradores se queixam do alto custo da habitação, mas o jornal USA Today escolheu sua vibrante rua principal como a melhor do país em 2025.
Enquanto Trump lança investigações contra oponentes políticos, vira as normas de comércio exterior de ponta-cabeça, demite servidores públicos federais e reorienta a política externa americana, as turbulências em Washington, a longínquos 240 km, (para não falar na Ucrânia ou na Faixa de Gaza) podem parecer distantes em Bethlehem.
Em uma tranquila tarde recente no verão americano, os moradores procuravam sombra do lado de fora da biblioteca, passeavam pelos cafés e faziam planos para um festival de música cuja data se aproximava.
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Ainda assim, não é preciso procurar muito para encontrar evidências de que a situação também vem mudando rapidamente em Bethlehem.
“Eu mal senti a onda”, disse Ronnie Blaufarb, um consultor financeiro aposentado. “De repente, todos estavam elogiando Trump, era inacreditável. Não tenho certeza se foi por causa de Trump ou se os democratas foram muito estúpidos.” Blaufarb disse estar “empolgado” com o desempenho de Trump até agora, em especial com os cortes de impostos e o foco na “segurança das fronteiras”.
A repressão do presidente republicano contra migrantes sem documentos, que formam uma parte considerável da força de trabalho em Bethlehem, assim como em todo os EUA, já deixou sua marca na cidade. No início do verão, o Serviço de Imigração e Alfândega (ICE, na sigla em inglês) fez uma operação em um canteiro de obras em Bethlehem – de apartamentos de luxo – e prendeu 17 pessoas que trabalhavam lá.
Algumas pessoas em Bethlehem protestaram contra as prisões, marchando em direção à prefeitura com cartazes de “Chega de Racismo”.
Até agora, no entanto, boa parte da oposição a Trump em Bethlehem se manifesta abaixo da superfície, em lugares como as associações de pais e professores e no governo local. “Uma das coisas que dizemos muito por aqui é que há uma diferença entre dizer que você está ajudando as pessoas e [de fato] ajudar as pessoas”, disse Reynolds. “Nosso objetivo é ajudar pessoas”.
O presidente do Comitê Republicano do Condado de Northampton, Glenn Geissinger, fez faculdade em Bethlehem e mora nas proximidades. Ele e seus colegas republicanos estão “muito satisfeitos” com a presidência de Trump até agora, conta ele.
“Queríamos ruas mais seguras, estamos conseguindo isso. Queríamos uma imigração apropriada, estamos conseguindo isso”, disse Geissinger. “Essas são as coisas pelas quais votamos.”
Ele tem a própria explicação para o aumento da popularidade de Trump em uma cidade onde, em outros tempos, metalúrgicos sindicalizados eram pilares do Partido Democrata. A legenda foi capturada por “elites intelectuais” para atrair o “eleitorado branco com formação universitária”, deixando os demais para trás, diz Geissinger.
Os eleitores de origem hispânica – Bethlehem tem quase 30% deles – passaram para a direita, diz ele. Eles “gostam dos valores do Partido Republicano, mais tradicionais e voltados à família”, acrescenta Geissinger.
Imigração e economia explicam o apoio de Juan Reynoso a Trump. O corretor do Medicare (plano de saúde pública para idosos), no município vizinho de Palmer, diz que sua principal preocupação é “garantir que os [imigrantes] legais consigam empregos e todas as coisas de que precisam, e que os ilegais não fiquem na área”.
Para o prefeito Reynolds, restaurar a confiança no governo é a chave para reconquistar os eleitores. Ele cresceu a cerca de 1,5 km de seu escritório na sede da prefeitura e entrou na política após participar de uma reunião do conselho da cidade, quando ainda era um jovem estudante. Reynolds disse que as lições políticas do passado siderúrgico e do presente próspero de Bethlehem vêm sendo corroídas pelas políticas de Trump.
“Esta cidade, majoritariamente da classe trabalhadora, recebeu imigrantes de todo o mundo”, disse Reynolds. “Deu-lhes a oportunidade de realmente ir atrás do sonho americano.”
Ele também teme que a Casa Branca possa estar menos disposta a trabalhar com um pequeno governo local democrata como o seu, o que dificultaria a realização de projetos locais, como novas estradas ou outros investimentos.
Falando em uma barbearia em Bethlehem, Ryan Mackenzie, deputado republicano, do Vale do Lehigh, discorda. Ele disse ter votado a favor da emblemática lei do presidente, que Trump chama de seu “grande e belo projeto de lei”, que reduz os impostos para os mais ricos, mas inclui cortes no programa de saúde para a baixa renda Medicaid que, segundo muitos, prejudicarão os mais pobres.
O projeto de lei “inclui muitas mudanças que ajudarão o povo americano”, disse Mackenzie. Ele acrescentou que tem havido “muitas táticas para assustar e notícias falsas sobre o que poderia vir a constar do projeto de lei”.
Os eleitores de Bethlehem também precisarão decidir nos próximos meses se Trump está cumprindo suas promessas de trazer de volta a indústria para Estados como a Pensilvânia.
Não está claro, contudo, se a ex-cidade do aço precisa – ou mesmo se desejaria – esse renascimento. Mesmo durante seu auge siderúrgico, Bethlehem precisava de alternativas.
Os salões cavernosos do Museu Nacional de História Industrial da cidade estão repletos de maquinário pintado em cores fortes – relíquias daquela era passada que Trump promete trazer de volta.
Thomas Necker, especialista em exposições, mostra como era a função intrincada de um tear estilo Jacquard. Embora a siderúrgica tenha construído a cidade, segundo ele, a indústria foi complementada pela tecelagem. “Esta cidade era seda e aço”, diz ele. “Um bom exemplo de diversificação.”
Reynolds e Geissinger têm profundas divergências sobre as ideias de Trump, mas nutrem esperanças semelhantes para sua região do país.
“As pessoas querem empregos, as pessoas querem resultados, as pessoas querem poder empregar suas famílias, querem segurança”, diz o republicano Geissinger.
Reynolds, o democrata, diz que o futuro ainda precisa ser um reflexo do sonho americano. “Que você pode se mudar para cá, não importa quem você é, qual sua renda, qual seu ensino, e ter a oportunidade de mobilidade”, diz ele.
Fonte: Valor Econômico

