Primeiro, a boa notícia: os avanços científicos em relação ao HIV são notáveis. Embora ainda não tenhamos uma vacina ou cura, uma única dose de um novo medicamento injetável de longa duração pode agora oferecer proteção contra o vírus por até seis meses. Essa inovação pode revolucionar os esforços para conter uma pandemia que ainda tira uma vida a cada minuto.
No entanto, a ascensão do populismo e de governanças regressivas ameaça desfazer muitos dos ganhos duramente conquistados em relação ao HIV e à saúde pública. Robert F. Kennedy Jr., escolhido pela administração Donald Trump para chefiar o Departamento de Saúde dos EUA, é um cético em relação às vacinas, que, por muitos anos, vinculou-as falsamente ao autismo.


Kennedy Jr. também negou publicamente a relação causal entre HIV e Aids. Tratar pesquisas baseadas em evidências como opiniões que podem ser trocadas por outros pontos de vista sem validade científica representa um grave perigo, especialmente se essa abordagem se consolidar nos mais altos níveis de governo.
As restrições aos direitos humanos continuam a desafiar a resposta ao HIV nas regiões mais afetadas pela epidemia. Em 2024, Uganda manteve uma das leis antiLGBTQ+ mais severas do mundo. Pelo menos metade dos 67 países que ainda criminalizam as relações entre pessoas do mesmo sexo estão na África Subsaariana, onde a carga de HIV é maior. Leis antiLGBTQ+ correlacionam-se com taxas mais altas de HIV globalmente. Na Rússia, leis punitivas sobre drogas e políticas restritivas para pessoas LGBTQ+ continuam a impulsionar a epidemia de HIV que mais cresce no mundo.
Minar a ciência e os direitos humanos coloca em risco os avanços conquistados e abre caminho para as próximas pandemias.
A reemergência do vírus Mpox e da gripe aviária H5N1 são sinais de alerta —o HIV pode ser o próximo. Mas existe um plano que pode fazer o oposto e erradicar o HIV de forma definitiva: proteger os direitos humanos não é apenas uma posição ideológica; é uma estratégia de saúde pública comprovada. Leis punitivas e políticas discriminatórias prejudicam aqueles que mais precisam e minam a prevenção e o tratamento do HIV. Fortalecer organizações da sociedade civil —incluindo aquelas de pessoas vivendo com o vírus— tem sido e continua sendo o alicerce da resposta ao HIV.
Apesar das lições da pandemia de Covid-19, os esforços em 2024 dos Estados membros da Organização Mundial da Saúde para elaborar um novo tratado pandêmico foram frustrados. O tratado pretendia abordar lacunas expostas pela Covid-19 —como a distribuição desigual de vacinas e a falta de coordenação global. O fracasso em chegar a um consenso sobre o texto do tratado destacou como o poder geopolítico e econômico molda cada vez mais a política internacional de saúde em detrimento da equidade em saúde global.
Instituições como o Pepfar (Plano de Emergência do Presidente dos Estados Unidos para o Alívio da Aids) e o Fundo Global de Combate à Aids, Tuberculose e Malária salvaram juntas cerca de 90 milhões de vidas. Elas merecem ser defendidas, não privadas de financiamento.
TENDÊNCIAS / DEBATES
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Fonte: Folha de São Paulo