Se você for comprar bônus, tenha certeza de que o faz pelos motivos certos.
Enquanto os investidores em ações tiveram alguns meses turbulentos, os que aderem fielmente à venerável carteira 60/40 podem sentir-se no direito de comemorar: como o S&P 500 teve retorno negativo de 5,1% entre o fim de julho e 5 de agosto, uma carteira composta por 60% de ações dos Estados Unidos e 40% de bônus de 10 anos do Tesouro americano só perdeu 2,6%. E a queda de 4,2% nos investimentos em ações na semana passada se traduziu em uma perda de apenas 1,9% para a carteira 60/40.
“A renda fixa finalmente recuperou sua característica de hedge [proteção] tradicional”, disse Roger Hallam, chefe global de taxas da Vanguard.
Entretanto, a razão mais forte para manter bônus no longo prazo é ainda mais simples: o retorno que eles geram.
A Vanguard recomenda há muito tempo os benefícios de ter uma mistura de ações e bônus. A estratégia remonta aos anos 1950, quando o economista Harry Markowitz defendeu a tese, apoiada em modelos matemáticos, de que a diversificação melhora os retornos ajustados pelo risco. A mistura 60/40 só teve retornos totais negativos em 23% dos anos entre 1872 e 2023, ante 27% do S&P 500, e encurtou períodos prolongados de retornos negativos, segundo cálculos derivados de dados recolhidos pelo professor da Universidade de Yale Robert Shiller.
Os investidores modernos compreendem de maneira intuitiva por que os bônus – em especial os emitidos por governos – são instrumentos eficazes de diversificação: eles se recuperam sempre que os mercados se mostram preocupados com a economia e são capazes de se antecipar a cortes de taxas pelos bancos centrais, algo que tende a fazer as ações sofrerem. Foi isso que aconteceu neste verão.
Mas antes dos anos 1970 as correlações entre ações e bônus tinham inversões periódicas de positivas para negativas. Por um longo intervalo entre aquela época e o fim dos anos 1990, foram positivas de maneira consistente: conforme as ações apanhavam, os bônus também sofriam. O motivo é que a inflação esteve alta por grande parte desse período, o que tornava os bancos centrais relutantes em estimular a economia. O pós-2021 também levou muitos em Wall Street a prever o fim do 60/40.
Com a inflação de novo sob controle, porém, muitos esperam uma volta ao regime de “baixa inflação” dos anos 2010, quando os bônus atuavam como grandes amortecedores da volatilidade. Esse foi o auge da mistura 60/40: seus retornos ajustados pelo risco – medidos pelo índice de Sharpe – em comparação com o S&P 500 foram os mais altos da história.
Mas aqui está o problema de depender da carteira 60/40 ou de alocações semelhantes: quem pretende se aposentar daqui a poucos anos não conseguirá se sustentar com retornos ajustados pelo risco.
Épocas de inflação controlada também tendem a ser épocas em que as taxas de retorno são baixas, o que significa que as pessoas que compram bônus acabam por abrir mão de muita renda.
Alguém que investiu US$ 1.000 em uma carteira 60/40 nos cinco anos seguintes a 2009, por exemplo, acabou com US$ 1.439 no banco, em média, o que é US$ 1.141 a menos do que alguém que acabou de comprar o S&P 500. Em comparação, a diferença durante o período de correlação positiva de 1975 a 1980 foi de apenas US$ 561.
É claro que os investidores após 2008 ainda se deram muito bem em termos absolutos. O desempenho das ações era tão excepcional que o 60/40 rendeu tanto dinheiro quanto a média de retorno de uma carteira com 100% de ações desde 1871. Mas o mais provável é que quem tem de investir agora não tenha tanta sorte: a não ser que as apostas na inteligência artificial tenham resultados estupendos, o “boom” das gigantes da tecnologia não acontecerá de novo.
Nada disso implica evitar os bônus. Ao contrário: em ocasiões passadas, comprar papéis de 10 anos do Tesouro quando o retorno estava acima de 3% ou a curva dos “yields” deixou de estar invertida – coisas que acontecem hoje – funcionou muito bem, e gerou basicamente os mesmos retornos de 10 anos que uma carteira só de ações.
O que os investidores precisam abandonar é a mentalidade que se arraigou após a crise financeira mundial, quando se compravam bônus não pelos cupons, mas para se beneficiar de altas de preços nos dias voláteis ou como resultado de decisões do Federal Reserve (banco central dos EUA) de embarcar em ciclos de relaxamento. Do ponto de vista histórico, comprar renda fixa com base nesses fatores tem, na melhor das hipóteses, gerado ganhos de curto prazo.
Ou como diz Willem Sels, diretor global de investimentos do HSBC Global Private Banking: “Quanto mais você amplia seu horizonte de investimento, mais importante é o ponto de entrada.”
É importante o fato de o Fed estar prestes a cortar os juros, em 18 de setembro, e que isso possa acabar com o período de taxas extremamente altas de depósitos e do “money market” [fundos de alta liquidez]? Sim, mas principalmente no sentido de que hoje os bônus oferecem grandes retornos que os investidores podem querer manter. Os títulos de longo prazo com grau de investimento dos EUA têm taxas de mais de 5% com pouco risco de inadimplência. Com os preços de ações pressionados, os bônus são particularmente atraentes para aqueles que têm horizontes de investimento de 5 a 10 anos.
Pensar sobre o assunto nesses termos, em vez de ficar preso à ideia da carteira 60/40 em todas as circunstâncias, faz sentido para a maioria dos investidores. Reduzir a volatilidade de curto prazo de uma carteira raramente compensa o resultado de ter um pé-de-meia muito menor.
Fonte: Valor Econômico

