Em um relatório acerca da condução da política econômica do Brasil, a consultoria canadense BCA Research aponta que a combinação de um fiscal mais frouxo – fruto de uma guinada populista do governo Lula – com um Banco Central entendido como cada vez mais sensível às pressões políticas deve levar a um novo equilíbrio macroeconômico no país. O resultado deste novo ambiente deve ser uma taxa de crescimento maior, com juros reais mais baixos, mas com uma inflação mais alta como efeito colateral.
Assim, a consultoria vê com otimismo a alocação em ‘small caps’ e títulos atrelados à inflação, ainda que recomende aos investidores estrangeiros buscarem ‘hedge’ para os riscos cambiais. As recomendações de venda do real contra o peso mexicano também foram mantidas.
O documento, assinado pelo editor associado Juan Egaña e pelo estrategista-chefe de mercados emergentes da BCA, Arthur Budaghyan, afirma que as autoridades fiscais e monetárias do Brasil vão priorizar o crescimento em detrimento da inflação nos próximos anos.
“A política fiscal será expansionista neste ano, à medida que o governo aumenta suas tendências populistas. Além disso, a politização do BC levará a cortes agressivos nas taxas, mesmo com pressões inflacionárias ainda elevadas. O resultado dessa combinação de políticas é que o crescimento da demanda doméstica e a inflação serão maiores em relação às expectativas do mercado, e as taxas de juros reais cairão consideravelmente”, apontam.
Segundo a previsão feita pela BCA Research em dezembro de 2022, o governo Lula tinha a necessidade de iniciar seu mandato com medidas pragmáticas e com uma política econômica mais ortodoxa para conquistar a confiança dos investidores e que o cenário seria alterado nos dois últimos anos de governo.
“Olhando para 2024, parece que essa previsão foi antecipada em um ano, ou seja, não apenas a política fiscal, mas também a política monetária será consideravelmente afrouxada este ano. Isso tem implicações críticas para o crescimento e a inflação daqui para frente”, afirmam.
Os profissionais apontam que o governo tem ganhado cada vez mais influência política sobre o Banco Central, o que deve colocar a autoridade monetária em uma trajetória cada vez mais “dovish”.
Inclusive, os estrategistas citam uma mudança de postura do presidente da autoridade monetária, Roberto Campos Neto, nos últimos meses. “Notavelmente, essa mudança na postura e na retórica de Campos Neto ocorreu na época em que ele se reuniu com Lula e Haddad no ano passado”, afirmam.
“O presidente Roberto Campos Neto declarou no mês passado que pretende levar os custos dos empréstimos ao nível mais baixo possível este ano. Isso está em desacordo com a visão anterior de Campos Neto, que havia sido bastante hawkish até meados de 2023 e frequentemente apontava a necessidade de manter os custos dos empréstimos elevados em meio à flexibilização da política fiscal e às preocupações com a sustentabilidade da dívida pública”, dizem Egaña e Budaghyan.
Para a BCA Research, essa mudança ocorreu apesar de a política fiscal estar se afrouxando, de a sustentabilidade da dívida pública continuar sendo um problema, de o mercado de trabalho ainda estar apertado e de a inflação cheia e a inflação subjacente estarem dentro ou acima da faixa superior da meta do BC.
Eles ainda notam que as mudanças nas diretorias e da própria figura do presidente da instituição, que terá o fim de seu mandato neste ano, deverão conferir um caráter ainda mais leniente com a inflação pela autoridade monetária.
“Daqui para frente, o Copom se concentrará mais em impulsionar o crescimento do que em atingir sua meta de inflação. Em suma, o BC reduzirá a taxa de juros de forma agressiva, e as taxas de juros reais deverão despencar”, concluem.
Neste contexto, a BCA acredita que o Brasil deverá crescer mais do que o esperado pelo mercado nos próximos anos, mas que a inflação também deverá ser maior que a estimada. “O impulso do crédito e o impulso fiscal estão apontando para um crescimento decente e uma inflação mais alta para 2024. Isso significa que a inflação, particularmente o núcleo do IPCA, estará acima da meta do banco central de 3% para 2024 e provavelmente acima de sua banda superior de 4,5%”, afirmam.
O resumo deste cenário de crescimento maior e inflação persistente é uma elevação dos lucros das empresas expostas à demanda local. Por outro lado, haverá estímulos às importações, que, juntamente com os fracos preços globais das commodities, devem ampliar o déficit em conta corrente e exercer pressões de depreciação sobre o real. “Taxas de juros reais mais baixas são outra variável que pesará sobre o valor da moeda”, afirmam.
Assim, as recomendações de investimento da consultoria se baseiam em compra de small-caps, que devem se beneficiar da demanda doméstica, ainda que com algum tipo de proteção aos riscos cambiais para investidores estrangeiros.
“Mantemos também a posição vendida em real e comprada em peso mexicano. As taxas de juros reais do México cairão muito menos do que as do Brasil. Além disso, a posição do balanço de pagamentos será mais positiva para o peso do que para o real. Também mantemos nossa estratégia de comprar ações de bancos mexicanos e vender ações de bancos brasileiros”, afirmam.
A BCA Research também encerrou sua posição comprada em CDS do Brasil e vendida em CDS do México. “A política monetária se tornou decisivamente dovish antes do que esperávamos. Portanto, o BCB reduzirá os custos dos empréstimos abaixo do crescimento nominal do PIB. Como temos argumentado repetidamente, o hiato positivo entre o PIB nominal e os custos dos empréstimos públicos reduzirá a relação dívida pública/PIB do Brasil”, afirmam.
Por fim, a BCA Research abriu uma nova recomendação de investimento, que é a compra de títulos atrelados à inflação (NTN-Bs). “As implicações de médio a longo prazo das políticas fiscais e monetárias flexíveis serão a queda das taxas de juros, mesmo com a inflação persistente, ou seja, uma queda das taxas de juros reais”, concluem.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_63b422c2caee4269b8b34177e8876b93/internal_photos/bs/2023/1/4/P6rttrTy6xctZBBXl5ug/53025374590-b027ffe2a9-o.jpg)
Estrategistas citam uma mudança de postura do presidente da autoridade monetária, Roberto Campos Neto, nos últimos meses — Foto: Raphael Ribeiro/BCB
Fonte: Valor Econômico

