Aposta no modelo visa otimizar tratamento e aumentar eficiência, reduzindo os custos
Por Letícia Lopes
— Rio
03/12/2024 04h00 · Atualizado há 5 horas

No momento em que o setor de saúde passa por transformações, como a união de operadoras de planos com hospitais para controlar despesas, um dos segmentos mais caros também passa por mudanças: a oncologia.
Tratamentos descentralizados dão lugar a centros especializados que integram a jornada de cuidados e ampliam a comunicação entre os profissionais envolvidos. Para o paciente, a expectativa é que o modelo otimize o tratamento, enquanto, para as empresas, traz mais eficiência financeira, reduzindo custos.
O movimento mais recente foi confirmado semana passada, com o lançamento da Croma Oncologia. A empresa é uma joint venture (parceria) da Beneficência Portuguesa, do Grupo Fleury e da Atlântica, braço hospitalar da Bradesco Saúde. As três investiram R$ 678 milhões na nova empresa.
No dia a dia, a Croma vai coordenar o tratamento do paciente com câncer e o suporte à família. Toda a assistência ambulatorial — como consultas com os especialistas e acompanhamento psicológico e psiquiátrico — será feito nas unidades da empresa. Inicialmente, serão quatro clínicas.
As duas primeiras, com inauguração prevista para fevereiro, ficam na Lapa e no Tatuapé, na capital paulista, e outra deve ser aberta até abril no Morumbi. Na cidade do Rio, a clínica da Croma está prevista para ser inaugurada em maio, em Botafogo.
Mercado em expansão
Exames diagnósticos ficarão a cargo da rede de laboratórios do Grupo Fleury. Já as sessões de quimioterapia e radioterapia, cirurgias e atendimentos emergenciais acontecerão nos hospitais da Beneficência Portuguesa. No Rio, a Croma ainda negocia parceria com uma rede hospitalar, inclusive com a possibilidade de participação societária na empresa.

— Estamos olhando para Minas Gerais e alguns estados do Nordeste e Centro-Oeste. Encontrando parceiros em cada praça que tenham alinhamento com o nosso modelo, pode ser uma relação comercial ou até mesmo virar uma relação de joint venture local — afirma Cesar Franco, presidente da companhia.
O tratamento coordenado pela Croma acontecerá com a integração dos sistemas, permitindo às equipes dos três eixos acompanhar as informações dos pacientes, através de modelo de remuneração baseado em prestação de serviços, e não no uso de materiais e medicamentos, o que auxilia na redução de custos, diz Franco:
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— Muitas das consolidações de grupos econômicos de saúde no Brasil são nesse sentido, mas integrar é sempre um desafio. Sem integração, o desperdício cresce muito. A quantidade de exames solicitados aumenta, linhas de tratamento às vezes divergem, e o paciente fica perdido no meio.
A iniciativa das empresas de se juntar para criar uma companhia que coordene atendimentos oncológicos não é isolada, e ocorre em um mercado caro, grande e com potencial de expansão.
Números da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) dão conta de que, no ano passado, 1,2 milhão de consultas oncológicas foram realizadas, além de 2,3 milhões de procedimentos de radioterapia e quimioterapia e 332 mil internações relacionadas ao câncer, cerca de 4% do total de hospitalizações.
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— Algumas operadoras já levantaram que só as terapias oncológicas respondem por cerca de 8% do total de despesas — calcula Marcos Novais, superintendente da entidade.
Um estudo publicado na revista Lancet mostra que o câncer já é a doença que mais causa mortes em cerca de 700 municípios brasileiros. Coordenador do Grupo de Estudos de Oncologia da Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp), o médico patologista Victor Piana analisa que a doença caminha para se tornar crônica, o que demanda cuidados contínuos.
Além disso, num país em que a população está envelhecendo de forma acelerada, com mudanças na pirâmide etária, as perspectivas para as próximas décadas não são animadoras: segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a expetativa é que o número de pacientes oncológicos no país cresça 76% em 20 anos, patamar que é mais que o dobro do constatado em países como EUA (33%) e Espanha (36%).
— Centralizar faz com que se tenha menos redundância de procedimentos, tornando o tratamento mais inteligente. Mas é preciso mudar o modelo de pagamento do setor, deixando de ser por volume (quanto mais procedimentos e tratamentos, maior a remuneração) para ser por valor, por ciclos de cuidado — diz Piana, que comanda o A.C. Camargo Cancer Center.
Fundador e CEO da Oncoclínicas, Bruno Ferrari lembra que o modelo de centros especializados em oncologia é realidade no exterior há décadas. O grupo, fundado há 14 anos, tem 145 unidades em 15 estados e parcerias com hospitais como Grupo Santa, no Distrito Federal, Casa de Saúde São José, no Rio, e Hospital Felício Rocho, em Belo Horizonte.
Em agosto, a empresa formou uma joint venture com o grupo empresarial árabe Al Faisaliah para abrir uma unidade em Riad, na Arábia Saudita, e planeja expansão no Golfo Pérsico. O investimento é de até US$ 20 milhões.
— Quando somos altamente qualificados, o tratamento é mais assertivo— diz Ferrari.
Professora da FGV Saúde, Ana Maria Malik destaca que centros especializados ou alianças entre empresas podem melhorar a qualidade do atendimento, torná-lo mais humanizado (evitando deslocamento do paciente em tratamento em vários locais) e otimizar recursos pelas empresas:
— Existe um axioma de que quando você faz muito de determinada coisa, a probabilidade de fazer melhor é maior. Não é verdade eterna, mas é forte evidência de que a centralização pode contribuir para que profissionais e empresas aprendam a fazer melhor.