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O sucesso do plano do ex-presidente Donald Trump de desvalorizar o dólar se ganhar as eleições nos Estados Unidos parece “extremamente improvável”, na avaliação de investidores, porque seria prejudicado por políticas de governo, como tarifas e cortes de impostos.
Nas últimas semanas, o ex-presidente e seu companheiro de chapa, J.D. Vance, têm falado sobre os benefícios de enfraquecer a moeda para impulsionar o setor manufatureiro do país e reduzir o déficit comercial. Mas estrategistas advertem que planos para desvalorizar o dólar seriam dispendiosos e teriam curta duração, ao mesmo tempo em que políticas populistas, como tarifas sobre produtos do exterior, anulariam seu efeito.
“Hoje existe uma grande contradição no mercado – Trump tem falado muito sobre a desvalorização do dólar, mas suas políticas devem sustentar a moeda, pelo menos no curto prazo”, disse Michaël Nizard, gestor de fundos da Edmond de Rothschild.
No início do mês, em uma entrevista à Bloomberg, Trump afirmou que os EUA tinham um “grande problema de câmbio” que punha uma “carga enorme” sobre os fabricantes que vendem produtos no exterior.
A visão de Vance para os EUA, que ele expôs na Convenção Nacional do Partido Republicano também está centrada em um dólar mais fraco – reconstruir o setor manufatureiro americano internamente e reverter parte da globalização das décadas passadas.
Trump defende uma moeda mais fraca em um cenário em que o dólar, apesar de uma queda recente, subiu 15%, em comparação com uma cesta de outras moedas, desde que o presidente Joe Biden tomou posse, em janeiro de 2021. O déficit comercial dos EUA é um terço maior do que em 2019 e chegou a US$ 773 bilhões no ano passado. E também dentro de um quadro em que a economia dos EUA está forte e as taxas de juros estão nos níveis mais elevados dos últimos 23 anos.
Shahab Jalinoos, chefe de estratégia de câmbio do G10 do UBS, disse que não há nenhum caminho óbvio que um presidente possa seguir para desvalorizar a moeda. “O problema fundamental é que não existe a sensação de que o dólar esteja supervalorizado”, explicou.
Um grande obstáculo para a proposta de Trump e Vance de enfraquecer a moeda é que as outras políticas que defendem poderiam ter o efeito oposto e sustentar o dólar. Trump já afirmou que quer impor uma tarifa de 60% sobre as importações chinesas e tarifas de 10% sobre as do resto do mundo se voltar à Casa Branca.
Estrategistas dizem que isso põe uma carga maior sobre as moedas de outros países cujo comércio transfronteiriço é maior em relação ao tamanho de suas economias.
Isto sugere que tarifas altas causariam mais danos às economias de outros países do que aos EUA, pois freariam seu crescimento e enfraqueceriam suas moedas. Na semana retradada, a presidente do Banco Central Europeu (BCE), Christine Lagarde, deixou claro que tarifas provavelmente levariam o BCE a reduzir as taxas e a um euro mais fraco.
As tarifas também poderiam aumentar custos internos, ao estimular a inflação e manter as taxas de juro elevadas. Embora o impacto seja difícil de prever, disse Steve Englander, chefe mundial de pesquisa de câmbio do G10 do Standard Chartered, que estima que a proposta de Trump sobre tarifas pode elevar os preços em 1,8% ao longo de dois anos, na ausência de efeitos de segunda ordem.
“Se as demais condições forem iguais, as tarifas resultarão em um dólar mais forte, em particular se uma retaliação de parceiros comerciais na forma de tarifas elevar riscos adicionais de crescimento para a economia mundial”, avaliou James Lord, chefe mundial de câmbio do Morgan Stanley.
Trump também já disse que pretende prorrogar os cortes de impostos cuja vigência termina no ano que vem e sugeriu novos cortes de impostos que poderiam aumentar a pressão sobre o enorme déficit orçamentário dos EUA e desacelerar o ritmo do ciclo de cortes das taxas do Federal Reserve (Fed, o banco central americano).
Mas estrategistas alertam ainda que as outras opções de Trump para desvalorizar o dólar são limitadas pela turbulência que seria sentida nos mercados internacionais. Não se tenta uma desvalorização do dólar desde o Acordo Plaza, em 1985, que teve algum êxito, mas era sustentado por uma queda nas taxas de juros dos EUA.
Trump poderia pressionar o Fed a baixar as taxas, mesmo que uma erosão da independência da banco central não seja uma política oficial de sua campanha eleitoral. De qualquer forma, é provável que isso alarmasse os mercados.
George Saravelos, chefe de pesquisa de câmbio do Deutsche Bank, calcula que o dólar teria de cair em até 40% para eliminar o déficit comercial dos EUA.
“O custo da ruptura é tão enorme… aqui o mercado será uma força compensatória poderosa”, afirmou Edward Al-Hussainy, estrategista de taxas globais da Columbia Threadneedle. Para ele, qualquer intervenção para enfraquecer o dólar é “extremamente improvável”.
Uma proposta para conseguir o enfraquecimento da moeda é a de que os EUA usem o Fundo de Estabilização Cambial do Tesouro. Mas esse fundo conta com cerca de US$ 200 bilhões em ativos para a compra de moedas de outros países e analistas temem que esses recursos se esgotem rapidamente.
“Isso é muito, muito mais difícil de implementar do que eles imaginam”, disse Englander. “O Japão fez uma intervenção bem, bem pequena há um mês e isso lhe custou US$ 70 bilhões. E qual foi a sua eficácia?”
Além disso tudo, Trump e Vance ainda podem ter problemas com seus eleitores. “A forma mais óbvia de que esta desvalorização aconteça é se os EUA perderem seu excepcionalismo econômico”, afirmou Jalinoos.
Mas o dólar continua a ser a moeda de reserva mundial e um refúgio em tempos de turbulência econômica. Uma das promessas do Partido Republicano para 2024 é “manter o dólar americano como a moeda de reserva mundial”.
Fonte: Valor Econômico

