/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_63b422c2caee4269b8b34177e8876b93/internal_photos/bs/2025/6/0/xI9ScBQWuVgXjW63cg3g/arte18int-101-global-a11.jpg)
A disrupção causada pelas políticas do presidente Donald Trump, como a tarifária, já afeta a perspectiva para a economia global, diante do crescente risco de uma recessão nos EUA, segundo analistas ouvidos pelo Valor. A Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), por exemplo, rebaixou ontem as previsões de crescimento da economia global de 3,2% para 3,1% este ano.
“A probabilidade de uma recessão nos EUA cresce a cada nova tarifa americana”, disse ao Valor Jacob Funk Kirkegaard, membro sênior da Bruegel e um membro sênior não residente do Peterson Institute for International Economics (Piie). “O crescimento da economia global está fraco desde o pós-pandemia e os EUA têm sido um dos principais responsáveis pela recuperação. Em razão disso, uma recessão americana deve afetar ainda mais a economia mundial”, acrescentou ele.
O papel dos EUA como principal motor de crescimento mundial se ampliou substancialmente com a rápida recuperação da economia do país após a pandemia de covid-19 – ao passo em que UE e China ainda se recuperam da crise mais lentamente e enfrentam dificuldades internas.
Ao mesmo tempo, europeus e chineses enfrentam seus prórpios desafios econômicos internos. Desde o pós-pandemia, os países do bloco europeu vêm sofrendo com o crescimento baixo, alimentado pela fraca atividade econômica da principal economia da UE, a Alemanha, que passa por dois anos de recessão. A luz do fim do túnel, em médio prazo, pode vir do recente esforço europeu para sua indústria de defesa, iniciado após Trump anunciar que iria cortar todo tipo de ajuda militar à Ucrânia.
Este esforço da UE para aumentar seus gastos com defesa e reativar a indústria armamentista do continente já começou, com a Comissão Europeia propondo um esquema de compra coletiva de armas e a Alemanha aprovando uma flexibilização em suas regras de endividamento para aprovar um pacote para investimentos de defesa – que também inclui recursos para infraestrutura.
Mas especialistas ressalvam que os novos investimentos não terão efeito uniforme no bloco. “Países com problemas no orçamento e governos instáveis, como a França, não conseguirão ampliar muito os gastos de defesa. Mas os que têm capacidade ociosa e espaço fiscal, como a Alemanha, aproveitarão o momento”, disse Kirkegaard.
No caso da China, o país vive desde antes da pandemia uma crise imobiliária prolongada e uma onda de baixa confiança na economia que resulta em uma persistente baixa no consumo das famílias. O cenário causa um excesso de capacidade que pode levar o mundo a uma inundação de produtos baratos chineses. “Para a China retomar um ritmo de crescimento forte, precisa estimular a demanda interna. O foco dos chineses no setor de exportação amplia as tensões comerciais”, disse Kirkegaard.
”As tarifas americanas devem reduzir as exportações da China para os EUA, e isso pode criar pressões deflacionárias adicionais nos preços de produtos manufaturados ao redor do mundo, à medida que produtos chineses são redirecionadas para outros mercados”, afirmou Logan Wright, sócio da consultoria Rhodium Group e encarregado de pesquisa de mercado na China. Este risco é tão palpável que países como a Índia, por exemplo, estudam adotar salvaguardas legais da Organização Mundial de Comércio (OMC) para protegerseus mercados dessa inundação.
“Essa é uma situação que pode se tornar ainda mais problemática se a China desvalorizar o yuan”, disse Wright.
Pela estimativa do Banco Mundial, caso os EUA apliquem tarifas gerais de 10%, a expansão global para 2025 deve sofrer uma queda de 0,3 ponto percentual – levando-se em conta que os parceiros comerciais americanos retaliem com tarifas próprias, movimento já iniciado por UE e Canadá.
Em relatório divulgado ontem, a OCDE ressaltou que as projeções para seus 38 membros – que estão entre os países mais ricos do planeta – podem piorar se o ambiente de incerteza levar empresas e consumidores cortarem gastos. A organização aponta também para um caminho de taxas de inflação mais altas alimentadas por tarifas de importação espalhadas pela cadeia produtiva.
A OCDE projeta que os três países da América do Norte estão entre os que serão mais afetados pelas políticas de Trump, em relação ao relatório anterior, de dezembro. O México teve a projeção de seu PIB para 2025 revisada de uma expansão de 1,2% para uma contração de 1,3%. O PIB do Canadá deveria crescer 2% este ano, segundo a OCDE, mas teve a projeção para reduzida para 0,7%. E os EUA tiveram a projeção de crescimento revisada de 2,4% para 2,2%.
“Os primeiros 50 dias de Trump 2.0 trouxeram altos níveis de volatilidade”, aponta o Ebury Bank, que tem sede no Reino Unido, em nota para clientes. “A incerteza comercial dos EUA sobe para os níveis mais altos já registrados e o dólar sofreu perdas além das previstas em meio a temores sobre a economia dos EUA”, diz o estudo.
Esta incerteza se espalha pela economia mundial. “Embora a atividade econômica global ainda deva manter um ritmo moderado, a previsão para o comércio internacional é marcada por uma incerteza significativa, com risco de queda”, disse a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad) em seu estudo de março, “Atualização do Comércio Global”.
“No passado, tarifas causaram mudanças nos fluxos comerciais dos países”, disse Luz María de la Mora, diretora de Comércio da Unctad. “Tarifas vão provocar desvios no comércio mundial, mas ainda é prematuro pensar nos efeitos delas”. Mora diz que o momento poderá ser benéfico para países emergentes e vê a manutenção da tendência de aumento nas relações comerciais entre países do Sul Global.
Fonte: Valor Econômico

