Por Arthur Cagliari, Augusto Decker, Gabriel Roca, Matheus Prado e Victor Rezende — De São Paulo
14/12/2022 05h02 Atualizado há 6 horas
A confirmação de que o ex-ministro Aloizio Mercadante irá comandar o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) pesou nos negócios e fez os ativos brasileiros enfrentarem um novo pregão negativo ontem. A sessão até registrou tendência positiva nas primeiras operações do dia, após dados abaixo do esperado da inflação nos EUA, mas o anúncio realizado pelo presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que já havia provocado reação negativa na segunda-feira enquanto se tratava de um rumor, acentuou o mau humor do mercado.
O Ibovespa marcou queda de 1,71%, aos 103.540 pontos, e com isso passou a registrar perdas de 1,22% no ano, enquanto o dólar comercial fechou em alta de 0,05%, cotado a R$ 5,3146, ignorando a tendência de queda da moeda americana no mercado internacional. A taxa do contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2024 subiu de 13,98% do ajuste anterior para 14,06%; e a do DI para janeiro de 2027 saltou de 13,115% para 13,335% na B3.
Apesar do dia de alívio observado no exterior, a cautela permaneceu no ambiente doméstico com a montagem da equipe econômica que fará parte do Ministério da Fazenda de Fernando Haddad. Ontem, o petista anunciou que Gabriel Galípolo, ex-CEO do Banco Fator, assumirá a secretaria-executiva do ministério. E, já na reta final da sessão, o anúncio do presidente eleito de que Mercadante comandará o BNDES provocou estresse nos ativos. Durante a tarde, as taxas futuras foram às máximas e se mantiveram em níveis elevados até o encerramento do pregão, enquanto o dólar passou a subir e a bolsa aprofundou as perdas.
“Tentamos seguir a tendência positiva externa, mas não durou muito. A pressão sobre os ativos locais foi intensa pelas mesmas razões: um cenário fiscal mais desafiador com uma equipe econômica pouco ortodoxa”, diz o operador de renda fixa de um grande banco local. “A pressão se intensificou a um nível de liquidação assim que Lula anunciou Mercadante como próximo presidente do BNDES. O cenário difícil que imaginávamos após a eleição presidencial está sendo consolidado e os preços dos ativos locais estão respondendo a ele.”
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_63b422c2caee4269b8b34177e8876b93/internal_photos/bs/2022/v/A/7u4prWTrq74wNzExPpAQ/arte14fin-102-mercado-c1.jpg)
Para o profissional de uma gestora, “Mercadante acaba representando as ideias que foram colocadas em prática no governo Dilma [Rousseff] e que colocaram o Brasil nessa trajetória fiscal complicada que estamos tentando resolver”. Isso, na visão dele, estaria por trás da reação negativa a Mercadante.
Após o fechamento dos mercados locais, durante entrevista, Haddad anunciou Bernard Appy na Fazenda, o que mostrou sinais positivos nos ativos brasileiros negociados no exterior. Os recibos de ações (ADRs) da Petrobras, por exemplo, subiam 0,59% nos negócios do “after hours” em Nova York.
“O Appy é, finalmente, um nome que agrada o mercado. Também foi positivo o ministro dizer que a reforma tributária precisa andar junto com o arcabouço fiscal, mas isso precisa se provar. Se tivermos a reforma nos moldes em que o Appy propõe, ela deverá ser quase neutra do ponto de vista fiscal. Mas, pelas indicações que temos até agora, o governo eleito precisará aumentar a tributação, se não a conta não fecha”, observa um gestor.
O cenário de indefinições acerca do rumo das contas públicas também foi destacado na ata da última reunião do ano do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central. Divulgado ontem, o documento mostrou que os membros do colegiado demonstraram preocupação com as recentes discussões fiscais no país. Os temores do Copom se refletem também entre os participantes do mercado, cujas projeções para a Selic em 2023 têm aumentado. Ontem, o J.P. Morgan elevou a projeção para a Selic no fim de 2023 de 11,5% para 12,75%, com o início dos cortes na taxa básica de juros somente no quarto trimestre do próximo ano.
Segundo o economista-chefe da RPS Capital, Victor Candido, o Copom poderia ter sido mais enfático na questão fiscal, mas, no momento, parece adequado aguardar pela conclusão da discussão da PEC da Transição, de sinalizações mais concretas e dos impactos nas projeções de inflação. “A partir daí, me parece que praticamente todos os alertas estão colocados para os bons entendedores”, avalia. Ele chama a atenção, por exemplo, para o fato de a autoridade monetária ter demonstrado preocupação com a elevação na média das expectativas de inflação para 2024.
Além dos alertas expostos nos mercados de juros, a renda variável também passa por processo de reprecificação. O gestor Ubirajara Silva, da Galapagos Capital, nota que, com o movimento de ontem, o Ibovespa passou a ter performance negativa no ano. Ele, além disso, enfatiza que a composição do índice mascara uma performance ainda pior de ações menos capitalizadas nas últimas semanas e lembra que, apesar de a bolsa ter registrado fluxo estrangeiro relevante ao longo do ano, apenas as ações ordinárias da Vale concentram quase 20% do principal índice brasileiro.
“Quando damos zoom na foto, vemos um cenário pior. Magazine Luiza ON, por exemplo, cai mais de 60% em 2022. Mesmo Itaú PN, de um dos setores mais estáveis da bolsa, zerou os ganhos anuais. Surfamos uma onda de otimismo até a eleição, mas, com os juros futuros no nível em que estão, é difícil pensar em realizar alocações na bolsa”, diz. Ontem, o destaque ficou justamente com as perdas do setor financeiro. As ações preferenciais do Itaú cederam 3,78%; Bradesco PN perdeu 2,97%; as units do Santander recuaram 3,51%; e os papéis ordinários do BB caíram 4,89%.
Fonte: Valor Econômico

