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As ofertas de debêntures incentivadas estão voltando lentamente a ganhar fôlego em agosto, após perderem ritmo em julho. Mas, enquanto no primeiro semestre o volume de emissões foi recorde, com cerca de R$ 70 bilhões, frente aos R$ 13 bilhões do mesmo período de 2023, a expectativa é de um segundo semestre mais frio, diante do cenário macroeconômico mais desfavorável, com apostas de elevação da Selic já em setembro. Para Felipe Wilberg, diretor de renda fixa e produtos estruturados do ItaúCotação de Itaú BBA, o volume deve ser 20% menor que o visto entre janeiro e junho.
O executivo conta que muitas empresas anteciparam suas captações no primeiro semestre para aproveitar a queda nos prêmios de risco. “Quem podia emitiu com suas portarias antigas [autorizações concedidas pelos ministérios] e melhorou sua estrutura de capital.” Agora, afirma, essas companhias já partiriam para um segundo momento, em que a nova operação teria que trazer custo mais baixo ou alongamento de prazo. Wilberg diz que, com os investidores migrando dos multimercados e dos CDBs para os fundos de crédito privado, há sobra de apetite e, portanto, isso é possível. “Atividade vai ter, mas em ritmo mais lento por conta da diminuição da demanda das empresas por investimentos de longo prazo.”
Em julho, as emissões de debêntures incentivadas somaram apenas R$ 9,15 bilhões, o menor volume mensal desde fevereiro (R$ 6,4 bilhões), segundo estudo da MerCap Solutions, plataforma de inteligência de dados e serviços de tecnologia para o mercado de capitais, a pedido do Valor. O pico de incentivadas no ano foi em junho, com R$ 29,22 bilhões em 29 ofertas, mostram os dados. A plataforma considera a data de registro das ofertas na Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
O recuo em julho foi puxado por dois fatores, além da antecipação das captações nos primeiros meses do ano: vácuo regulatório, com a demora dos ministérios em publicar orientações sobre as ofertas dentro das novas regras da Lei 14.801, de janeiro, e efeito calendário, já que é mês de férias. “Um volume grande de debêntures incentivadas concluídas ao longo do primeiro semestre já deveria estar encaminhado nas regras operacionais anteriores. Com o término destas colocações, tivemos possivelmente um ‘gap’ de registros até que as novas normas fiquem mais claras para os estruturadores e emissores”, explica Mariana Fenelon, gestora e co-responsável pela área de crédito privado na Tenax Capital. “E em agosto ainda não há sinal de melhora significativa.”
Até 20 de agosto, de acordo com a MerCap, entre ofertas já registradas na CVM e procedimentos de alocação programados até o fim do mês, há nove emissões de debêntures com séries incentivadas, totalizando cerca de R$ 6,6 bilhões. Entre as companhias que estão com operações na rua estão a KlabinCotação de Klabin, que busca R$ 1,5 bilhão, e a RumoCotação de Rumo, com uma oferta de R$ 800 milhões. A Santos BrasilCotação de Santos Brasil deve levantar R$ 2 bilhões também neste mês, sendo uma parte dos papéis incentivados e outra parte de títulos corporativos.
A nova lei que rege as emissões de incentivadas, que são isentas de Imposto de Renda para investidores pessoas físicas, eliminou a exigência de portarias projeto a projeto, mas determinou que cada ministério publicasse suas regras gerais, e foram essas orientações que em alguns casos ainda não saíram. As dúvidas vêm sendo sanadas aos poucos. Em julho, o Ministério de Minas e Energia (MME) publicou orientações detalhadas e informou que os emissores não precisam aguardar a publicação da portaria do órgão com as regras gerais para as operações. Um pouco antes, em maio, publicou um passo para a passo para as companhias de geração de energia por fonte renovável e de minigeração distribuída – que, até então, não poderiam emitir papéis incentivados – enquadrarem seus projetos para ofertas.
A AXS foi a primeira do setor a captar. A companhia levantou em julho R$ 120 milhões com títulos de 12 anos e destinou os recursos para implantação, desenvolvimento e construção de usinas de minigeração fotovoltaicas. Até então, a empresa se financiava via debêntures corporativas, certificados de recebíveis imobiliários e private equity, segundo Paulo Thomazoni, CFO da companhia. “Pretendemos acessar o mercado novamente no quarto trimestre”, afirma. O plano, diz ele, é encerrar o ano com R$ 1,5 bilhão investidos em ativos de energia renovável e crescimento de 300% no faturamento.
“O ano começou com gigantismo de incentivados e spread [diferença da taxa paga pela empresa e o título público de referência, que, no caso das incentivadas, é a NTN-B] perto de zero”, avalia Renato Otranto, chefe de estruturação do Daycoval. “Tenho visto um número menor de demandas, mas elas estão vindo porque os spreads voltaram a cair, o que atrai as empresas.” Segundo ele, com esses prêmios de risco baixos, o mercado de incentivados “saturou”. “Os bancos precisaram exercer garantia firme porque o mercado desandou.”
Em julho, os spreads médios das incentivadas atingiram o menor nível dos últimos dois anos, caindo de 53 pontos-base para 35, conforme relatório da área de pesquisa do Banco ABC BrasilCotação de ABC Brasil. As ofertas que estão atualmente na rua mostram uma continuidade desse cenário. A operação da Klabin deve ser uma das mais emblemáticas, já que os investidores que comprarem o papel não terão uma remuneração acima do que receberiam com um título público, como geralmente acontece, mas abaixo.
A empresa de papel e celulose pretende pagar o equivalente a NTN-B com vencimento em 2035 menos 0,05% ou IPCA mais 6,05% ao ano pelos papéis que vencem em 15 anos. Pelo cronograma, a companhia deve anunciar hoje o resultado da precificação. Os recursos serão utilizados na instalação de uma nova caldeira de recuperação da unidade de Monte Alegre, no Paraná, voltada para a produção de papel-cartão. Procurada, a Klabin não comentou a oferta devido ao período de silêncio.
Matheus Licarião, responsável pela área de mercado de capitais do SantanderCotação de Santander, tem um olhar mais otimista sobre o mercado de incentivadas no segundo semestre. “Depois de uma acalmada em julho, vemos um volume significativo de ofertas, considerando as que estão por vir ou na rua”, afirma. “Esse ‘pipeline’ forte é atrelado à enorme liquidez, com os fundos de infraestrutura alcançando captação recorde e o investidor pessoa física fazendo alocações significativas.” Para Licarião, mesmo que alguns ministérios ainda não tenham se manifestado sobre as novas regras para a definição de lastro dos papéis, “ainda há um estoque de empresas com projetos que podem ser usados para as ofertas.”
Thiago Giantomassi, sócio do escritório de advocacia Demarest, que assessorou juridicamente a emissão da AXS, avalia que a sensação de incerteza sobre a trajetória dos juros no país, que impacta o custo de captação e a perspectiva de ganhos dos investidores, afeta os projetos de infraestrutura, que são mais longos. Ele vê influência também das novas regras, já que, para o advogado, a concessão de portarias projeto a projeto, prevista na regra anterior, “dava mais conforto para as empresas seguirem com os projetos”. No escritório, são dois projetos de transportes e três de energia, num total de R$ 3,5 bilhões, que estavam em compasso de espera e agora devem ganhar velocidade. “Em seis meses a um ano o mercado vai estar melhor, com a construção do consenso em torno da regulação.”
Marcelo Ikeziri, coordenador da área de bancos, serviços financeiros, mercado de capitais e ativos digitais do BVA – Barreto Veiga Advogados, também acredita que o processo de familiarização com as novas regras vai reativar o setor. No escritório, as emissões de empresas de saneamento são maioria, mas o ministério da área ainda não divulgou suas regras. “Isso gera insegurança, temos R$ 600 milhões em operações represadas.” Quem não podia esperar, afirma, emitiu debêntures comuns ao longo do primeiro semestre, para aproveitar as taxas baixas.
Segundo Rafael Feler, responsável pela área de mercado de capitais do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), até o fim do ano, as operações devem ficar concentradas em alguns setores, como energia e transportes. “Há alguns projetos grandes precisando fechar investimento de longo prazo em energia e rodovias, e acho que virão mais captações daqui para frente”, afirma. Outras áreas, como parques e florestas, saúde e educação pública – que foram incluídas neste ano no rol dos setores que podem captar com títulos incentivados – também devem buscar operações, mas, possivelmente, só no próximo ano, diz Feler.
Levantamento do Demarest a pedido do Valor mostra que, desde 2011, quando as debêntures incentivadas foram criadas pela Lei 12.431, 88,9% das emissões desse tipo de papel foram ligadas ao setor de energia; 6,8%, aos setores principalmente de portos, aeroportos, rodovias e ferrovias; 3,2%, de saneamento; e 1,1%, de comunicações.
A Lei 14.801, de janeiro deste ano, que passou a reger as incentivadas, também criou as debêntures de infraestrutura, cujo estímulo fiscal vai para o emissor, mas ainda não houve operações com esses papéis. Além de dúvidas regulatórias, a demanda por esse tipo de título seria mais concentrada em fundos de pensão, segundo especialistas, setor que tem um processo mais demorado de tomada de decisão.
Fonte: Valor Econômico

