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As mudanças no cenário macroeconômico, com a expectativa de juros em patamares altos por mais tempo e a valorização do dólar frente ao real, devem começar a afetar o planejamento financeiro das empresas, uma vez que as premissas utilizadas no início do ano foram se deteriorando ao longo dos últimos meses. Nesse novo contexto, a esperada recuperação da saúde financeira das companhias pode demorar mais para acontecer.
Se em março o mercado esperava que a Selic terminasse o ano em 9% e a taxa de câmbio, em R$ 4,95, a expectativa agora é de uma taxa básica de juros maior, mantida nos atuais 10,5%, e o dólar a R$ 5,20, conforme o relatório Focus da última segunda-feira. Caso as projeções mais recentes se confirmem, as companhias brasileiras devem terminar o ano com uma dívida de R$ 6,16 trilhões – 5% maior que a apurada em março. Se o cenário ao fim de 2024 fosse como o desenhado em março pelos economistas, esse aumento seria menor, de cerca de 3,25%, para R$ 6,03 trilhões.
Os cálculos são do Centro de Estudos do Financiamento das Empresas Brasileiras da Fipe (Cefeb-Fipe), coordenado por Carlos Rocca. Os números foram obtidos a partir de uma simulação feita com os saldos da dívida financeira das empresas brasileiras de capital aberto ou fechado, e as projeções para câmbio e Selic que aparecem no Focus. Foi calculado, então, qual seria o impacto nos débitos considerando o cenário projetado em março deste ano para o fim de 2024 e o que passou a ser esperado agora para o mesmo período.
A simulação mostra que, ao fim de 2024, as despesas financeiras das empresas seriam de R$ 170 bilhões considerando o cenário mais positivo, de março. Se for levado em consideração o cenário projetado no fim de junho, elas somariam R$ 295 bilhões, um aumento de 73%.
Em síntese, diz Rocca, o exercício mostra uma piora da capacidade de recuperação das empresas, que vivenciaram nos últimos anos um aumento do volume de dívidas e dos juros e certa piora das condições de crédito após as crises de companhias como Americanas, além de uma redução das margens, o aumento dos custos e o impacto da inadimplência e da inflação na redução do consumo.
Junto a isso, boa parte das companhias começou a enfrentar dificuldades na rolagem de dívidas – essencial para a manutenção das atividades. Neste ano, diz Rocca, essa dificuldade foi superada pelas empresas que acessam o mercado de crédito privado. O mesmo não aconteceu com empresas de menor porte. “Quem deve no mercado de capitais não enfrenta dificuldades de rolagem, mas quem só tem crédito bancário, que é a grande massa das empresas, continua com problemas”, afirma.
O coordenador do Cefeb-Fipe afirma que, nos 12 meses encerrados em março, 11% das empresas tinham geração de caixa insuficiente para pagar suas dívidas. Com o impacto da alta do dólar, essa fatia poderá passar para 17% no fim do ano.
Para o estudo do Cefeb-Fipe foram utilizadas algumas hipóteses, como a maior parte da dívida bancária ser contratada com juros fixos, a dívida no mercado de capitais ser indexada ao CDI e a dívida em moeda estrangeira permanecer constante em dólar, mas, em reais, aumentar conforme a variação do câmbio.
Rosana Pádua, conselheira do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças de São Paulo (Ibef-SP), classifica o momento como “bastante desafiador” para as empresas. Para ela, a única maneira para manter as margens atuais é seguir com a redução de custos, que já tem sido trabalhada pelos diretores financeiros. “O ambiente está mais negativo. Com os juros mantidos em um nível alto é preciso ter uma lucratividade muito forte para que o endividamento seja pago com tranquilidade”, afirma.
No fim de 2023, cerca de 25% das companhias brasileiras de capital aberto não tinham capacidade de pagar as despesas financeiras, segundo levantamento da RK Partners feito em abril. Em um universo de mais de 300 companhias, cerca de 45% estavam em uma situação de alavancagem considerada “delicada”, com o índice de dívida sobre Ebitda (lucro antes de juros, impostos, taxas e depreciação) superior a três vezes, mostra o estudo.
Como só considera companhias de capital aberto, o levantamento reflete a situação de empresas grandes e com maior capacidade de renegociação, diz Ricardo K., fundador da RK Partners. “Se você imaginar um universo de companhias de menor porte, que pagam juros maiores, esses 25% sobem para 30%”, afirma.
O especialista em reestruturação de empresas acredita que essa dificuldade de cobrir o custo das dívidas deve durar pelo menos mais dois anos. “Mesmo que a Selic caia, demora um pouco para essa redução chegar na ponta”, explica.
Além da dificuldade em cobrir os juros das dívidas, a piora das perspectivas pode afetar a retomada dos investimentos. “Essa mudança para pior ao longo do primeiro semestre afeta nossas decisões de investimento, o que estamos dispostos a alocar de capital, uma vez que fica mais caro, em especial investimentos novos, como aquisições ou projetos de expansão”, diz Marcelo Bacci, diretor de finanças, relações com investidores e jurídico da Suzano.
A companhia do setor de celulose anunciou recentemente a aquisição de uma participação de 15% na fabricante de celulose solúvel e tecidos austríaca Lenzing por R$ 1,3 bilhão e chegou a avaliar a compra da americana International Paper, além de investimentos em expansão própria. Por ser uma empresa dolarizada, a depreciação do real acaba favorecendo a Suzano, explica Bacci. “A receita mais alta acaba compensando certos custos adicionais”, comenta. A política de hedge, que não sofreu alterações nos últimos meses, também ajuda a blindar a companhia de volatilidades.
“Sempre trabalhamos com alguma flexibilidade, porque essas dinâmicas de mercado são difíceis de se prever, mas deu uma clara piorada no cenário”, afirma Bacci, que também é membro do Ibef-SP. “Acho que, para empresas ligadas ao setor doméstico, o efeito pode ser um pouco maior.”
Na Comerc, que atua com comercialização de energia renovável, o planejamento financeiro para 2024 também considerava um certo nível de volatilidade, diz Fernando Oliveira, diretor financeiro da companhia. “Mas, assim como o resto do mercado, também imaginávamos juros mais baixos e dólar mais controlado.”
Oliveira diz que, por enquanto, não precisou mudar o planejamento, mas acompanha de perto o cenário para avaliar a necessidade de revisões. “No nosso dia a dia, o primeiro efeito da valorização do dólar é diminuir a atratividade de projetos como a construção de novos parques, já que grande parte dos equipamentos é importada”, diz.
Do lado dos juros, explica Oliveira, há um efeito direto nas companhias que demandam capital intensivo, como as de energia. “O aumento acaba também reduzindo a atratividade de novos projetos. Captamos boa parte dos recursos em IPCA, mas também faz parte da estratégia emitir em CDI.”
Na emissão mais recente de debêntures, em abril, a Comerc levantou R$ 2 bilhões, sendo R$ 1,4 bilhão em títulos corporativos, com remuneração atrelada ao CDI, e R$ 600 milhões em títulos incentivados, indexados ao IPCA.
Para Rosana Avolio, diretora de relações com investidores da Braskem, o principal efeito da queda menor nos juros é no mercado consumidor e para as perspectivas de crescimento de demanda nos diferentes segmentos de mercado dos seus clientes. Nos resultados da empresa, em si, o planejamento não mudou.
“Mesmo se observarmos apenas a taxa de juros brasileira, o impacto também é limitado, uma vez que apenas cerca de 10% do endividamento total da Braskem está denominado em reais”, afirma. Cerca de 3/4 do endividamento da empresa é baseado em taxas prefixadas.
Já a depreciação do real, assim como na Suzano, é positiva para a Braskem, uma vez que preços de matérias-primas e produtos são integrados na cadeia global de produção e consumo. “Como parte dos custos é em real, como manutenção e salários, vemos ganhos aqui.”
A diretora explica que a depreciação do real frente ao dólar tende a impactar negativamente o resultado contábil da companhia, por conta da variação de dívida e da política de “hedge” (proteção), mas tem impacto positivo na geração de caixa. “Parte do passivo denominado em dólar é designado como hedge, mas são efeitos contábeis.”
O dólar, que já vinha subindo nas últimas semanas, acelerou com mais força e chegou ao pico de R$ 5,66, maior nível desde janeiro de 2022, anteontem. Ontem, desacelerou a R$ 5,57, após falas do presidente Lula e do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Ricardo Maluf, chefe da mesa de operações institucionais de equities da Warren Investimentos, diz que no momento a tensão e a volatilidade estão fortes demais, o que dificulta prever como será o comportamento da moeda até o fim do ano.
Ele explica que, entre os fatores de pressão, estão a demora dos Estados Unidos em cortar juros, o aumento das chances de Donald Trump vencer as eleições presidenciais americanas e os ruídos políticos internos sobre política fiscal, controle da inflação e sucessão no Banco Central. Além disso, o real sofre contaminação de moedas de emergentes em geral, diante de resultados de eleições em México, África do Sul e Índia que desagradaram ao mercado, com candidatos eleitos e legislativo com pautas de expansão fiscal. “Calcula-se que R$ 0,20 da desvalorização do real, de R$ 5,20 para R$ 5,40, tenha sido impacto do peso mexicano.”
Maluf explica que, mesmo após a interrupção dos cortes da Selic, antes de o dólar passar de R$ 5,60, os analistas viam possibilidade de a taxa cair quando os Estados Unidos começassem a cortar sua taxa. “Como o câmbio pode pressionar a inflação, agora o mercado prevê até alta de juros no fim do ano.” Nesta semana os analistas reforçaram as apostas de elevação da Selic ainda neste ano.
Fonte: Valor Econômico

