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Lakryc, da Bayer: integração entre academia, indústria, governo e educação — Foto: Divulgação
Lakryc, da Bayer: integração entre academia, indústria, governo e educação — Foto: Divulgação
Contando com uma das maiores e mais miscigenadas populações do mundo, renomadas instituições de pesquisa na área da saúde, hospitais que figuram entre os melhores em ranking global e grandes laboratórios farmacêuticos, o Brasil teria plenas condições de assumir um papel de destaque nas pesquisas clínicas de novos medicamentos. Mas não é isso que tem acontecido nos últimos anos.
Em 2023, de acordo com pesquisa da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), o país ocupava a 19ª posição entre as nações que mais participam de ensaios clínicos, integrando apenas 1,6% dos estudos iniciados no período. A China, primeira da lista, esteve em 38% das pesquisas, seguida pelos Estados Unidos (27%). Pelas contas da entidade, o Brasil poderia alcançar a décima posição, posto que seria condizente com sua magnitude nessa área.
Para isso, no entanto, o país precisa romper algumas barreiras. Especialistas citam entraves como a demora na autorização para o início de pesquisas clínicas, um dos pontos mais sensíveis. Enquanto no exterior é comum um estudo ser autorizado – ou seja, pode começar a procurar os voluntários – em prazos que variam de três a seis meses, no Brasil esse intervalo não raramente passa de um ano. “Como as pesquisas são multicêntricas, ou seja, realizadas ao mesmo tempo em vários lugares, os pesquisadores não podem simplesmente ficar aguardando a decisão do Brasil. Diante da demora, tocam as pesquisas em outros países que foram mais ágeis no processo, nos deixando de fora desse rico ecossistema de compartilhamento de experiências científicas”, observa o presidente-executivo do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma), Nelson Mussolini.
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Mussolini, do Sindusfarma: lei deve dar mais agilidade para as aprovações — Foto: Silvia Zamboni//Valor
Mussolini, do Sindusfarma: lei deve dar mais agilidade para as aprovações — Foto: Silvia Zamboni//Valor
Há também gargalos como regulação ainda insuficiente para enfrentamento da concorrência externa, excesso de burocracia nos processos de aprovação de projetos e desenvolvimento ainda aquém do potencial do ecossistema nacional de pesquisas. Além desses pontos, há uma certa desconfiança da população em relação a essa atividade – muitas pessoas, de maneira equivocada, ainda acreditam que os trabalhos clínicos usam os voluntários como cobaias, desconsiderando todos os protocolos que os pesquisadores adotam na condução dos estudos e a comprovada segurança dos medicamentos testados. “Seria importante que tivéssemos maior integração entre academia, indústria e governo, além de campanhas de educação para que a sociedade entendesse o que está por trás de um estudo clínico”, afirma Eli Lakryc, vice-presidente de assuntos médicos da Bayer para o Brasil e a América Latina.
A expectativa é de que alguns desses pontos sejam corrigidos com a recente edição da Lei nº 14.874/2024, o primeiro diploma legal a estabelecer regras para as pesquisas clínicas de novos medicamentos no país. Segundo Mussolini, a lei é resultado de pelo menos dez anos de debates e esforços para se criarem parâmetros para as pesquisas clínicas que alinhem o Brasil às melhores práticas internacionais. Um dos aspectos positivos, na opinião do presidente da Interfarma, Renato Porto, é a uniformização da análise ética das pesquisas pelas autoridades, atribuição que passa a ser de nível federal apenas – antes ela era dividida com instâncias estaduais. A lei também deve dar mais agilidade para as aprovações.
Pelo lado negativo, o setor se ressente de vetos do presidente Lula ao texto da lei aprovado – principalmente o que extinguiu o limite de cinco anos para que o laboratório envolvido na pesquisa clínica continue fornecendo aos voluntários o medicamento caso sejam comprovadas sua eficácia e vantagem em relação ao tratamento anterior. “Esse veto acaba criando uma incerteza para o laboratório, que passa a não saber por quanto tempo vai ter que fornecer o medicamento. Isso gera insegurança e pode reduzir o interesse dessa indústria pela pesquisa clínica no Brasil”, avalia Porto – lembrando que, nesse caso, o laboratório tem a opção de fazer a pesquisa em um país em que esse ponto não é levantado. Mussolini afirma que o Sindusfarma está trabalhando junto ao Congresso para tentar derrubar o veto. “As indústrias precisam de previsibilidade e segurança jurídica para fazer estudos clínicos no Brasil”, acrescenta.
Falta também o estabelecimento de regras infralegais para que o texto aprovado pelo Legislativo tenha efeitos práticos. A regulamentação fica a cargo do Ministério da Saúde, que, mesmo passados mais de 90 dias da promulgação da lei, ainda não atuou nesse sentido. Em nota enviada à reportagem, o ministério informou que a Lei nº 14.874/2024 foi publicada em 29/05/2024 e entrou em vigor em 27/08/2024. “Existem dispositivos na lei que dependem de regulamentação, a qual ocorrerá por meio de decreto do Poder Executivo. A minuta do decreto está em análise pelo governo federal.” A nota ainda acrescenta que “a proposta de decreto, elaborada pelo Ministério da Saúde, foi pautada em aspectos técnicos, éticos e legais vigentes, e considerou as contribuições enviadas à pasta por diversos órgãos e entidades que atuam no campo da pesquisa envolvendo seres humanos”.
Fonte: Valor Econômico