Por Fabio Murakawa, Marcelo Ribeiro, Raphael Di Cunto, Vandson Lima e Caetano Tonet — De Brasília
04/04/2023 05h02 Atualizado há uma hora
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegará aos cem dias de governo sem uma base sólida no Congresso. Auxiliares próximos do presidente já estão resignados com o fato de que, ao menos neste início de mandato, o Palácio do Planalto terá que trabalhar com esse apoio instável no Parlamento.
Lula saiu vitorioso em outubro do ano passado na eleição mais polarizada da história do Brasil. Obteve 50,9% dos votos contra 49,1% do rival – uma vantagem de pouco menos de 2 milhões em um contingente de 117,2 milhões de votos válidos.
O líder da esquerda, além disso, chegou ao poder com um Congresso majoritariamente de direita e centro-direita. E não obteve sucesso até o momento em conseguir uma maioria confortável na Câmara e no Senado.
No início de março, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), fez um diagnóstico da situação.
“Hoje o governo ainda não tem uma base consistente nem na Câmara e nem no Senado para enfrentar matérias de maioria simples, quanto mais matérias de quórum constitucional”, afirmou.
O governo acredita ter um apoio sólido de 200 a 250 deputados. Mesmo na projeção mais otimista, o número é insuficiente para atingir a maioria simples de 257 dos 513 parlamentares da Casa.
Para o quórum constitucional, de 308 deputados, Lula precisará dos votos de uma “base ampliada” e da “oposição conversável”.
No Senado, a situação é um pouco melhor, embora longe de ser cômoda. O governo tem certos os votos de cerca de 45 dos 81 senadores, embora interlocutores de Lula afirmem que essa base é igual aos 49 votos obtidos por Rodrigo Pacheco em sua reeleição na presidência da Casa. De qualquer forma, o Planalto terá que negociar com a oposição para aprovar emendas à Constituição.
Com esse quadro, o governo deve centrar sua munição neste primeiro ano em pautas de interesse econômico e social, como o arcabouço fiscal e a Medida Provisória do Bolsa Família. Temas comportamentais caros à esquerda não são encarados como pautas do governo.
Na Câmara, partidos que são independentes aguardam que o Palácio do Planalto destrave indicações em cargos de segundo escalão. Apenas a partir daí ficará mais claro quais estão realmente dispostos a fortalecer a base governista na Casa. Além dos cargos, o governo jogará com a liberação de emendas para angariar votos.
Porém, mesmo entre os que já foram contemplados com vaga na Esplanada, há insatisfação pela dificuldade de acesso às verbas.
Com 59 deputados, a bancada do União Brasil é o principal foco de desconforto. Com três ministérios, os parlamentares liderados por Elmar Nascimento (União-BA) reclamam frequentemente de dificuldades de interlocução para a apresentação de suas demandas.
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A formação de mais de um bloco independente na Câmara tende a descentralizar as negociações, atualmente muito concentradas em Arthur Lira. O presidente da Casa continuará sendo um interlocutor de primeira hora, mas o governo quer ter mais opções ao alcance para a negociar ampliação da base e avanço de propostas.
Ainda que tenha protagonizado embates duros com Rodrigo Pacheco (PSD-MG) por causa do rito das comissões mistas, Lira tem cumprido o que sinalizou aos governistas antes de ser reconduzido ao principal posto da Câmara. O PT e outras siglas aliadas a Lula apoiaram sua reeleição, e ele prometeu colaborar para o sucesso de pautas prioritárias do presidente.
Lira deve trabalhar pela aprovação do arcabouço fiscal e no avanço da reforma tributária. Em 11 de abril, o relator da reforma tributária, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), apresentará um texto preliminar com os pontos consensuais e um apanhado geral no grupo de trabalho que analisa a proposta.
Ainda assim, após semanas de negociação, as comissões temáticas do Congresso foram instaladas nas primeiras semanas de março, mas os colegiados não entraram em pautas consideradas mais importantes para o governo. Com a base desorganizada, o Planalto também não conseguiu impedir a ofensiva da oposição, que conseguiu as assinaturas necessárias para que seja aberta a CPI para investigar invasões de terras pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Em outra frente, o governo deve ser afetado diretamente pela ausência de um acordo entre Lira e Pacheco sobre as comissões mistas que analisam as medidas provisórias. Lula tem tentado não tomar partido na disputa. Responsável pela articulação política, o ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais) atuou para encontrar um meio termo. Apesar de algumas comissões saírem do papel nas próximas semanas, Lula deve ser forçado a recorrer às MPs apenas quando o tema exigir urgência.
No médio prazo, o governo aposta no desgaste de Bolsonaro – que pode se tornar inelegível pela Justiça Eleitoral e está envolvido no escândalo das joias da Arábia Saudita – e na paulatina desidratação do poder de Lira para aumentar sua influência sobre o Congresso. Conta também com a distribuição de cargos de escalões inferiores e a liberação de emendas para conseguir mais votos na Câmara.
No Senado, a proximidade entre Lula e Pacheco, selada na última eleição ao governo de Minas, tende a abrir caminhos para o governo no próximo biênio. Foi ainda em julho de 2022, na condição de pré-candidato ao Planalto, que Lula começou a estreitar laços com o presidente do Senado.
Para ter à disposição o palanque de Alexandre Kalil (PSD), candidato ao governo do Estado, o PT sacrificou a candidatura ao Senado de Reginaldo Lopes e apoiou Alexandre Silveira, amigo de Pacheco há mais de 20 anos. Kalil e Silveira foram derrotados, mas Minas exerceu papel fundamental na eleição de Lula – e o vínculo com Pacheco permaneceu.
Já eleito, Lula o encontrou em novembro para tratar da PEC da Transição. A proposta começou a tramitar pelo Senado e teve como relator Silveira, depois nomeado ministro de Minas e Energia. O grande articulador nos bastidores, contudo, foi outro aliado de Pacheco, e que viria a ganhar espaço privilegiado no governo: Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), ex-presidente do Senado e fiador das indicações de Waldez Góes (Integração Regional) e Juscelino Filho (Comunicações) entre os ministros de Lula.
Como resultado, Pacheco recebeu apoio explícito do governo Lula na eleição da mesa, em fevereiro, com os cinco senadores que haviam sido designados ministros retornando provisoriamente ao cargo só para garantir a reeleição do mineiro, que venceu o bolsonarista Rogério Marinho (PL-RN) por 49 votos a 32. Reeleito, ele contemplou aliados na distribuição da presidência das comissões do Senado, deixando a oposição sem qualquer comando entre os 14 colegiados temáticos. A iniciativa também facilita a vida do governo federal, que terá assim um encaminhamento mais fácil de matérias que tramitem no Senado.
Na Câmara, a situação é menos confortável para o governo. Ao articular sua reeleição, Lira fechou acordos com a oposição, que passou a ter controle de comissões importantes: Fiscalização Financeira e Controle; Saúde; e Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, por exemplo. O PT, contudo, conseguiu a presidência das duas principais comissões, Constituição e Justiça e Finanças e Tributação.
O PSD de Pacheco é a maior bancada do Senado, com 16 parlamentares, e está em sua maioria alinhado ao governo – o que não significa ausência de queixas. Em março, a bancada se reuniu com os três ministros indicados pelo partido – Carlos Fávaro (Agricultura), Alexandre Silveira (Minas e Energia) e André de Paula (Pesca) – e o clima foi de reclamação pela demora do governo em liberar cargos.
A bancada também se uniu em um ato de desagravo a Silveira, alvo de críticas de alas do PT, incluindo sua presidente, Gleisi Hoffmann. Coube a Pacheco o papel de bombeiro, comprometendo-se a buscar um encontro do grupo com Lula. A reunião ainda não ocorreu, mas Pacheco e Lula estiveram juntos na terça-feira (28) passada por mais de duas horas.
Na semana passada, Lula renovou o convite para que Pacheco o acompanhe na viagem à China, remarcada para o dia 11.
Fonte: Valor Econômico

