Por Tom Mitchell — Financial Times, em Cingapura
06/10/2022 05h02 Atualizado há 4 horas
Passado o feriado prolongado do 73º Dia Nacional da República Popular da China, que começou no sábado, o país ficará em segundo plano em relação ao Partido Comunista e ao homem que o dominou na última década: o presidente Xi Jinping.
O aniversário marca o início do que será um mês quase inteiro de pompa patriótica que culminará com a indicação de Xi para um terceiro mandato como secretário-geral do partido e chefe das Forças Armadas chinesas, algo sem precedentes, no congresso quinquenal do PC, programado para começar em 16 de outubro.
A recondução de Xi ao cargo de chefe de Estado não será oficial até a sessão anual que o Congresso Nacional do Povo, o Parlamento chinês, prevista para março.
Sua turnê de comemoração começou na semana passada, quando ele guiou os outros seis membros do órgão mais poderoso do PC, o Comitê Permanente do Politburo, por uma exposição que fazia a propaganda das “realizações da nova era” da China ao longo de seus dois primeiros mandatos.
Foi a primeira aparição pública de Xi desde 15 de setembro, quando ele participou de uma cúpula regional sobre segurança no Uzbequistão e se encontrou com o presidente da Rússia, Vladimir Putin. O raro sumiço coincidiu com o período de quarentena e observação de 10 dias que a controvertida política de covid-zero de Xi exige das pessoas que chegam do exterior.
A exposição é a última novidade de uma longa campanha de propaganda que apresenta as razões para Xi governar de forma vitalícia se quiser.
No último congresso do PC, em outubro de 2017, Xi não indicou um sucessor claro e depois disso o Congresso Nacional do Povo emendou a Constituição para permitir que ele cumprisse três ou mais mandatos como presidente. Os cargos militares e partidários mais importantes de Xi nunca foram sujeitos a limites quanto ao número de mandatos.
Wang Huning, quinta maior autoridade do partido, deu o tom para todo o mês ao abrir a exposição no dia 27 de setembro. “A razão fundamental pela qual realizações históricas e mudanças históricas foram feitas pela causa do partido e do país é a condução habilidosa e a liderança de Xi Jinping”, disse Wang segundo a agência de notícias oficial Xinhua.
Os meios de comunicação estatais mostraram Wang e os outros membros do Comitê Permanente do Politburo seguindo Xi a uma distância social segura pelo salão de exposições. Depois que terminaram a visita, as transmissões exibiram centenas de outras altas autoridades partidárias, militares, parlamentares e judiciárias seguindo os mesmos passos.
Dois colegas de Xi no Comitê Permanente do Politburo devem deixar seus postos durante o congresso do PC por causa de uma regra não oficial que prevê que pessoas com mais de 68 anos não podem ser reconduzidas ao comitê. Xi, que tem 69 anos, pode fortalecer ainda mais sua posição no topo do partido se baixar esse limite para 67 anos – uma medida que obrigaria outros três membros a renunciar, entre eles o primeiro-ministro Li Keqiang.
Também há especulações de que Xi poderia ressuscitar e assumir o título de presidente do partido, mantido por 33 anos por Mao Tsé-tung, herói revolucionário do partido e ídolo político de Xi.
Antes de Xi ser escolhido como líder do partido, das Forças Armadas e do Estado entre o fim de 2012 e o início de 2013, Li era visto como seu principal rival para os três cargos. No período imediatamente anterior ao congresso deste mês muitos críticos de Xi, internamente e no exterior, esperavam que Li poderia ajudar a reverter as políticas mais controvertidas de seu chefe, como a da covid-zero, que deve reduzir o crescimento econômico para menos de 3% este ano.
Mas Li, que foi muito marginalizado por Xi, não assumiu o desafio. “Li não é um lutador”, disse Lance Gore, sinólogo da Universidade Nacional de Cingapura. “Ele pode discordar de muitas das políticas de Xi e gostaria de mais liberalização econômica, mas também é um membro leal do Partido Comunista.”
Antes da volta da centralização do poder partidário – que definiu os dois primeiros mandatos de Xi – havia uma tolerância maior com relação a uma separação mais formal das funções do governo e do partido, assim como um espírito de liderança partidária mais “coletiva” que limitou o poder dos ex-secretários-gerais Hu Jintao e Jiang Zemin.
Mas uma alta autoridade do partido argumentou que uma separação mais clara entre partido e Estado era “uma divisão artificial” que tolhia a capacidade do partido de governar de forma eficaz.
O PC chinês sempre reafirmou seu predomínio em tempos de crise, como ficou demonstrado mais dramaticamente pela decisão do sucessor de Mao, Deng Xiaoping, de ordenar o massacre da Praça Tiananmen, em junho de 1989.
Além de remover os limites para o número de mandatos como presidente, as revisões constitucionais de Xi também fortaleceram a ideia de que o país opera “sob a liderança do Partido Comunista Chinês” – um paradoxo que o PC acredita que o autoriza a criminalizar o discurso “contra o partido”, os protestos e outros direitos civis consagrados na Constituição.
“Em teoria, tudo [que o partido faz] é feito de acordo com a lei”, disse Jerry Cohen, especialista em Direito da China da Universidade de Nova York.
“Na prática, o partido age por fora da lei sempre que deseja”, acrescentou Cohen. Ele citou as detenções extrajudiciais prolongada de dissidentes – como Gao Zhisheng, um proeminente advogado de direitos humanos que desapareceu no opaco sistema legal do Estado do partido chinês em 2009.
“Os direitos humanos e a democracia estão consagrados na Constituição chinesa”, disse Steve Tsang, chefe do Instituto da China na Escola de Estudos Orientais e Africanos (Soas na sigla em inglês), da Universidade de Londres. “Mas a única maneira correta de ‘respeitá-los’ é seguir a interpretação do partido, já que qualquer tentativa de questionar a interpretação do partido será considerada uma violação do ‘Estado de direito’.”
“É o Estado de direito com características chinesas. Não acho que Xi veja uma contradição nisso da forma como nós vemos.”
Fonte: Valor Econômico

