Os partidos de esquerda e de centro da França retiraram nesta terça-feira (02) centenas de candidatos das eleições deste domingo, numa tentativa coordenada de impedir que o Reunião Nacional (RN), de extrema direita, chegue ao poder.
Segundo levantamento do jornal francês “Le Monde”, cerca de 218 candidatos que deveriam disputar o segundo turno desistiram, com seus partidos buscando evitar a divisão do voto anti-RN e diminuir a probabilidade da extrema direita alcançar a maioria absoluta na Assembleia Nacional.
O número de desistências representa mais de dois terços das disputas com três candidatos após a votação no primeiro turno no domingo passado.
“Uma maioria absoluta parece muito improvável, mas precisaremos realizar uma pesquisa para ter certeza”, disse Mathieu Gallard, pesquisador do Ipsos. Mas ele acrescentou que ainda é “muito, muito provável” que o RN conquiste o maior número de cadeiras.
Num esforço para construir uma “frente republicana” contra o RN, todos os 130 candidatos classificados em terceiro da Nova Frente Popular (NFP) de esquerda se retiraram da disputa do segundo turno, assim como quase todos os candidatos da aliança centrista Juntos, do Presidente Emmanuel Macron — cerca de 82.
Após essas desistências, ainda sobraram 91 distritos com três candidatos, o que aumenta a probabilidade de nenhum grupo obter a maioria de 298 cadeiras.
“O jogo não acabou. Precisamos mobilizar todas as nossas forças”, disse a prefeita de Paris, a socialista Anne Hidalgo, à TV France 2.
O RN, sob a liderança do presidente do partido, Jordan Bardella, obteve o maior número de votos no primeiro turno das eleições legislativas antecipadas de 30 de junho, mas não o suficiente para reivindicar uma vitória geral que permitiria a formação do primeiro governo de extrema direita da França desde a Segunda Guerra Mundial.
A “Frente Republicana” já funcionou em outras ocasiões, como em 2002, quando eleitores de todos os matizes políticos se uniram em torno de Jacques Chirac para derrotar o pai de Le Pen, Jean-Marie, em uma eleição presidencial.
“A Frente Republicana da qual falamos muito voltou a se unir”, disse o ex-presidente socialista François Hollande à TV France 2. “Mesmo que isso signifique perder assentos, a esquerda deveria se orgulhar de estar no caminho da extrema direita.”
Mas não existe uma certeza de que hoje em dia os eleitores estejam dispostos a seguir a orientação de líderes políticos sobre o que fazer com seus votos, ao mesmo tempo em que os esforços de Le Pen para suavizar a imagem de seu partido reduziram seu nível de rejeição entre milhões de eleitores.
Uma pesquisa do instituto Ifop mostrou que uma pequena maioria dos que votaram nos conservadores tradicionais no primeiro turno apoiaria o candidato de esquerda mais bem posicionado para derrotar um concorrente do RN no segundo turno — a não ser que esse candidato fosse da França Insubmissa (LFI), o partido de extrema esquerda liderado por Jean-Luc Mélenchon.
“Os eleitores franceses vão fazer uma escolha moral para se oporem ao RN”, previu Martial Foucault, professor da Sciences Po Paris, “mas ao fazê-lo vão construir uma França que é ingovernável”.
A relação final das disputas para domingo provavelmente será publicada nesta quarta-feira (03), mas o número de desistências pretendidas é um golpe para Le Pen, mesmo que ainda restem cerca de 95 disputas com três candidatos. Havia também cinco segundo turnos de quatro vias, que o “Le Monde” disse terem sido reduzidos a apenas um.
A análise da Bloomberg da contagem do diário francês cruzada com os resultados do primeiro turno mostra que as desistências ocorreram principalmente em locais onde o RN estava em melhor posição para vencer.
De acordo com a análise do jornal “Le Grand Continent”, que também leva em conta as pesquisas sobre como os eleitores mudam seu apoio entre o primeiro e o segundo turno, o RN poderia obter entre 225 e 262 assentos.
Num sinal de que Le Pen está começando a considerar a possibilidade de não obter a maioria absoluta na Assembleia Nacional de 577 cadeiras, ela disse ontem que o seu partido iria contatar outros legisladores para tentar formar uma maioria.
“Não podemos aceitar entrar no governo se não pudermos agir”, disse Le Pen numa entrevista à emissora pública France Inter. “Seria a pior traição aos nossos eleitores”. No entanto, “se tivermos, digamos, 270 legisladores, precisamos de mais 19, iremos a outros e perguntaremos se estão prontos para participar conosco numa nova maioria”, acrescentou.
Os mercados financeiros têm sido abalados pela incerteza em torno da votação e pelo risco de um governo de extrema direita aumentar os gastos e entrar em conflito com a União Europeia (UE) por causa dos déficits fiscais. O prêmio de risco dos bônus soberanos da França de 10 anos em relação aos títulos alemães chego a subir ao maior nível desde 2012. Mas o stress diminuiu desde o primeiro turno, reduzindo o spread para ao redor de 71 pontos-base.
O RN e seus aliados dominaram o primeiro turno de votação há dois dias, obtendo 33,2% dos votos. A aliança de esquerda NFP obteve 28%, enquanto a coligação centrista Juntos de Macron obteve 20,8%.
O RN é hostil à ideia de ampliar ainda mais a integração da UE e pretende cortar seu financiamento. Grupos de defesa dos direitos humanos levantaram preocupações sobre como sua plataforma de “preferência nacional” e políticas contra migrantes se aplicariam a minorias étnicas, enquanto economistas questionam se existe uma previsão de financiamento concreta para os planos de gastos pesados do partido.
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Fonte: Valor Econômico

