É quase certo que na sexta-feira o premiê do Reino Unido, Rishi Sunak, será expulso da Downing Street e o seu Partido Conservador enfrentará o seu pior momento em mais de um século.
Pesquisas para as eleições de quinta-feira mostram que o Partido Trabalhista, de oposição, e seu líder Keir Starmer caminham para vencer por uma margem de cerca de 20 pontos percentuais, encerrando 14 anos de governo dos conservadores. A questão é: qual será a escala da derrota para o mais antigo e mais bem-sucedido partido político do mundo, medida por anos no poder nos últimos 150 anos?
Se as pesquisas estiverem certas, os conservadores caminham para obter apenas cerca de 20% dos votos — a percentagem mais baixa na história britânica moderna e menos da metade dos 43,5% dos votos que conseguiram nas eleições gerais de 2019, quando o partido obteve uma grande maioria parlamentar com 365 cadeiras, contra apenas 203 para os trabalhistas.
Segundo pesquisa da Survation divulgada na terça-feira, os conservadores (Tories) caminham para ficar com apenas 64 assentos no Parlamento, o que significa que poderão ser superados pelos liberais democratas como o principal partido de oposição do Reino Unido.
Para os Tories, a derrota iminente encerra mais de uma década no poder, período em que o país teve cinco primeiros-ministros e viveu momentos dramáticos como a votação de 2016 para deixar a União Europeia. Desde então, a economia britânica enfrenta dificuldades, ainda mais prejudicada pela pandemia e a guerra na Ucrânia. E o partido tem sido frequentemente dilacerado por conflitos e fustigado por escândalos. Agora, os legisladores do partido se preparam para, na melhor das hipóteses, cinco anos na oposição e, na pior das hipóteses, divisões internas que poderão despedaçá-lo.
Sunak, um ex-banqueiro do Goldman Sachs, passou os últimos dias de campanha conclamando os eleitores a elegerem conservadores suficientes para que os trabalhistas tenham uma oposição real e não um “cheque em branco”.
Mesmo quando os conservadores se aproximavam do fim de sua legislatura, eles conduziram uma campanha amplamente vista como cheia de erros. Em maio, Sunak surpreendeu quase todos ao convocar uma eleição antecipada para este início de segundo semestre, apesar de estar muito atrás nas pesquisas. Enquanto fazia o anúncio do lado de fora de Downing Street, uma tempestade repentina começou e o premiê, sem guarda-chuva, continuou fazendo seu discurso de campanha mesmo sendo encharcado pela chuva.
Dois dias após convocar a eleição, Sunak realizou um evento na Irlanda do Norte, num cais perto de onde o Titanic foi construído. “O senhor está comandando um navio que está afundando nesta eleição?”, perguntou um jornalista. Apesar de prometer uma série de cortes de impostos e uma política linha dura com a imigração, as pesquisas não apontam uma melhora em sua situação.
Sunak está “viajando pelo país e sendo espancado”, disse Andrew Cooper, membro conservador da Câmara dos Lordes e especialista em pesquisas. “Se fosse uma luta de boxe, já a teriam encerrado.”
Sunak e outros líderes conservadores defendem a campanha e afirmam que o resultado “não é uma conclusão inevitável”.
Uma pesquisa feita pela Ipsos na semana passada constatou que Sunak, de 44 anos, tem a maior taxa de desaprovação entre todos os primeiros-ministros que tentaram se reeleger em 50 anos, com 75% dos eleitores achando que ele não está fazendo um bom trabalho. Os apostadores dão a Sunak, antes considerado estrela em ascensão dos conservadores, uma chance de menos de 0,7% de permanecer como premiê. Parlamentares do partido estão desanimados.
A previsão é que Rishi Sunak se torne o primeiro primeiro-ministro britânico a perder seu assento parlamentar em uma eleição, mostrou uma pesquisa de opinião da Savanta publicada pelo jornal “Telegraph” antes da votação nacional de 4 de julho.
A mesma pesquisa mostra que Sunak está ameaçado até mesmo de se tornar o primeiro premiê britânico no cargo a não se reeleger como deputado do Parlamento.
Um dos motivos pelos quais os conservadores estão caminhando para uma derrota é que os eleitores simplesmente estão prontos para uma mudança. Nenhum partido político britânico conquistou um quinto mandato consecutivo. A política britânica tende a funcionar em ciclos, com os dois principais partidos geralmente conseguindo um período de 10 a 15 anos antes da população votar na oposição. Os conservadores governaram de 1980 a 1997, os trabalhistas de 1997 a 2010, e os conservadores novamente desde então.
Mas os Tories também estão sendo destruídos por seu próprio histórico econômico, em parte devido à má sorte e em parte por causa deles próprios.
Nos últimos cinco anos, os salários reais caíram devido ao triplo golpe do Brexit, da pandemia e da guerra na Ucrânia, que levaram a uma disparada dos preços da energia e da inflação. Desde a última eleição, a renda real das famílias caiu — a primeira vez desde que os registros começaram em 1955, que as famílias britânicas estão mais pobres, quando ajustada a renda à inflação, após uma legislatura, diz o centro de estudos Resolution Foundation, de Londres.
Para proteger a economia do choque duplo da pandemia e da guerra, os gastos do governo e os impostos aumentaram, e a arrecadação fiscal do Reino Unido está no patamar mais alto desde a década de 40. A imigração atingiu níveis recordes. Há hoje 7,5 milhões de pessoas à espera de tratamento no Serviço Nacional de Saúde. A inflação caiu de 11% para 2%, mas as taxas de juros ainda não foram cortadas de forma significativa.
O aumento dos impostos e os níveis recordes de imigração provocaram um retorno ao cenário político britânico de Nigel Farage, um populista que pressionou pelo Brexit e que agora está de volta com um novo partido chamado Reform UK. As pesquisas mostram que o Reform poderá ficar com cerca de 15% dos votos, drenando o apoio aos conservadores. Farage disse que quer superar os conservadores depois da eleição.
“Obviamente tem sido extremamente difícil”, diz Steve Baker, um parlamentar conservador. Alguns legisladores temem que um Partido Conservador muito enfraquecido possa se dissolver depois das eleições, ou se submeter a Farage.
O colapso do apoio aos conservadores é um desfecho brutal para um arco político que começou em 2010, quando os Tories regressaram ao poder em meio às consequências da crise financeira de 2007-2008. Os conservadores optaram por remendar as finanças do país cortando drasticamente os gastos públicos, em vez de aumentar os impostos ou contrair mais empréstimos. Após poucos anos, os cortes provocaram uma deterioração dos serviços públicos, como o serviço estatal de saúde.
Os conservadores apostaram, então, no futuro da união britânica, realizando um referendo sobre a independência da Escócia, que a população escocesa rejeitou. A isso seguiu-se uma aposta sobre a adesão do Reino Unido à União Europeia. A liderança do Partido Conservador fez campanha pela permanência na UE. A nação votou pela saída. O Partido Conservador reposicionou-se com sucesso sob Boris Johnson como o partido do Brexit e da grande intervenção estatal para ajudar a desenvolver áreas do país que se sentiam deixadas para trás pela globalização.
Mas Johnson foi deposto após sucessivos escândalos, como ser pego em festas durante “lockdowns” da covid-19. A confiança dos eleitores foi ainda mais corroída depois que sua sucessora, Liz Truss, provocou uma grande queda nos mercados com a promessa de uma série de cortes de impostos não financiados. Ela durou apenas algumas semanas no cargo e Sunak — o terceiro primeiro-ministro britânico em menos de um ano — foi escolhido para limitar os danos.
Sunak estabilizou a economia em parte aumentando os impostos e reduzindo os gastos públicos para estabilizar a libra. Mas a economia não conseguiu crescer. Sunak “começou em uma posição ruim e ela piorou”, diz Philip Cowley, professor de política da Universidade Queen Mary.
Sunak convocou eleições antecipadas na esperança de que as políticas trabalhistas desmoronassem sob o escrutínio público. A convocação de uma eleição antecipada também visou pegar o partido Reform UK de surpresa. Mas Farage rapidamente entrou na disputa, enfatizando que os conservadores não estão levando a sério o controle da imigração.
Sunak então entregou a Farage um presente eleitoral ao sair mais cedo de um evento na França que marcou o 80.º aniversário do Dia D, para participar de uma entrevista na TV. Farage disse que a decisão foi antipatriótica. Sunak pediu desculpas, mas o dano estava feito.
Então, um escândalo envolvendo apostas explodiu. Até 15 candidatos e autoridades do Partido Conservador estão sendo investigados por supostas apostas sobre o momento das eleições gerais.
Sunak, que é a pessoa mais rica do Parlamento, graças em parte ao seu casamento com a filha de um bilionário indiano, tem por vezes lutado para se conectar com o público britânico.
Em um programa de entrevistas na semana passada, uma mulher perguntou a ele: “Como pode um primeiro-ministro mais rico que o rei se relacionar com nossas necessidades e lutas”? Sunak respondeu: “Sophie, quando se trata de bancos que financiam alimentos, eu sou sempre incrivelmente grato àqueles que os apoiam”.
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Fonte: Valor Econômico

