Por Rafael Bitencourt, Raphael Di Cunto, Marcelo Ribeiro e Estevão Taiar — De Brasília
06/05/2022 05h02 Atualizado há 3 horas
O governo, o setor privado e fontes da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) reagiram ontem à sinalização do presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), segundo a qual os parlamentares irão pressionar o órgão regulador a rever os reajustes autorizados na conta de luz.
Para eles, isso pode afetar a percepção de risco do investidor em relação ao Brasil, além de desorganizar o setor. Uma das reações mais contundentes partiu do fórum de associações do setor. A organização, que reúne 27 entidades, enviou carta a Lira pedindo a manutenção dos reajustes (leia mais abaixo).
A iniciativa de barrar a alta nas tarifas partiu de aliados do presidente Jair Bolsonaro, preocupados com o impacto da inflação na campanha eleitoral. Diante disso, a Câmara aprovou requerimento de urgência para um projeto que visa sustar o efeito dos reajustes.
Lira viaja para o exterior e só retorna ao Brasil dia 16. Só, então, o tema voltará à pauta. No entanto, segundo o Valor apurou, a Câmara pode não votar o projeto em si, mas cobrar explicações e uma sinalização das empresas de que os aumentos serão revistos.
As discussões da casa vão partir de estudo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Ceará que contesta os procedimentos da agência. O documento foi elaborado para embasar uma ação civil pública que tenta rever o aumento de 24% para os consumidores do Estado. A peça, obtida pelo Valor, aponta como principal problema a falta de audiências públicas e transparência.
O projeto do deputado Domingos Neto (PSD-CE) invalida, justamente, o reajuste no Ceará, mas os deputados podem ampliá-lo para o resto do país. Lira garantiu que a intenção não é romper contratos, mas analisar se foram interpretados corretamente.
Nos bastidores, a proposta recebeu fortes críticas de um integrante da equipe econômica. Para ele, “o prejuízo” para a imagem do país “já está dado”. “Se em um setor regulado e tradicional fazem um negócio desses, imagine por exemplo no saneamento, que estamos brigando para transformar em um setor privado? Quem é que vai investir?”, questionou. “Convivemos com o setor elétrico privado há 30 anos. Todo mundo sabe que todo ano tem reajuste, revisão tarifária.”
De acordo com a fonte, “o prejuízo de risco de imagem para o país já está dado”. “O risco de imagem e o custo para a institucionalidade [da proposta] são muito ruins”, diz.
A fonte disse que “isso é sinal de um governo fraco”, pois em outros anos eleitorais propostas de teor semelhante eram apresentadas, mas não chegavam nem a ser pautadas. Para a fonte, dependendo de como o projeto evoluir, há risco de ser judicializado. “Se deixarem o calote com as distribuidoras, isso vai parar no Supremo Tribunal Federal em 40 segundos”, afirma.
Uma fonte da diretoria da Aneel foi no mesmo sentido. Segundo ela, o efeito poderá ser observado no comportamento de investidores nos leilões. “No Brasil, a inadimplência não está hoje na matriz de risco dos projetos”, alertou um diretor da Aneel.
Oficialmente, a agência mantém um tom de cautela. Por meio de sua assessoria, o órgão informou que “está disponível para prestar todos os esclarecimentos necessários sobre os processos de cálculo dos reajustes tarifários”.
Ontem, o diretor da Aneel Sandoval Feitosa, que assumirá o cargo de diretor-geral, chegou a dizer que trata-se de uma “iniciativa é nobre”, que a agência veria “com bons olhos a discussão”. Mas reforçou a necessidade de “buscar caminhos mais pautados no diálogo”. Ele defendeu que os procedimentos da agência já “são transparentes”.
Mais incisivo, o ministro Bento Albuquerque (Minas e Energia) saiu em defesa da agência, ao afirmar em evento que “a Aneel é uma referência entre todas as agências reguladoras do país” e até em âmbito internacional.
“Temos que respeitar aquilo que faz, efetivamente, o nosso país crescer e se desenvolver, que são segurança jurídica e regulatória, previsibilidade e governança. Isso, nós construímos e temos que preservar. (Colaborou Fabio Couto, do Rio)
Fonte: Valor Econômico

