Por Maria Luíza Filgueiras* — De Miami (EUA)
02/05/2024 05h03 Atualizado há 5 horas
O economista Frank Rybinski, chefe de estratégia macro da Aegon Asset Management, gestora internacional com cerca de € 340 bilhões, já tinha avisado aos pares e clientes que não vinha corte de juros nesta reunião do Fomc (Comitê de Mercado Aberto) do Federal Reserve (Fed, banco central americano). Ontem, a decisão do comitê foi manter a taxa, pela sexta vez seguida, com um tom ainda mais sóbrio sobre a resistência inflacionária e o avanço pequeno no primeiro trimestre, insuficiente para dar confiança à autoridade para mexer na taxa.
Mas Rybinski também não está na turma mais pessimista que vê possibilidade de alta de juros nos Estados Unidos no médio prazo, como alardeia Jamie Dimon, o presidente do J.P. Morgan. Apesar de um cenário de maior resistência de preços, a Aegon projeta dois cortes na taxa americana neste ano, em setembro e em dezembro, estrategicamente não sequenciais. Atualmente, a faixa de juros americana é de 5,25% a 5,5%. Na projeção da Aegon, o topo da faixa cai a 5% na virada do ano e a 4% no fim de 2025.
“Por um tempo, vimos esse cenário perfeito que indicava os bancos centrais cortando juros em junho e agora há um desvio disso. Ainda achamos que esse é o prazo na Europa, mas nos Estados Unidos vemos o início de cortes em setembro”, disse Rybinsk, em entrevista concedida antes da decisão do Fed. “Cortes sequenciais representariam o Fed respondendo a um problema de crescimento, ao risco de recessão, mas o Fed está numa posição vantajosa porque o crescimento segue se segurando e a inflação caindo, então ele pode esperar mais algumas reuniões. Cortes trimestrais são a normalização do processo.”
Rybinsk faz uma analogia da jornada desinflacionária com um show da Broadway. “É uma peça de três atos. O ato um foram as commodities, o ato dois são os bens de consumo, ambos desaceleraram. O terceiro ato são os serviços, e é este que está segurando o Fed. Quando olhamos o CPI ou o PCE, é onde a inflação está.”
“O Federal Reserve está numa posição vantajosa e pode esperar mais algumas reuniões” — Frank Rybinski
Ele prefere tomar como referência para análise mais acurada o PCE (Índice de Preços para Despesas com Consumo Pessoal) do que o CPI (Índice de Preços ao Consumidor), assim como o Livro Bege. “Ele tem contado uma história muito mais clara de desinflação do que o CPI conta. Quando olhamos as evidências, acho que há um ‘overshoot’ na expectativa de inflação. Ainda há muito dado para acompanhar e o Fed ter sinal verde em setembro.” Se a resistência de preços for maior, por conta de serviços ou mesmo bens de consumo, o Fed pode manejar para um corte ou nenhum neste ano – o impacto disso para o restante do mundo seria, no mínimo, “desconfortável”. Mas um cenário desses indicaria que muita coisa saiu do curso.
O economista faz referência aos ajustes de projeções globais feitas pelo FMI, no último mês, que apontam o peso do descontrole fiscal na taxa de juros americana. “A ironia é que o gasto do governo é um dos motivos para a inflação estar alta. O FMI diz que 50 pontos base do núcleo de inflação são esses gastos. Ou seja, os políticos querem que as taxas caiam, mas gastam mantendo-as altas.”
Mas aumentar juros seria uma guinada extrema que o economista não vê no cardápio do Fed. “As taxas reais estão tendo o efeito desejado. Se observarmos os gastos de capital nos EUA, e especificamente o Capex de crescimento, P&D e equipamentos, têm se mantido estáveis ou em baixa nos últimos cinco trimestres. Basicamente não houve gastos, as empresas não estão investindo”, diz. “Os empréstimos líquidos das empresas diminuíram, as empresas não estão tomando dinheiro. Podemos passar alguns trimestres sem que isso atinja o crescimento, o PIB, mas eventualmente, quando se começa a esvaziar o estoque de capital de um país, isso vai prejudicar sua produtividade”, complementa. “Quando não há tomada de crédito, ou ela é muito lenta e só vem do lado do consumidor, isso é desinflacionário. Todas essas coisas teriam que mudar para falar em alta de juros.”
Em coletiva ontem, o presidente do Fed, Jerome Powell, disse que considera a política monetária atual restritiva o suficiente e que é improvável que o próximo movimento do Fed seja subir juros.
*A repórter viajou a convite da Aegon
Fonte: Valor Econômico

