Por Roberto Lameirinhas — De São Paulo
25/07/2023 05h02 Atualizado há 4 horas
O pacote cambial e fiscal que a Argentina pôs em vigor ontem foi considerado por analistas como “conjunturais” e “insuficientes” para repor reservas e estabilizar a economia de forma sustentada, mas devem permitir a conclusão a revisão do acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Os termos finais com o Fundo deve ser formalizado entre amanhã e quinta-feira, segundo fontes do mercado e do governo.
As medidas eram esperadas desde a sexta-feira, mas o anúncio oficial foi feito na noite de domingo, pelo ministro da Economia e candidato do governo nas eleições presidenciais, Sergio Massa.
Em Washington, um porta-voz do FMI saudou o pacote, segundo a mídia argentina. “Acreditamos que as providências adotadas pelas autoridades argentinas são positivas para fortalecer as reservas e consolidar a trajetória da ordem fiscal, fundamentais para fortalecer a estabilidade econômica.”
Visto como uma “desvalorização parcial” do peso, o pacote era uma condição para destravar as negociações com o FMI e abrir caminho para a antecipação de desembolsos que evitem um default até a posse do novo governo, em dezembro.
“As medidas não vão corrigir os problemas macroeconômicos da Argentina. Os efeitos serão mais fiscais do que cambiais, na medida em que vão reduzir um pouco a sangria das reservas mais pelo efeito negativo sobre a atividade econômica e as exportações, o que deve resultar numa desaceleração da inflação, obviamente”, disse o economista Gabriel Caamaño, sócio-gerente da Consultoria Ledesma, de Buenos Aires.
O pacote introduz um imposto de 7,5% sobre algumas importações de bens e um imposto de 25% sobre as importações da maioria dos serviços e estabelece uma cotação preferencial de 340 pesos por dólar para que exportadores de milho possam liquidar as vendas – uma taxa mais atrativa do que a oficial, em torno de 268 pesos.
Massa também anunciou ontem que nenhum governo regional pagará mais pelas “retenciones” – as taxas cobradas sobre a receita bruta das exportações recolhidas pelo Estado argentino que reduz a rentabilidade dos produtores – a partir de 1º de setembro.
“O pacote não deve reduzir os preços de forma estruturada. Ele deve ser visto como medidas isoladas sob este contexto de negociações com o FMI”, prosseguiu Caamaño. “Uma negociação que está paralisada há dois meses e tem sido muito complicada porque a Argentina não havia cumprido a maior parte das metas do acordo de março de 2022 com o FMI, atrasou pagamentos e precisava sair desse limbo em que estava com o staff do Fundo”, afirma.
A revisão do acordo com o FMI – que rolou uma dívida de US$ 44,5 bilhões da Argentina com a instituição – deve destravar o desembolso de US$ 4 bilhões que está atrasado há quase dois meses. Para setembro, está previsto um novo desembolso de US$ 3,5 bilhões e, até dezembro, cerca de US$ 3 bilhões serão desembolsados.
Esse montante deve aliviar o déficit das reservas internacionais líquidas do banco central, estimadas hoje em US$ 6 bilhões. Além disso, o país convive com uma inflação que chegou, em julho, a 115,6% ao ano.
“Estamos ainda avaliando como reage o mercado ao pacote do governo, mas até agora os sinais são poucos positivos”, disse Sergio Berensztein, analista da consultoria que leva seu nome. “Em princípio o dólar paralelo (blue) continua subindo em um ritmo bastante forte, mas há sinais de algum tipo de entendimento, ainda não não seja o entendimento ideal, com o fundo, e em princípio isso deve ao menos evitar um desenrolar traumático, como um default”, afirmou.
A desvalorização da moeda levou ontem à cotação do paralelo a fechar em 552 pesos por dólar – um recorde. O spread entre a taxa paralela e a oficial ficou em 103,69%. Por outro lado, o risco menor de um default elevou o valor nominal dos títulos da dívida argentina negociados no exterior. Papéis com vencimento em 2035 se valorizaram 2,6%.
“O pacote não traz soluções de longo prazo porque não se trata de um plano de estabilização”, disse Berensztein. “Simplesmente são medidas para evitar que a situação piore no contexto político e em relação ao Fundo”, afirmou.
“Há dúvidas sobre se as medidas serão sentidas no bolso das pessoas até as eleições primárias de 14 de agosto. Mas acho que o melhor que o governo pode aspirar neste momento é evitar um avanço descontrolado da inflação”, analisa Nicolás Alonzo, economista da Orlando J. Ferrerés & Asociados. “Um acordo com o FMI é o melhor a que ele pode aspirar agora”, disse.
Fonte: Valor Econômico

