A executiva que comanda a área de gestão de fortunas do Citi foi considerada no ano passado uma das cem mulheres mais influentes do mundo financeiro dos Estados Unidos e uma das dez mais importantes no segmento de “wealth management” pela revista “Barron’s”, da Dow Jones. Não é para menos: a divisão que Liu chefia atende um terço dos bilionários do mundo.
“Trabalhamos com clientes que possuem patrimônio líquido superior a US$ 25 milhões, mas o patrimônio líquido médio de clientes novos que têm entrado no private do Citi está em torno de US$ 450 milhões”, conta a executiva. No Brasil, um foco específico será nas famílias do segmento “ultra high”. Na visão da executiva, esse perfil tende a se beneficiar mais da característica global do banco, que alcança 162 países e jurisdições, com presença em 96 mercados no globo.
Segundo Liu, apesar de o cenário base do banco ser de pouso suave para a economia americana diante do aperto monetário do Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA), especialistas da área já aconselham os investidores a proteger suas carteiras contra uma potencial recessão. Veja a seguir os principais trechos da entrevista.
Valor: Qual o perfil dos clientes do private do Citi?
Ida Liu: Somos o banco privado mais global do mundo. Atualmente, no private, estamos em 20 países com escritório em 62 cidades ao redor do mundo. Trabalhamos com alguns dos clientes mais globais do mundo, suas famílias e suas empresas. Por isso, oferecemos uma oferta global e institucional para nossos clientes, seja na gestão de patrimônio das famílias, seja na assessoria para suas empresas, através de nosso banco de investimento e comercial, parceiros do private que também trazemos para a mesa com frequência. Os clientes que atendemos hoje são de ‘ultra high net worth’ [patrimônio líquido ultra alto]. Trabalhamos com clientes que possuem patrimônio líquido superior a US$ 25 milhões. Mas o patrimônio líquido médio de nossos novos clientes que têm entrado no private está em torno de US$ 450 milhões. Nossos clientes [pessoa física] são quase como instituições, não só nos investimentos que oferecemos, mas também no escopo global das coisas que precisam para os familiares e para suas empresas.
Valor: E os planos para o Brasil?
Liu: Estamos no Brasil há 107 anos, mais da metade da nossa existência. E estamos muito comprometidos com o crescimento de nossos negócios no Brasil. O objetivo é dobrar nossos negócios no private no Brasil nos próximos cinco anos. Para nós, o Brasil é um dos dez mercados-chave nos quais estamos focados para crescimento global do private. Quero dizer é um top 10 do mercado de patrimônio líquido ultra alto.
Valor: O Citi tem aconselhado os clientes a se prepararem para uma eventual recessão?
Liu: Estamos esperando ainda um pouso suave [da economia americana]. Mesmo com o recente aumento da taxa [do Fed] de 75 pontos base, estamos ainda com números de emprego muito fortes e esperamos que seja um pouso muito mais suave. Nossos economistas projetam 45% de probabilidade de recessão neste momento para o início do próximo ano. Ou seja, por enquanto, é menos da metade de chance. Apesar disso, estamos tomando medidas muito proativas dentro das carteiras de nossos clientes globalmente, para garantir que estamos nos ajustando adequadamente para antecipar futuros altos e baixos e outros cenários, como uma recessão. É definitivamente um cenário de incertezas, muito difícil de prever.
Valor: Há interesse de clientes globais pela renda fixa brasileira?
Liu: Sim, com certeza existem instrumentos de renda fixa indexados à inflação que estamos olhando para nossos clientes, que apresentam liquidez e algo como 6% de ‘yield’ [rendimento real] ao ano, por exemplo. Mas o que eu acho mais importante notar é que nossos clientes brasileiros estão nos procurando em busca de diversificação, porque têm muita concentração de ativos no Brasil, mas muitos de seus negócios são globais. Além disso, membros da família estão vivendo em todo o mundo. Portanto, procuram aconselhamento e orientação sobre diversificação global e quais ativos devem manter. E, como mencionei, uma das maiores propostas de valor que trazemos para a mesa é nossa capacidade de ajudar a construir portfólios globais, com várias geografias no mundo para se proteger de riscos locais. Você não quer todos os ovos em uma cesta, ou seja, em um só país ou área. O cliente quer exposição ao redor do mundo para construir um portfólio diversificado e duradouro.
Valor: A renda fixa está voltando aos portfólios globais?
Liu: Estamos bastante otimistas em renda fixa, principalmente nos EUA, quando olhamos para as taxas reais de retorno em alguns ativos de renda fixa de alta qualidade. Por exemplo, títulos [de dívida] com grau de investimento, prazo intermediário, de cinco a seis anos, já estão oferecendo rendimento equivalente tributável de cerca de 7% [ao ano]. E isso é significativo. Não vemos números como esses [nos EUA] há muito tempo.
Valor: Quais são as maiores preocupações dos clientes do private no momento?
Liu: São definitivamente os três R’s: ‘rates’ [juros], recessão e Rússia. E estamos tentando ajudar nossos clientes a navegar por tudo isso. E, no caso de um deles, essa possível recessão nos Estados Unidos, há algumas coisas que temos feito para as carteiras de clientes de forma muito proativa. O investidor nos EUA está efetivamente perdendo dinheiro se ficar com dinheiro parado. Porque a inflação está em máximas de 40 anos se aproximando de 9% ao ano. E simplesmente não temos as taxas de juros favoráveis que vocês têm no Brasil. O custo de estar com dinheiro parado é, na verdade, queimar dinheiro, com uma taxa real negativa [quando se desconta a inflação]. Por isso, temos colocado dinheiro para trabalhar em renda fixa nos EUA, como títulos municipais nos Estados Unidos, que estão rendendo cerca de 7% ao ano, na parcela mais líquida do portfólio. Além disso, outras áreas que gostamos muito são indústrias defensivas, como saúde, porque em um ciclo recessivo, é importante adicionar algumas indústrias defensivas às carteiras. Estamos muito focados em fazer mudanças estratégicas e táticas nos portfólios, adicionando segmentos como assistência médica, medicamentos e telemedicina. Gostamos do setor, não apenas pelos altos fluxos de caixa, mas pela capacidade de resistir a ambientes recessivos.
Valor: Qual sua visão sobre criptoativos?
Liu: Todos podem ver o quão volátil é o mercado de criptomoedas. E somos fiduciários [orientados a buscar o melhor resultado para o cliente], então somos gestores de risco e estamos aqui para tomar decisões de investimento prudentes, que resistirão aos ciclos de mercado. E a criptomoeda não é regulamentada. É um mercado opaco. Não temos informações sobre correlações de retorno e outros dados. Portanto, como consultores fiduciários, não estamos aconselhando nem fornecendo criptoativos para nossos clientes. No entanto, se nossos clientes querem [alocar em criptoativos], nós fazemos a análise e trabalhamos com eles para garantir que entendam o tamanho certo de uma aposta como cripto. Pode ser visto com algo tático, mas certamente não seria um foco central.
Fonte: Valor Econômico
