Por Lu Aiko Otta e Edna Simão — De Brasília
21/09/2022 05h01 Atualizado há 4 horas
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Os cortes drásticos em verbas para ações sociais, como o Casa Verde e Amarela, Infraestrutura para Educação Básica, Educação de Jovens e Adultos, Caminho da Escola e Farmácia Popular na proposta do Orçamento federal para 2023 são a ponta visível de uma batalha silenciosa travada nos bastidores do poder.
De um lado, deputados e senadores vão dispor de volume inédito de recursos para direcionar para suas bases eleitorais: R$ 38 bilhões, dos quais R$ 19 bilhões para as emendas de relator, também conhecidas como “orçamento secreto”. De outro, o governo quer que eles assumam a responsabilidade pela consequência do crescimento do volume para emendas num Orçamento magro: algumas políticas públicas ficarão à míngua.
Num dos pontos de maior tensão, a equipe econômica direcionou previamente R$ 3,5 bilhões em recursos reservados às emendas de relator para o Ministério da Economia, como “contribuição” do Congresso para reajustar salários no serviço público. Parlamentares poderão discordar e usar o dinheiro de outro modo – com risco de ser cobrados pelos servidores.
Segundo um técnico da área econômica, várias ações de governo foram deixadas com previsão de recurso mínima, apenas para constar do Orçamento. Porém, a expectativa é que tenham suas dotações complementadas por meio de emendas de parlamentares.
Estudo elaborado em conjunto pelas consultorias de orçamento da Câmara e do Senado mostra que, no Ministério da Educação (MEC), algumas ações de governo tiveram cortes superiores a 90%, na comparação com 2022, e ficaram com previsões mínimas.
É o caso, por exemplo, da ação “Apoio ao Funcionamento das Instituições Federais de Educação Superior”, que tem dotação prevista de R$ 1 milhão, 97,4% a menos que neste ano. A ação “Apoio à Infraestrutura para a Educação Básica” sofreu redução de 97,1%, ficando com R$ 3,5 milhões. O “Caminho da Escola”, de compra de veículos para transportar estudantes do ensino básico, ficou 95,8% menor, com dotação de R$ 425 mil.
Lucas Hoogerbrugge, líder de Relações Governamentais da organização Todos pela Educação, chama a atenção para cortes em outras duas ações. O “Apoio ao Desenvolvimento da Educação Básica” (recursos para o ensino médio em tempo integral) sofreu redução de 95,6%, para R$ 664,6 milhões.
Outra ação destacada é a educação de jovens e adultos. A ação chamada “Apoio à alfabetização, à elevação da escolaridade e à integração à qualificação profissional na educação de jovens e adultos” sofreu corte de 94,6%, passando de R$ 12,9 milhões para R$ 692 mil.
Por outro lado, houve salto de 140,5% nas reservas de contingência, que passaram de R$ 1,9 bilhão em 2022 para R$ 4,6 bilhões. São, em tese, recursos para atender emergências. É nesse item que o dinheiro para as emendas foi colocado para ser manobrado.
“Reservar esses recursos para emendas agrava a rigidez do Orçamento”, disse a diretora da Instituição Fiscal Independente (IIF), Vilma Pinto.
Não há, porém, garantia que deputados e senadores enviarão recursos para reforçar os programas mais importantes. Até porque, explicou Hoogerbrugge, as emendas de parlamentares ao Orçamento servem para fortalecer sua representação junto à base eleitoral, por isso não são pautadas, necessariamente, por critérios técnicos.
Esse risco é reconhecido pela equipe econômica. “Se os parlamentares não destinarem os recursos para as áreas teoricamente ‘sugeridas’ pelo governo, terão que explicar os motivos”, disse um integrante dela. O custo político, reconheceu, vai sempre recair sobre o Ministério da Economia. “Mas queremos distribuir um pouco disso.”
Para Daniel Couri, diretor-executivo da IIF, a escolha do Congresso pelas emendas é um processo que começou em 2014 e se intensificou em 2020 com as emendas de relator. Ele lembra também que, diante da resistência em cortar despesas obrigatórias, o custo recai sobre os gastos discricionários, onde estão alguns programas da saúde e da educação. “É uma escolha política consciente.”
Ele alerta ainda que o Projeto de Lei Orçamentária (Ploa) não é muito parâmetro para o que vai acontecer no ano que vem, pois os dois principais candidatos (Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro) querem rever o teto de gastos. “Ou seja, o espaço fiscal de 2023 pode ser maior do que imaginamos hoje.”
No pior dos cenários, o que pode acontecer no ano que vem é os parlamentares reduzirem estimativas de despesas obrigatórias, como aposentadorias e pensões, para terem espaço para fazer novos gastos. Foi o que ocorreu em 2021.
O temor da equipe econômica é que essa mesma estratégia seja adotada agora. A discussão mais detalhada sobre o Orçamento – como envio de PEC para garantir Auxílio Brasil de R$ 600 no ano que vem e de emenda modificativa para alteração do Orçamento – vai acontecer após as eleições.
O Ministério da Educação foi procurado, mas não respondeu até a conclusão desta edição.
Fonte: Valor Econômico

