Por Bloomberg
23/05/2023 16h19 Atualizado há 18 horas
Especialistas de crédito enviam alertas há meses: uma onda iminente de inadimplência corporativa vai acabar com a calma no mercados acionário. E, ainda assim, as bolsas dos EUA atingiram máximas vistas pela última vez em agosto.
As chamadas “Cassandras” do mercado de crédito apontam para as crescentes ameaças. Os repetidos processos de recuperação judicial aumentam no ritmo mais rápido desde a crise financeira, os custos de financiamento continuam subindo e as condições para empréstimos bancários estão mais apertadas.
Os spreads das dívidas de empresas de maior risco terão de aumentar à medida que a economia se desacelera, de acordo com muitos veteranos de Wall Street. Isso sacudiria os mercados acionários que fecham os olhos para os perigosos encargos do crédito, dizem. Uma forte relação entre o aumento dos rendimentos dos chamados “junk bonds” e a volatilidade dos mercados acionários tem se mostrado evidente há anos.
“Os mercados parecem excessivamente otimistas sobre o cenário”, diz Matthew Forester, diretor de investimentos da Lockwood Advisors, do BNY Mellon Pershing. “Não acreditamos que os spreads de crédito atuais, especialmente em créditos de grau inferior, estejam compensando os riscos cíclicos, políticos e geopolíticos. Os spreads de alto rendimento precisam se mover materialmente para cima.”
Por enquanto, tanto as ações quanto o crédito parecem imperturbáveis diante do estresse que, no entanto, chamou a atenção de Jerome Powell, presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA). Estrategistas do Citigroup escreveram esta semana sobre uma nova tendência altista para o S&P 500, e um acordo político sobre o teto da dívida dos EUA pode reforçar isso.
Os spreads corporativos médios de grau especulativo — o rendimento que esses títulos oferecem acima dos equivalentes de grau de investimento — são inferiores a 500 pontos-base. Esse nível está muito longe de precificar uma recessão ou crise de crédito.
Mas se os spreads começarem a subir sob um dilúvio de recuperações judiciais de empresas, isso pode ser um ponto de inflexão para o mercado acionário, com base na correlação histórica entre a volatilidade das ações e os spreads de alto rendimento. Ações de companhias menores e altamente endividadas sofreriam o impacto.
Spreads maiores parecem cada vez mais prováveis. No caso de uma recessão nos EUA em 12 meses — cujas chances são estimadas em 65% — os spreads podem subir para pelo menos 1 mil pontos-base no mercado de títulos de alto rendimento, de acordo com Marty Fridson, da Lehmann Livian Fridson Advisors, segundo a qual já deveriam estar em 750 pontos-base para refletir o aperto do crédito. Os modelos criados pelo Société Générale também sugerem que isso poderia trazer muito mais volatilidade aos preços das ações.
Os temores no mercado de crédito pelo menos trazem maior discernimento entre investidores de renda variável, mesmo com os ganhos dos índices acionários neste trimestre em ambos os lados do Atlântico. Gestores de fundos estão mais atentos aos fundamentos das empresas, favorecendo aquelas com balanços sólidos. Quanto mais instáveis as finanças de uma companhia, pior o desempenho de suas ações, mostram dados compilados pela Bloomberg.
Essa disparidade entre os que têm e os que não têm tende a se tornar mais acentuada à medida que a economia pise no freio, diz Andrew Lapthorne, chefe de pesquisa quantitativa do SocGen. “Em última análise, a narrativa do balanço se torna mais importante quando os lucros estão em queda durante uma recessão e ainda não chegamos lá”, disse. “Existem as fases finais – recessão – quando os mercados vendem ou reagem a algo e as ações com os balanços mais fracos são esmagadas.”
Ações de empresas de crescimento especulativo que proliferaram durante a era do dinheiro fácil estarão entre as mais vulneráveis a essa mudança rumo à segurança em primeiro lugar. Empresas de tecnologia que não dão lucro – cujas ações subiram mais de 300% nos dois anos até o pico de fevereiro de 2021, de acordo com um índice do Goldman Sachs – parecem expostas.
“A desaceleração do crescimento econômico exige foco em companhias de qualidade – aquelas definidas por altas margens de lucro, baixos níveis de endividamento, elevados rendimentos de fluxo de caixa livre e retorno sobre o capital”, diz Helen Jewell, vice-diretora de investimentos para EMEA (Europa, Oriente Médio e África) da BlackRock Fundamental Equities. “São esses fundamentos subjacentes que têm sido os principais determinantes dos retornos das ações historicamente.”
Fonte: Valor Econômico

