Por Gillian Tett — Financial Times
06/05/2022 05h05 Atualizado há 4 horas
Esta semana, os olhares dos financistas se fixaram com firmeza no Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos). O que não é nada surpreendente. Na quarta-feira, a autoridade monetária elevou as taxas de juro no ritmo mais agressivo dos últimos 22 anos, ao mesmo tempo que seu presidente, Jerome Powell, finalmente reconheceu o óbvio: a inflação está “alta demais”.
Mas enquanto os investidores analisam as palavras de Powell, eles deveriam lembrar também de um banco central do outro lado do mundo: o Reserve Bank da Nova Zelândia (RBNZ).
Nos últimos anos, esse peixe pequeno frequentemente tem sido um precursor insólito de tendências mundiais maiores. No fim do século 20, por exemplo, o RBNZ foi pioneiro em definir metas de inflação. Mais recentemente, adotou os relatórios sobre mudanças climáticas na frente da maioria de seus pares.
No ano passado, o banco começou a apertar a política monetária antes da maioria dos seus equivalentes. E esta semana foi mais longe ainda: seu último relatório sobre estabilidade financeira alerta para um risco “razoável” de declínio “desordenado” nos preços dos imóveis residenciais à medida que a era dos subsídios e isenções fiscais se encerre.
Previsivelmente, o RBNZ também declarou que espera evitar uma crise desestabilizadora. Mas o ponto fundamental é este: os membros do banco central neozelandês sabem que têm uma bolha de ativos em mãos, já que os preços dos imóveis deram um salto de 45% nos últimos dois anos e “ainda estima-se que estejam acima dos níveis sustentáveis”. Isso é um reflexo tanto das taxas de juro ultrabaixas quanto de políticas habitacionais internas deploráveis.
E agora o RBNZ está dizendo ao público e aos políticos que essa bolha precisa ser esvaziada, esperançosamente sem percalços. Não há mais uma “opção de compra” neozelandesa – ou uma rede de segurança do banco central para evitar quedas de preços.
Como seria bom se o Fed fosse tão honesto e direto. Na quarta-feira, Powell tentou adotar um discurso um pouco mais franco, ao dizer à população americana que a inflação criou “dificuldades significativas” e as taxas de juro precisariam subir “rapidamente” para acabar com isso. Ele também manifestou uma “admiração enorme” por seu antecessor Paul Volcker, que cinco décadas atrás elevou as taxas para combater a inflação, mesmo ao custo de uma recessão.
Mas o que Powell não fez foi discutir os preços dos ativos – muito menos admitir que nos últimos tempos eles foram tão inflacionados pelo crédito barato que é provável que caiam quando a política monetária mudar.
Um purista a respeito de bancos centrais pode argumentar que essa omissão simplesmente reflete a natureza do mandato de Powell, que é de “promover o máximo de emprego e preços estáveis para a população americana”, como ele disse na quarta-feira. De qualquer forma, os indícios sobre o risco de curto prazo de uma queda dos preços dos ativos são ambivalentes.
Sim, o S&P 500 mergulhou na área de correção (quando um índice de ações cai mais de 10%) duas vezes este ano, com quedas consideráveis nas ações de tecnologia. Mas os índices americanos de ações na verdade subiram 3% na quarta-feira, depois que Powell assumiu um tom mais leniente do que o esperado ao descartar um aumento de 75 pontos base na próxima reunião do Fed.
E não há nenhum sinal de queda nos preços dos imóveis americanos neste momento. Pelo contrário, o índice Case-Shiller de preços de imóveis residenciais está 34% mais alto do que há dois anos, de acordo com os dados mais recentes (de fevereiro).
No entanto, é difícil de acreditar que Powell possa acabar com a inflação de bens e serviços ao consumidor e ao mesmo tempo manter intactos os preços dos ativos. Afinal de contas, um fator-chave para que esses preços chegassem a níveis elevados é que o balanço patrimonial de US$ 9 trilhões do Federal Reserve quase dobrou durante a pandemia da covid-19 (e aumentou nove vezes desde 2008).
E pode-se argumentar que o aspecto mais significativo da decisão de quarta-feira do Fed não é o aumento de 50 pontos base nas taxas, mas o fato de que o banco prometeu começar em junho a cortar suas participações em hipotecas e títulos do Tesouro em US$ 47,5 bilhões por mês – e acelerar para uma redução mensal de US$ 90 bilhões a partir de setembro.
De acordo com os cálculos do Bank of America, isso implica um encolhimento de US$ 3 trilhões no balanço patrimonial (em outras palavras, um aperto quantitativo) ao longo dos próximos três anos. E é altamente improvável que o impacto disso esteja embutido nos preços.
Afinal, um aperto quantitativo nessa escala nunca aconteceu antes, o que significa que nem as autoridades do Fed nem os analistas de mercado sabem realmente o que esperar. Ou como Matt King, analista do Citibank, observa: “A realidade é que o aperto ainda não começou de verdade.”
É claro que alguns economistas podem argumentar que não faz sentido o Fed explicar claramente esse risco para os preços dos ativos neste momento, já que assim poderia abalar a confiança. Isso não tornaria Powell popular com uma Casa Branca que tem pela frente uma eleição difícil, nem o ajudaria a alcançar seu objetivo declarado de um pouso econômico “suave” (ou “mais ou menos suave”), dado que o sentimento do consumidor tem oscilado nos últimos meses.
Mas o motivo pelo qual é necessário falar com franqueza é que uma dúzia de anos de relaxamento extremo da política monetária deixou muitos investidores (e famílias) viciados em subsídios e isenções e agindo como se fossem permanentes. Além disso, como nos últimos anos o Fed tem repetidamente resgatado investidores no caso de rápidas correções de preços de ativos – a última vez em 2020 -, muitos investidores partem do pressuposto de que existe uma “opção de compra” do Fed.
Por isso, se Powell quer mesmo imitar seu herói Volcker e tomar medidas duras para a saúde de longo prazo da economia, ele deveria seguir o manual neozelandês e dizer ao público e aos políticos americanos que muitos preços de ativos foram empurrados para alturas insustentáveis pelos subsídios e isenções.
Isso pode não lhe render fãs no Congresso. Mas ninguém nunca acreditou que seria fácil esvaziar uma bolha de preços de ativos de vários trilhões de dólares. E o Fed tem mais chance de fazer isso sem percalços se começar cedo e gentilmente. A recuperação de quarta-feira mostra as consequências de manter o silêncio.
Fonte: FT / Valor Econômico

