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A McKinsey é uma empresa que habita outra liga quando o assunto são consultorias estratégicas. Para se ter uma ideia, ex-funcionários da McKinsey comandam 24 das 500 companhias mais valiosas dos Estados Unidos, segundo a Altrata, uma provedora de dados; os números para a Bain e a BCG, suas duas principais rivais, são, respectivamente, sete e cinco.
Mas os anos pós-pandemia têm sido duros com a McKinsey. Mais de 5 mil demissões desde 2023, com a empresa encolhendo de 45 mil para 40 mil funcionários. No fim do ano passado, também houve um acordo com o Departamento de Justiça dos EUA para pagar US$ 650 milhões para encerrar acusações criminais relacionadas ao papel da consultoria na crise de opioides nos Estados Unidos.
Segundo a justiça americana, a McKinsey “consciente e intencionalmente” conspirou com a farmacêutica Purdue Pharma para “auxiliar e encorajar a rotulagem incorreta de medicamentos prescritos… sem receitas válidas”. Na crise dos opioides nos EUA, a consultoria trabalhou para fabricantes e distribuidores enquanto assessorava a FDA, em claro conflito de interesses.
Crises não são uma novidade para a McKinsey. A Firma, como é chamada, acumula um histórico de controvérsias globais. Na África do Sul, desde 2018 a empresa devolveu mais de US$ 260 milhões por irregularidades contratuais e participação em esquema de suborno a autoridades entre 2012 e 2016.
Na Mongólia, ignorou o alerta de corrupção do Departamento de Justiça americano e acabou proibida de atuar no país asiático.
A McKinsey há tempos é alvo de críticas de jornalistas e acadêmicos pela influência crescente e pelo envolvimento em contratos milionários durante a pandemia, como os £1 milhão diários pagos no Reino Unido para o programa de Testagem e Rastreamento da covid-19 e os €10,7 milhões recebidos do governo francês.
A dependência francesa da consultoria gerou um relatório do Senado e o escândalo “McKinsey Gate”, que ganhou destaque em 2022 ao revelar vínculos com a campanha presidencial de Emmanuel Macron e suspeitas de fraude e evasão fiscal.
A McKinsey também é citada por aconselhamento questionável, como no caso Enron, e no presídio de Rikers Island, onde manipulou dados sobre violência. Também há críticas em relação ao trabalho da empresa com governos da Árábia Saudita e China.
O jornalista investigativo Duff McDonald, em seu livro “The Firm”, de 2014, argumenta que a McKinsey se afastou muito dos padrões éticos estabelecidos por seu sócio, Marvin Bower, nos anos 1950, que criou a consultoria de gestão inspirada na profissão jurídica. O que antes era um campo dedicado a aconselhar clientes no interesse público tornou-se um negócio focado em maximizar os lucros para seus sócios.
Porém, os escândalos pareciam ter pouco efeito nos negócios da McKinsey. Seus clientes seguiam buscando os conselhos da empresa. Até recentemente, A Firma crescia em um ritmo impressionante. Sua receita no ano passado, um pouco acima de US$ 16 bilhões, foi mais do que o dobro do valor registrado em 2012.
Mas isso, começou a mudar desde o ano passado, como aponta reportagem da “Economist”, publicada na semana passada, com o título “Como a McKinsey perdeu seu diferencial”. O crescimento da receita na mais ilustre consultoria do mundo em 2024 foi de apenas 2%, segundo estimativas da Kennedy Intelligence, empresa de análise do setor.
A IA é cada vez mais capaz de realizar o trabalho feito pelos consultores, não raro em questão de minutos. Muito do trabalho dentro da McKinsey, como em qualquer consultoria, consiste em ajustar apresentações e conteúdos já usados no passado.
Outra mudança radical é que menos clientes querem contratar empresas de consultoria apenas para aconselhamento estratégico. Grandes companhias estão cada vez mais buscando consultores que ajudem a implementar novos sistemas, gerir mudanças ou adquirir novas competências. A ideia do consultor “superior” está acabando, cada vez mais o que se busca são consultores mão na massa.
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Nesse cenário, a Firma precisa reformular seu negócio. A IA agora é tema de discussão em todas as reuniões do conselho da McKinsey, disse Bob Sternfels, sócio-diretor global, ao “Wall Street Journal”, na semana passada. A tecnologia está mudando a forma como a McKinsey trabalha com clientes, como contrata e até quais projetos aceita.
O bot mais usado é o que ajuda funcionários a escrever no clássico “tom de voz McKinsey” — linguagem que a empresa define como afiada, concisa e clara. Outro agente popular verifica a lógica dos argumentos de um consultor, confirmando se o encadeamento do raciocínio faz sentido. Sternfels disse enxergar um futuro não muito distante em que a McKinsey terá um agente de IA para cada humano que empregar.
Questionada pela coluna se a IA seria a causa de sua desaceleração, a McKinsey informou por meio de sua comunicação que “segue crescendo globalmente ao combinar inteligência artificial com expertise estratégica para gerar impacto real em seus clientes”.
Afirma ainda que, “hoje, 40% dos projetos já envolvem IA, e 92% dos consultores utilizam a plataforma proprietária Lilli. No Brasil há quase 40 anos, a Firma é parceira das principais empresas do país, apoiando sua transformação com tecnologia e talento de ponta” (leia a resposta completa no fim do texto).
A McKinsey soube utilizar habilmente a chegada da internet e o temor das empresas de ficarem atrás na corrida digital nos últimos 20 anos para crescer seu negócio. Entre 2013 e 2023, a McKinsey adquiriu pelo menos 16 consultorias especializadas em tecnologia, ampliando sua capacidade de ajudar clientes não apenas com estratégias digitais, mas também no desenvolvimento de protótipos e ferramentas avançadas de análise de dados.
Para competir com a Accenture e as quatro grandes (Deloitte, PwC, EY e KPMG), usualmente mais baratas, a McKinsey teve de rever seus valores e ainda passou a atrelar honorários aos resultados dos projetos e a contratar menos generalistas e mais especialistas técnicos e executivos experientes.
Um ex-executivo sênior da McKinsey explicou à “Economist” que o problema é que a BCG fez praticamente a mesma coisa, mas de maneira mais eficiente. A concorrente mais próxima tem sido mais hábil em alocar e reter especialistas. Talvez não seja surpreendente que uma organização de “pessoas superiores” tenha enfrentado dificuldades nesse ponto.
Mas os números não deixam dúvidas: em 2012, a receita da McKinsey era mais que o dobro da BCG; em 2024, era apenas um quinto maior. A receita do BCG cresceu 10% em 2024, cinco vezes mais rápido que a da McKinsey (a Bain, a menor das três, cresceu em ritmo semelhante ao do BCG).
Meses atrás, o BCG enfrentou críticas por seu trabalho em Gaza. Consultores da companhia teriam incluído a modelagem do custo de realocar palestinos da região devastada pela guerra. O BCG demitiu os dois sócios responsáveis e repudiou o trabalho, afirmando que ele não foi autorizado.
A Bain & Company e o BCG, também se envolveram em escândalos de corrupção nos últimos anos. Em 2022, ambas foram proibidas de disputar contratos do governo sul-africano por participação em um caso no país. O BCG também admitiu suborno em Angola, devolvendo US$ 14 milhões.
O risco é que, a exemplo da McKinsey, ao endurecer seus controles internos para evitar novos escândalos, o BCG possa desacelerar seu crescimento. Mas, caso isso não se confirme, o BCG deve se tornar o líder em receita entre as três principais empresas de estratégia até 2027.
Ao usar uma consultoria, CEOs e executivos podem implementar decisões difíceis sem “sujar as mãos”, justificando a decisão como recomendação dos consultores. Essa fuga da responsabilidade é poderosa e explica grande parte do sucesso da McKinsey. Se a McKinsey, uma empresa que produz tantos CEOs disse, não deve estar equivocada.
Porém, com a IA se tornando cada vez mais flexível e eficiente, também será cada vez mais fácil dizer que um algoritmo tomou a decisão. O risco para a McKinsey é seguir o mesmo caminho da mídia tradicional, que mesmo sendo mais eficiente que o Google e a Meta na publicidade em diversos momentos, perde para a narrativa de que os nativos digitais são mais eficientes por sua própria natureza.
Então, o maior risco para a McKinsey são novos concorrentes com origem no setor de software e IA. Um exemplo é a Palantir, fundada por Peter Thiel em 2003 e listada em 2020, a Palantir tem ampliado seu alcance além do governo, tornando-se “parceira indispensável” de empresas na revolução da IA.
Em 2025, fechou contratos importantes, como US$ 30 milhões com o ICE (Imigração e Alfândega americana) e um acordo com o Exército dos EUA para serviços de até US$ 10 bilhões na próxima década. No 2º trimestre, as vendas para o governo americano cresceram 53%, para US$ 426 milhões, representando mais de 42% de sua receita trimestral recorde de cerca de US$ 1 bilhão.
As ações da Palantir Technologies subiram quase 9% nesta semana após a empresa elevar pela segunda vez no ano sua previsão de receita anual, impulsionada pela forte demanda por serviços de IA de governos e empresas.
O aumento nos contratos militares e a alta nos gastos de defesa dos EUA ajudaram a dobrar o valor das ações em 2025, tornando a Palantir a melhor performance do índice S&P 500 e acumulando alta de mais de 600% nos últimos três anos. Analistas da Wedbush projetam que a companhia poderá atingir US$ 1 trilhão em valor de mercado nos próximos anos, frente aos atuais US$ 379 bilhões.
Ironicamente, uma das principais críticas à Palantir é que ela seria mais uma consultoria “gourmetizada” do que propriamente uma empresa de tecnologia, o que não justificaria seu atual valor de mercado de mais de 70 vezes a receita projetada para os próximos 12 meses, segundo a LSEG.
A Palantir não é um caso isolado. A OpenAI, criadora do ChatGPT, também tem oferecido serviços de consultoria para grandes clientes.
A IA fará os próximos 100 anos da McKinsey serem ainda mais desafiadores do que o último século, no qual ela inventou o modelo de consultoria estratégica como conhecemos. A boa notícia para a McKinsey é que, se conseguir superar seus concorrentes nativos digitais, os sócios terão nas mãos ótimas “client impact stories” para adicionar a seus templates.
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Fonte: Valor Econômico