2 Aug 2023 JENNE ANDRADE
“Não é uma preocupação (um heterodoxo no comando do BC), mas uma racional incerteza sobre se essa mudança de regime vai gerar também uma mudança substancial no manejo da política monetária”
Ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central, Tony Volpon acredita que um corte de 0,5 ponto porcentual da Selic seria o melhor resultado para a reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC que termina hoje. Segundo ele, isso poderia ser anunciado sem risco de a economia “sofrer consequência negativa”. “Acredito que deveria ser de 0,50 ponto porcentual em função dos dados positivos na economia brasileira e também dos bons indicadores de inflação no Estados Unidos”, disse ele, ao E-Investidor.
Volpon afirmou ainda que a atual reunião será importante para entender a visão de Gabriel Galípolo, que deixou a secretaria executiva do Ministério da Fazenda para ser diretor de Política Monetária do BC. Visto como “heterodoxo”, mais favorável a aumento de gastos, o economista está cotado para assumir a presidência do BC no lugar de Roberto Campos Neto, cujo mandato acaba no fim de 2024. “Nunca vimos os heterodoxos tomando conta do BC, não sabemos muito bem quais vão ser os seus comportamentos”, afirmou Volpon. “Não é uma preocupação, mas uma racional incerteza sobre se essa mudança de regime vai gerar também uma mudança substancial no manejo da política monetária.”
O que está em jogo na reunião do Copom?
Sabemos que há uma ala mais conservadora para advogar um corte com mais “parcimônia”, de 0,25 ponto porcentual. Só que nessa reunião teremos dois novos membros na diretoria (Gabriel Galípolo e Ailton Aquino), que provavelmente vão argumentar em defesa de um corte de 0,50 ponto. No final, o fiel da balança será o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Ele sempre fala que o voto dele é apenas ‘1 em 9’, mas é uma função tradicional do presidente tentar formar consenso nas reuniões do Copom. E ele normalmente carrega vários votos das diretorias mais técnicas.
Qual deveria ser a magnitude do corte?
Acredito que deveria ser 0,50 ponto porcentual em função dos dados positivos na economia brasileira e também dos bons indicadores de inflação no Estados Unidos. O Federal Reserve (Fed, banco central americano), por exemplo, indicou na semana passada que essa elevação de julho pode ter sido a última na taxa de juros americana. O Fed mais ameno abre portas para o BC fazer um corte de 0,50 ponto sem sofrer nenhuma possível consequência negativa, como um impacto ruim na moeda.
E qual será a Selic no fim desse novo ciclo de baixa?
Se não houver um choque externo ou doméstico, provavelmente haverá espaço para a taxa de juros ficar abaixo da neutra, em 7% ou 6% no final do ciclo. Isto porque a economia brasileira, hoje, é quase ‘dual’. Temos um setor externo de commodities que está bombando e uma balança comercial atingindo novos recordes. Isso está tendo um impacto muito positivo sobre as contas externas e levando a uma tendência de valorização do câmbio. Do outro lado, temos uma economia industrial de serviços “patinando” em função da alta de juros, já que ainda estamos com uma política monetária bastante restritiva. E também tem a queda do impulso do crédito – desde o evento Americanas, o crédito não colapsou, mas não tem sido algo muito robusto em termos de impulsionar a demanda.
Essa perspectiva é diferente do consenso do Focus, de mais de 8%. Por quê?
É preciso entender qual é a taxa neutra (que não estimula nem desestimula a economia)e se ficaremos acima ou potencialmente abaixo dela. O Banco Central, recentemente, tem argumentado que a taxa real neutra está ao redor de 4,5%. Depois, temos de adicionar o que seria a inflação média do período. Quando se faz esse tipo de raciocínio, você coloca o valor da meta de inflação. Então, seria 4,5% (taxa de juro neutra) mais 3% (meta de inflação), ou seja, 7,5% (Selic final). Só que eu acho que, com a vinda do Galípolo e sua provável ascendência à presidência do BC no final do ano que vem, o mercado vai colocar um certo prêmio nessa expectativa da taxa de inflação de longo prazo, exatamente porque ele vem de uma escola mais heterodoxa. E nunca vimos alguém de uma escola heterodoxa ser presidente do Banco Central. Por isso, o mercado vai seguir a ideia de que Galípolo deve aceitar trabalhar com a inflação na banda superior da meta. Essa é a minha explicação do porquê as expectativas de longo prazo no Boletim Focus estão estacionadas em 3,5%, mesmo com a meta em 3%. Então, 4,5% (juro neutro) mais 3,5% (banda superior da inflação) e mais algum prêmio resulta em uma Selic de 8% a 9%.
O mercado tem razão em se preocupar com Galípolo eventualmente no comando do BC?
Nunca vimos os heterodoxos tomando conta do BC, não sabemos muito bem quais vão ser os seus comportamentos. Não é uma preocupação, mas uma racional incerteza sobre se essa mudança de regime vai gerar também uma mudança substancial no manejo da política monetária. Essa reunião do Copom vai fazer parte do nosso aprendizado sobre Galípolo. Veremos na reunião o que ele vai advogar, começaremos a ter noção do raciocínio dele: que ele vai defender um corte de 0,50 ponto, ninguém tem dúvida. O importante é como ele vai explicar essa decisão. Vale lembrar que Galípolo virá com outras pessoas também. Outros diretores serão nomeados até a ascendência dele à presidência, provavelmente alinhados com o pensamento dele. Teremos uma mudança de regime no BC, vai sair um ‘montão’ de ortodoxos e vai entrar um ‘montão’ de heterodoxos.
Tendo em vista esse contexto, qual sua perspectiva para a Bolsa?
No Brasil, é muito difícil para a Bolsa concorrer com juros reais muito grandes, que também danificam as finanças das empresas. Então, a queda de juros tem efeito muito positivo. Se eu estiver certo, e a gente rumar para juros de 6% ou 7%, isso vai ajudar o financiamento das empresas, melhorar os resultados, aumentar o lucro e retirar essa concorrência ferrenha com a renda fixa. Meu cenário é de que a alta da Bolsa deva continuar ao longo desse período de queda da Selic, assim como a alta do real e a consequente queda do dólar. Primeiro, porque o ciclo de alta de juros dos Estados Unidos está se encerrando. Segundo, porque nessa perspectiva a nossa Bolsa deve atrair capital estrangeiro. •
Fonte: O Estado de S. Paulo

