A China lançou ontem uma série de medidas para combater uma prolongada recessão em seu mercado imobiliário. Porém, economistas alertam que as medidas ainda são insuficientes para estimular a retomada do crescimento.
Em uma rara entrevista coletiva, o presidente do Banco do Povo da China (o banco central chinês), Pan Gongsheng, disse que a instituição reduzirá a taxa de compulsório bancário em 0,5 ponto porcentual “no curto prazo”. Também anunciou uma redução nas taxas de juros de suas linhas de financiamento para bancos comerciais, no valor da entrada mínima para certas compras de imóveis e prometeu outras medidas para reanimar a economia em desaceleração e revitalizar o mercado de ações estagnado. O pacote amplo sinaliza a crescente inquietação em Pequim com a série de fracos dados sobre emprego, consumo e inflação.
O anúncio deu impulso às ações, especialmente para incorporadores imobiliários. O índice Hang Seng, de Hong Kong, fechou em alta de 4,1%, enquanto o índice Shanghai Composite subiu 4,2%.
Economistas disseram que, embora o apoio seja bem-vindo, não será suficiente para tirar a economia chinesa de uma situação de baixo crescimento. Em vez disso, Pequim precisa lidar de maneira mais firme com a recessão no setor imobiliário e tomar medidas robustas para aumentar o consumo, se quiser desencadear uma recuperação duradoura da economia, afirmaram muitos economistas.
“O pacote é encorajador, mas insuficiente para colocar um piso sob o mercado imobiliário e a economia em geral. Uma queda substancial no crescimento nominal está embutida”, disseram Rory Green e Freya Beamish da TS Lombard em um comentário.
Ao contrário dos EUA, onde a inflação alimentada por uma economia aquecida é a principal preocupação das autoridades nos últimos anos, a China tem lutado contra a desaceleração do crescimento e a pressão de queda sobre os preços devido à fraca demanda.
O mercado imobiliário entrou em colapso depois que Pequim passou a reprimir vários anos de empréstimos excessivos das incorporadoras, o que levou muitas a deixarem de pagar suas dívidas e a não entregar apartamentos vendidos na planta. Comprar imóvel é a principal forma de investimento na China e isso movimenta muitos outros setores, como construção, decoração e eletrodomésticos.
Pequim tem evitado lançar pacotes massivos de gastos públicos que usou no passado para acelerar o crescimento e que resultaram numa bolha no mercado imobiliário. Mas as rupturas nos negócios e perdas de empregos durante a pandemia da covid-19, juntamente com a queda dos preços das casas, deixaram muitos chineses relutantes ou incapazes de gastar.
Recentemente, o líder chinês Xi Jinping pediu às autoridades que fizessem mais para colocar o crescimento de volta nos trilhos.
A série de medidas de flexibilização ocorre na sequência de dados que mostram que a atividade econômica da China enfraqueceu durante o segundo trimestre, para 4,7% ao ano, após uma expansão de 5,3% no primeiro trimestre. Os dados indicam que a China pode não atingir a meta oficial de crescimento de cerca de 5% para todo o ano. Bancos de investimento como Goldman Sachs e UBS reduziram suas previsões para abaixo dessa meta, alertando que é necessário mais apoio do governo e do BC para acelerar o crescimento.
“As ações do BC chinês sugerem que o governo está finalmente aceitando a grave situação em que a economia se encontra”, disse Eswar Prasad, professor de política comercial da Universidade Cornell e ex-chefe da divisão da China no Fundo Monetário Internacional.
Mas a grande questão é se o pacote anunciado ontem fornecerá um impulso significativo à economia, uma vez que os custos de empréstimos já estavam baixos. Os dados de crédito sugerem que as famílias e empresas não estão interessadas em contrair novos empréstimos. A confiança do consumidor está próxima de níveis mínimos recordes, refletindo a preocupação com os empregos em uma economia fraca e o impacto do colapso no setor imobiliário.
Além disso, os cortes anunciados nas taxas de empréstimos de referência só afetam os empréstimos existentes em janeiro de cada ano, e a China não permite que os proprietários refinanciem suas hipotecas como acontece nos EUA.
O Barclays estima que, desde 2021, a crise imobiliária destruiu cerca de US$ 18 trilhões no patrimônio das famílias, o equivalente a cerca de US$ 60 mil por família.
Julian Evans-Pritchard, chefe de economia da China na Capital Economics, em Cingapura, disse que as medidas foram um passo na direção certa, “mas não são suficientes para impulsionar uma recuperação econômica”.
O que está faltando é um apoio fiscal mais agressivo, disse ele. A fraca atividade está afetando a receita fiscal, e os governos locais estão lutando para gastar sua cota de empréstimos em projetos de infraestrutura viáveis. Pequim precisa emprestar e gastar mais para aumentar o crescimento e a inflação, e deve dar mais liberdade às autoridades locais para usarem suas cotas de empréstimo para apoiar o consumo, acrescentou.
Acima de tudo, o mercado imobiliário continua sendo o maior problema econômico da China. Em vez de cortar as taxas para sustentar uma demanda já fraca por imóveis, muitos economistas dizem que o governo precisa permitir que os preços das casas caiam ainda mais e tome medidas mais audaciosas para eliminar um enorme estoque de casas inacabadas e restaurar a confiança no mercado. O consumo só voltará aos níveis de crescimento anteriores à pandemia se as famílias virem uma luz no fim do túnel, após mais de três anos de crise no setor imobiliário, disseram analistas.
Fonte: Valor Econômico

