Foi em abril de 2024 que pela primeira vez agentes de saúde indígenas do Alto Xingu se conectaram com especialistas de centros de referência para realizar ultrassonografia com suporte à distância via satélite, integrando conhecimentos ancestrais e tecnologia. “A conectividade consegue transpor a barreira geográfica, torna a saúde mais inclusiva”, diz Cláudio Coelho, VP da Associação Brasileira de Startups de Saúde e Healthtechs.
O projeto do Alto Xingu, coordenado pela incubadora InovaHC, da Faculdade de Medicina da USP, não é o único em andamento. No início de setembro, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, anunciou a criação do Instituto de Tecnologia de Medicina Inteligente, primeiro hospital público inteligente do país, que será instalado no complexo do Hospital das Clínicas da USP. Previsto para entrar em operação em 2027, terá 800 leitos e usará inteligência artificial (IA) e 5G para agilizar o atendimento. A meta é reduzir o tempo de resposta para casos graves de até 17 horas para 2 horas.
A combinação de inteligência artificial, wereables (vestíveis) e conectividade promete redesenhar a relação entre médicos e pacientes, oferecendo benefícios como diagnósticos mais ágeis, acompanhamento contínuo e tratamento personalizado. “O papel da saúde 5.0 é unir a inovação tecnológica à humanização do atendimento”, diz Sonia Castral, analista sênior da TGT. “O foco não é apenas a eficiência de processos, mas sobretudo colocar o paciente no centro, garantindo personalização de tratamentos e ampliando o acesso por meio da telemedicina e da IA. Isso permitirá que o médico se dedique ao cuidado e não a processos burocráticos.”
Segundo Luciana Morais, do Departamento de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde, já foram investidos mais de R$ 161 milhões em projetos envolvendo o uso de IA na saúde. “Das 50 mil unidades básicas de saúde do país, 95% têm acesso à internet e 87% já usam prontuário eletrônico”, diz. “O desafio agora é levar a tecnologia para áreas mais distantes, o que depende muito da conectividade.”
Sem internet de qualidade não há como viabilizar a telemedicina, tampouco recursos de monitoramento de saúde em larga escala. “Os avanços da saúde 5.0 dependem de um tripé: infraestrutura, regulação e inclusão digital”, avalia Edson Amaro Junior, responsável pelo global advanced tecnologies for equity do Hospital Israelita Albert Einstein. “É preciso pensar em como monitorar e armazenar os dados sem comprometer a privacidade dos pacientes. Ao mesmo tempo, necessitamos de políticas que ampliem a conectividade e preparem profissionais para lidar com as novas tecnologias.”
Nos sete hospitais de excelência – Beneficência Portuguesa, Moinho de Vento, Oswaldo Cruz, Sírio -Libanês, A.C.Camargo e Albert Einstein – as pesquisas que envolvem a saúde 5.0 estão avançadas, muitas delas em parceria com o SUS. É o caso do Banco Nacional de Imagens Médicas, desenvolvido pelo Hospital Albert Einstein por meio do Proadi-SUS. “A iniciativa permite o registro histórico de exames dos pacientes, independentemente da localidade onde a pessoa seja atendida”, diz Pedro Vieira, médico cardiologista e coordenador de projeto. “A plataforma evita exames repetitivos, o que resulta em economia de recursos, otimização do diagnóstico e da jornada do paciente.”
Segundo Vieira, o Albert Einstein já conta com 116 algoritmos em produção, desde predição de internação a simulações de risco de síndrome metabólica. “Os algoritmos chegam a antecipar em até 84 minutos a necessidade de internação, permitindo abrir espaço equivalente a 15 leitos adicionais.”
Fruto da parceria do Beneficência Portuguesa e do HCOR, o Projeto Boas Práticas oferece meios para realização de telediagnóstico de eletrocardiogramas e teleinterconsultas cardiológicas em 885 UPAs no país. “São mais de 6 mil exames laudados por dia, mais de 62 mil discussões de caso e redução de 23% de mortalidade onde se aplica a teleconsultoria”, revela Camila Rocon, coordenadora médica do HCOR. “A IA quando bem treinada, melhora a eficiência dos serviços de saúde.”
A cardiologista enfatiza, porém, que o grande desafio está no treinamento e adoção da IA. “A tecnologia na área da saúde é irreversível, sobretudo na predição de riscos. A inteligência artificial é um apoio importantíssimo para médicos mais experientes, mas não para iniciantes”, afirma. “O risco está na maneira como a IA é usada. Quando não se tem conhecimento mais aprofundado, o que a IA aponta passa a ser verdade, e isso é muito perigoso.”
Fonte: Valor Econômico