Por Victor Rezende, Gabriel Roca, Matheus Prado e Arthur Cagliari — De São Paulo
04/08/2023 05h04 Atualizado há 4 horas
Embora o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central tenha amarrado a comunicação para indicar que pretende seguir o ritmo de 0,5 ponto percentual nas reduções futuras da Selic, o mercado não comprou a ideia totalmente e já embute nos preços uma chance não desprezível de que o colegiado acelere o ritmo de queda da taxa básica neste ano. Os juros de curto prazo despencaram, mas, com uma comunicação mais suave e um ambiente de disparada dos rendimentos dos Treasuries, as taxas de longo prazo locais anotaram forte alta e o dólar subiu quase 2% e se aproximou de R$ 4,90.
Mesmo com uma sinalização bastante clara quanto aos próximos passos dos juros, o Copom abriu espaço para o mercado, já na reação inicial, ver chance de a Selic cair de forma ainda mais rápida. O mercado de juros precifica, para a reunião de setembro, 68% de possibilidade de uma queda de 0,5 ponto na taxa contra 32% de chance de um corte de 0,75 ponto.
Após a decisão do Copom, boa parte dos economistas de mercado migrou para o cenário telegrafado pelo comitê, que inclui cortes de 0,5 ponto até o fim do ano, o que levaria o juro básico a 11,75%. A curva de juros, porém, já precifica uma Selic entre 11,25% e 11,5% neste ano, em um claro sinal de que o mercado vê chances relevantes de o BC optar por acelerar o ritmo de flexibilização dos juros.
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“Dado que o ritmo de corte de 0,5 ponto foi sinalizado, o mercado vai colocar alguma probabilidade em algo maior. No meu cenário, eu continuo vendo uma melhora dos núcleos de inflação e dos preços de serviços e isso vai abrir espaço para uma aceleração”, aponta o economista-chefe da Garde Asset, Daniel Weeks, que projeta uma redução de 0,5 ponto em setembro, seguida de quedas de 0,75 ponto em novembro e em dezembro, que deixariam a Selic em 11,25% no fim do ano.
“Com a melhora de cenário que tivemos e as expectativas reancorando de forma mais rápida após a definição da meta, fazia sentido para mim o BC entregar um corte de 0,5 ponto. Já imaginava dissenso, mas acreditava em um placar que não fosse tão apertado”, afirma. Para ele, dado que os diretores, em consenso, acreditavam que o ritmo a ser empregado é de 0,5 ponto, “não fazia tanta diferença começar o ciclo com um corte menor ou maior”. Weeks, porém, se diz mais otimista em relação ao ritmo de juros, mas não quanto ao nível da taxa no fim do ciclo, ao projetar a Selic em 9% em 2024.
Nesse contexto, a taxa do DI para janeiro de 2025 caiu de 10,675% na quarta-feira para 10,505%, e a do DI para janeiro de 2033 saltou de 10,74% para 10,96%. Os movimentos indicam que a curva de juros ganhou inclinação, ou seja, que a distância entre as taxas curtas e longas aumentou. Juros de longo prazo mais altos tendem a ter um papel restritivo para a atividade.
Na visão do economista-chefe da RPS Capital, Victor Candido, um movimento de aumento da inclinação da curva de juros era mais do que esperado na sessão de ontem. “Mas acho que o natural seria a taxa curta cair 0,2 ponto e a longa recuar 0,05 ponto. A alta do juro longo que estamos vendo hoje [ontem] é muito mais ligada ao comportamento dos Treasuries”, diz.
Com um aumento relevante da inclinação da curva de juros na sessão de ontem, o mercado indicou, em uma primeira leitura, que o viés mais “dovish” (propenso a juros mais baixos) adotado pelo Copom na quarta-feira, somado à piora no cenário externo, pode levar a juros mais altos no longo prazo, diante de uma desconfiança maior quanto à convergência da inflação para a meta de 3%. Assim, a precificação da inflação nos anos à frente subiu com força na sessão de ontem. O IPCA contido na NTN-B para agosto de 2026 subiu de 4,57% para 4,70% e a inflação precificada pela NTN-B para agosto de 2028 passou de 4,89% para 5,05%.
“A decisão realocou o foco dentro do comitê, deu peso aos diretores recém-nomeados e indicou como o processo de tomada de decisão acontecerá nas próximas reuniões. Também tornou a orientação de cortes adicionais de 0,5 ponto menos convincente”, diz Bruno Schiavinato, trader de câmbio do Santander, em comentário.
“Há, claro, recompensas decorrentes do corte maior, principalmente uma melhor reação política, menos atritos com o governo e, talvez, um caminho mais claro no Congresso para a aprovação de reformas e medidas econômicas importantes”, diz o operador. Ele, porém, diz acreditar que, no momento, a postura em relação ao real deve mudar de acordo com a alteração na política monetária.
Ontem, o real foi a pior moeda em uma lista que compreende as 33 divisas mais líquidas acompanhadas pelo Valor. No mercado doméstico de câmbio, o dólar subiu 1,96%, cotado a R$ 4,8981, após ter alcançado, brevemente, o nível de R$ 4,9001 na máxima do dia.
“Abandonamos o viés comprado em real e vendido em dólar e nos tornamos neutros”, diz Schiavinato, ao lembrar que o dólar subiu R$ 0,20 em relação às mínimas recentes e ao apontar que o câmbio se tornou mais suscetível a ser candidado para servir de hedge para posições aplicadas em juros ou compradas em ações locais.
Um viés mais baixista para os juros por parte do Banco Central ajuda a pressionar o câmbio, ao se ter em vista que, nos Estados Unidos, a indicação dada pelo Federal Reserve (Fed) é de manutenção das taxas de juros em níveis elevados por um período prolongado. Com o diferencial de juros em trajetória de queda, o mercado pode começar a ver a atratividade do real em baixa, o que pode pesar na performance da moeda brasileira à frente.
Vale apontar, porém, que o desempenho dos mercados internacionais foi determinante para a dinâmica local na sessão de ontem. Os rendimentos dos Treasuries de dez anos saltaram aos maiores níveis em nove meses, puxados pelos juros de longo prazo do Japão, que dispararam e alcançaram o patamar mais alto desde 2014. Assim, as bolsas caíram em Nova York e o dólar subiu de forma generalizada.
Por aqui, o Ibovespa não encontrou espaço para surfar no movimento de corte de juros e, assim, encerrou o dia em queda de 0,23%, aos 120.586 pontos. Na visão de César Mikail, gestor de renda variável da Western Asset no Brasil, o mercado antecipou parte dos ganhos nos últimos meses com a expectativa pelo ciclo de cortes de juros. Ele, porém, ainda enxerga margem para a bolsa avançar.
“Ademais, existe agora uma preocupação natural com um possível rebote da inflação, mas que só deve afetar os ativos de renda variável caso as taxas longas piorem nos próximos dias”, diz. Ações sensíveis aos juros sofreram ontem, como os papéis ordinários do Magazine Luiza, que caíram 5,11%, enquanto os da Méliuz recuaram 6,24%.
Segundo Victor Candido, da RPS, o mercado trabalha hoje com uma Selic por volta de 9% no fim do ciclo. “Nesse caso, acho que os juros reais [NTN-Bs] seriam mais interessantes, principalmente se estivermos diante de um BC mais ‘dovish’ e com a possibilidade de uma reaceleração da inflação”, aponta. Para ele, porém, a bolsa ainda negocia a múltiplos bem deprimidos e, assim, há oportunidades interessantes. “Acho que os papéis domésticos, ligados aos juros, ainda têm muito espaço para andar.”
Fonte: Valor Econômico

