26/10/2022 –
Do economista Alexandre Scheinkman, 74 anos e mais de 30 anos morando fora do País, pode-se dizer que é um americano ainda carioca. Conselheiro da Cosan e ativista pela Amazônia do lado de cá, ele é também professor de Economia nas universidades de Princeton e Columbia, nos EUA. No tempo que sobra, faz palestras e seleciona textos econômicos para a revista da Academia Nacional de Ciências dos EUA.
A quatro dias da escolha de um novo presidente da República para os próximos quatro anos, levando em conta as medidas urgentes que deveriam ser tomadas para pôr o Brasil em ordem ? e vendo, do outro lado, ?o orçamento fantasia que o governo Bolsonaro mandou para o Congresso? e o controle do dinheiro público por um grupo de parlamentares ?, ele avisa: ?Não dá para fazer política fiscal com esses parâmetros?. Reforma tributária e controle do Orçamento são hoje, adverte, ?duas coisas extremamente necessárias e extremamente difíceis de se fazer?.
Nesta conversa com Cenários, desde Nova York, Scheinkman deixa um aviso ? resultado da Guerra na Ucrânia: ?Nós vamos, sim, ter outras crises no futuro?. A seguir, os principais trechos da conversa.
A seu ver, que caminhos econômicos o próximo governo deve trilhar?
Está cada dia mais difícil. A menos que a gente acredite nesse orçamento fantasia que o governo Bolsonaro mandou para o Congresso, teremos problemas fiscais muito sérios. E imagino que o próximo parlamento será mais agressivo na sua luta por receitas. Qualquer que seja o presidente, vai encontrar uma situação complicada. Há um segundo problema sério: a reputação do nosso País, principalmente por causa da questão climática, está muito ruim. Quer um exemplo? Um investidor tem medo, hoje, de se aproximar do Brasil e isso se refletir na base de investidores com os quais atua.
Há uma possibilidade, aí pela frente, de que países da Europa e os EUA comecem a boicotar produtos brasileiros.
Falando de medidas concretas, qual poderia ser a primeira a se adotar?
Uma medida importante, mas que acho difícil levar adiante, seria uma reforma tributária.
De todos os sistemas tributários que conheço, o do Brasil é o mais maluco, mais imbecil, mais cheio de benefícios para pequenos grupos. E o fato de não termos corrigido isso é um sintoma que me leva a pensar, como meu amigo Marcos Lisboa, que a gente está escolhendo ser medíocre. Outra tarefa do (presidente) eleito será recuperar o controle do Orçamento. Ele foi completamente cedido a um grupo de parlamentares. Combinando orçamento secreto, emendas de relator e outras coisas mais, chega-se a 30% do que o governo tem liberdade para gastar. Obviamente, não dá para fazer política fiscal com esses parâmetros.
Vendo o Brasil daí de Nova York, como definiria sua evolução nestas três décadas? Média? Razoável?
Foi muito aquém do possível. Nada satisfatório, comparado ao potencial que o País tem. Mas houve coisas boas. Se você olhar o setor privado, o Brasil tem hoje muitas companhias sofisticadas, comparáveis a qualquer outra aqui fora.
Os programas criados no governo FHC e aprofundados no governo Lula, de ajuda aos mais pobres, funcionaram, né?
Mas agora temos o Auxílio Brasil, muito pior do que o modelo desenhado no Bolsa Família.
Pandemia e Ucrânia desorganizaram a economia mundial. Qual horizonte você enxerga hoje para ela?
A economia mundial vive hoje uma situação delicada. Temos ainda o reflexo da covid na China. Temos a guerra da Rússia na Ucrânia. E o que se vê são os bancos centrais, principalmente o europeu, o Fed americano e o Banco da Inglaterra aumentando as taxas para deter o processo inflacionário. O Fed se atrasou, ele mesmo já reconheceu isso. Colocaram muitos créditos nas causas físicas da inflação e poucos na necessidade real. O fato é que ainda hoje ninguém sabe o quanto o Fed precisa fazer. O BC brasileiro fez um bom trabalho mas também se atrasou.
Na pandemia se injetou muito dinheiro nos mercados, e agora os bancos centrais estão enxugando.
Vêm aí mais turbulências?
Veja só, em um painel na Universidade de Chicago, foi levantada recentemente essa questão. Minha primeira intuição é responder que sim. E por quê? Porque seria muito caro, quase impossível, organizar o mercado financeiro de tal maneira que nunca houvesse uma crise. É muito difícil. E ele incluiria tanta prevenção que funcionaria muito mal. Então é o seguinte: nós vamos, sim, ter outras crises no futuro.
Qual acha que vai ser o impacto da guerra da Ucrânia?
Já ouvi que a Alemanha é que vai perder mais, na Europa. Você concorda? A meu ver, quem perde mais é a Ucrânia. Mas, no longo prazo, a grande perdedora será a Rússia. Uma parte importante do mundo, que inclui Estados Unidos e Europa, não está comprando petróleo deles. Então os russos estão tendo de vender com desconto para a China e para a Índia. A estimativa que se faz é de um desconto entre 15% e 30%. E quem você acha que vai comprar o gás russo no futuro? Claro que a Alemanha também será afetada, ela depende do gás russo.
Fonte: O Estado de S.Paulo

