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O fim do diferimento tributário em alguns tipos de fundos de investimentos fechados exclusivos e restritos mudou a forma como as famílias brasileiras donas de grandes fortunas planejam suas alocações. No meio do turbilhão fiscal que afetou patrimônios acumulados por décadas, uma das revisões colocadas na mesa tem sido o incremento da parcela investida no exterior. Em algumas casas, nem o câmbio tem atrapalhado.
Junto com a mordida do Leão, que pôde ser parcelada até março, com pagamento adicional em maio, houve liberação de liquidez desde que lei 14.754 foi sancionada, em dezembro de 2023. Alguns grupos familiares simplesmente abriram as suas estruturas de investimentos. Assim, em vez de ficarem amarrados à regra de amortização anual do fundo fechado, os resgates ficaram flexíveis. O dinheiro ficou livre para transitar entre diferentes ativos e geografias.
Para se ter uma ideia das movimentações, Bruno Diniz, chefe de produtos da butique de investimentos WHG, fez um mapeamento na plataforma da Comdinheiro e constatou que 1,014 mil portfólios fechados com menos de 11 cotistas, com R$ 72,4 bilhões, foram transformados em condomínio aberto e o patrimônio encolheu para R$ 55,1 bilhões no fim de maio. Outros 168 fundos com essas características no fim de 2023, com R$ 4,2 bilhões, foram encerrados neste ano.
A subtração decorre tanto do pagamento de imposto para quem atualizou estoques, com direito a alíquota diferenciada de 8%, como também da cisão ou migração para fundos de participações (FIP), de crédito estruturado (FIDC), de infraestrutura, imobiliário e de ações ou ativos isentos. E uma parte tem rumado para o exterior, afirma Diniz.
No caso da WHG, que tem R$ 42 bilhões de indivíduos e grupos familiares ultrarricos, a fatia “offshore” passou de uma média entre 10% e 25% para algo entre 30% e 50%. “Se um ano atrás o cliente novo que passava por um evento de liquidez tinha a bala de prata do fundo exclusivo fechado, um veículo extremamente eficiente em termos de custos e do ponto de vista tributário e sucessório, com a reforma, não tem mais tudo isso”, diz Diniz. “Temos vários casos de clientes que tiveram riqueza criada há bastante tempo e mantiveram os recursos dentro dos fundos por 10, 15, 20 anos. Era um estoque relevante que mitigava a vontade de fazerem certos movimentos. Agora, é uma folha em branco.”
Ao estudar como realocar os recursos, o executivo diz haver apetite para explorar temas que não existem no Brasil, a exemplo da inteligência artificial e de teses de cadeias de produção mais próximas. “Há famílias que tinham 10% lá fora, caminhando para 30%, e vários casos com aumentos mais expressivos”, afirma.
Já a taxação de veículos offshore com alíquota anual de 15% para estruturas opacas – sem apresentação de balanços periódicos – trouxe alguma isonomia tributária com os fundos exclusivos locais de longo prazo, mas não é o que vai pesar na conta. “A gente tem feito uma carteira moderna, com quase 90% em ETF [fundos negociados em bolsa], com liquidez diária, em que consegue se movimentar rápido”, afirma Diniz.
Alguns são mais sensíveis ao nível do câmbio, outros simplesmente planejam quanto pretender ter em ativos globais e vão fazendo remessas aos poucos, evitando os dias de maior estresse.
Com cerca de R$ 9 bilhões, de 250 investidores, a Aware Investments viu aumentar a procura pela mudança de domicílio fiscal, na reta final da reforma de impostos, segundo o sócio Alex Silva. “Observamos empresários dando ‘bye bye’ Brasil, tirando a residência porque acabou o diferimento que era muito satisfatório”, diz. “Alguns preferem ter companhias no exterior com o IR postergado. E, no final, têm a matemática dos juros compostos a favor.”
Se antes Portugal era um dos destinos preferidos dos brasileiros pelos incentivos fiscais para quem fixava residência no país e tinha certo patrimônio, hoje o executivo diz ver uma maior procura para saídas definitivas mirando a Itália. Como a origem da Aware foi a união de Silva com dois outros ex-diretores do português Banco Espírito Santo no Brasil, o time tem um certo termômetro desse tipo de comportamento, diz. A gestora de patrimônio tem escritórios aqui, em Portugal e na Suíça.
Com o tratamento da estrutura offshore resolvido, houve uma maior inclinação dos clientes fecharem câmbio, buscando uma posição mais equilibrada entre ativos locais e no exterior, diz o executivo da área de soluções de um grande banco. “O nome do jogo é abrir um pouco mão da discricionalidade para manter o diferimento”, diz, usando a curadoria de fundos de prateleira.
Por muitos anos, os investidores de alto patrimônio viveram como “prisioneiros dos fundos fechados” e agora, com a reorganização das suas estruturas e antecipação do imposto, passaram a olhar um escopo de investimentos maior, diz Rafael Mazzer, sócio do BTG Pactual responsável pela área de soluções de portfólios no Brasil. Sem o apelo do diferimento, o dinheiro vem sendo redistribuído, eventualmente com um resultado líquido até maior pelo rebalanceamento entre ativos tributados e isentos.
Lá fora, Mazzer diz que o que passou a fazer mais sentido são portfólios mais simples: em vez de estruturas próprias, fundos de alocação condominiais. “Alguns veículos refletem as nossas indicações. Possibilitam comprar e carregar até o dia em que precisar do dinheiro e daí paga o IR.” Outro atrativo, impensável anos atrás, é que no exterior hoje tem renda fixa remunerando bem o capital do investidor.
Independentemente das mudanças tributárias, Mazzer diz que ter recursos no exterior faz parte da disciplina de alocação. “O cliente, principalmente o de alta renda, precisa ter um equilíbrio na posição em moeda forte e em reais”, afirma, lembrando que é possível fazer isso via veículos locais.
Na média, o cliente do BTG costuma ter de 20% a 25% dos recursos no exterior. O indicado seria ter 70% localmente e 30% fora do Brasil. Para quem não tem nada, vale aproveitar os momentos de bonança do real e fazer remessas ou aplicações aos poucos, até atingir a porção pretendida. “Quando consigo alcançar a meta, esqueço quanto custou em reais, é a maneira de ser feliz”, diz. “E daí é preciso ter a disciplina de olhar dólar com dólar, reais com reais.”
Como grandes perdedores do rearranjo feito pelos ultrarricos, Mazzer vê os multimercados, que eram a tradicional casca para os fechados exclusivos, e também não tiveram janelas boas de performance nas carteiras de prateleira. Na ponta ganhadora estão os isentos e os fundos de previdência, apesar de o governo ter fechado a brecha para a constituição de novos veículos restritos do tipo.
No private banking do Santander no Brasil, o fluxo e aberturas de contas no exterior até se arrefeceu fase na anterior à publicação da Lei 14.754, diz Christiano Clemente, CIO da área. Enquanto havia incertezas em relação ao texto final da taxação dos fundos fechados locais e das companhias de investimentos fora do Brasil, houve mais conversa do que poderia ser feito do que efetivamente o envio de remessas.
“Com o tema offshore pacificado, o volume de remessas tende a voltar para a média histórica, com mais aberturas de contas. É algo que veio para ficar, independentemente se o câmbio [dólar/real] subiu 1% ou 2% hoje”, diz Clemente. “Tem mais a ver com planejamento patrimonial e diversificação geográfica.”
Com as mudanças da taxação no exterior, ele também vê os brasileiros preferindo estruturas mais simples, em vez de criar as suas “private investment company” (PIC), em jurisdição diferente da residência fiscal. “Além de ser importante ter exposição em outra moeda, o investidor tem acesso a um mercado muito maior. E cada família pondera se vai ter 10%, 20% ou 30% offshore.” Na base do private banking do Santander, a média está na casa dos 20%.
“Na regra de bolso, o recomendável seria investir de 25% a 30% e isso não deveria ser em função do preço do câmbio do dia. Mas há um viés das finanças comportamentais, a ancoragem, o investidor fica amarrado a um certo nível que enxerga como melhor.”
Fonte: Valor Econômico
