Por Rafael Vazquez — De São Paulo
03/06/2022 05h00 Atualizado há 5 horas
O crescimento de 1% do PIB no primeiro trimestre ante o trimestre anterior é um bom resultado e serviu para corrigir o pessimismo excessivo que muitos tinham no fim do ano passado, segundo o economista-chefe do BV, Roberto Padovani. Mas o número reflete um mundo que já não é mais o mesmo e a não há expectativa de que o desempenho se repita no restante do ano.
“Esse dado já ficou muito velho não só porque se refere a meses que já passaram, mas ficou muito ultrapassado pela lógica macroeconômica, que mudou”, comentou Padovani. Ele explica que o contexto da maior parte do primeiro trimestre ainda não contava com fatores negativos globais, como a guerra entre Rússia e Ucrânia e a retomada de restrições de mobilidade fortes na China.
Além disso, embora o Banco Central tenha iniciado o aperto monetário em março de 2021, os juros reais só deixaram de ser negativos no último trimestre do ano passado e, pela defasagem natural da política monetária, impactarão na demanda a partir deste segundo trimestre e principalmente no segundo semestre de 2022. “Agora, o cenário é de desaceleração global, inflação corroendo renda e, principalmente, os efeitos do aperto monetário no Brasil”, observou.
No fim do ano passado, quando uma onda de revisões apontou para uma queda leve da economia brasileira neste ano, Padovani e a sua equipe no BV mantiveram firmes a percepção de que o PIB de 2022 terminaria no campo positivo. O resultado oficial do primeiro trimestre, que já havia sido readequado pelas demais casas após os dados de atividade que antecederam a divulgação do IBGE, recompensou o posicionamento dos economistas do BV, que atualizaram recentemente a projeção para cima, vendo crescimento perto de 1% no ano. Mas esse número será totalmente sustentado pelo que já aconteceu no primeiro trimestre.
“Se olharmos o resultado [do primeiro trimestre], vemos exportações indo bem e o setor de serviços caminhando com força. Era um momento que o mundo crescia e o Brasil crescia junto. O começo do ano tinha tudo para ser bom mesmo. Mas não é a expectativa para daqui adiante.”
Segundo Padovani, a expectativa é que este segundo trimestre encerre com crescimento de 0,2%, em boa parte ajudado pelos estímulos fiscais lançados pelo governo federal, como saque do FGTS, aumento do Auxílio Brasil, antecipação do 13º salário para aposentados e até crédito consignado para a população mais pobre.
Porém, esgotados os efeitos dos estímulos e somado à incerteza do processo eleitoral, a perspectiva é que o terceiro e o quarto trimestres de 2022 sejam marcados por quedas do PIB. Se isso acontecer, o Brasil pode encerrar o ano com crescimento anual positivo, mas em um momento de recessão técnica novamente.
“No terceiro e no quarto trimestres vemos o PIB negativo em 0,1% e 0,3%, respectivamente”, afirmou Padovani. “O segundo trimestre será de transição. Começaremos a ver os primeiros sinais de desaceleração global e os primeiros sinais de desaceleração no crédito no Brasil e isso deve ganhar intensidade no segundo semestre.”
Para 2023, ele projeta um cenário inverso ao de 2022, com um início de ano difícil e a retomada gradual de um melhor desempenho ao longo dos trimestres. A projeção atual para o PIB do ano que vem está em 0,5%. A explicação, segundo Padovani, é que o Banco Central deverá recalibrar a taxa Selic para baixo em algum momento do próximo ano quando ver a inflação com possibilidade para convergir para a meta em 2024.
Assim, pelo cenário projetado pelo BV, a Selic deve subir até 13,50% neste ano e cair para 9% em 2023. “Não vai chegar a estimular a economia, mas vai reduzir a dosagem do aperto monetário. Será um BC ainda segurando, mas com uma intensidade menor”, prevê.
Ao usar um rio revolto como metáfora, Padovani conclui que, apesar do bom resultado do PIB no primeiro trimestre, a travessia por 2022 será ainda mais difícil do que se previa, mas ao alcançar a margem do outro lado em 2023 o caminho será mais tranquilo, embora ainda cheio de pedras. “A coisa melhora no ano que vem, mas menos do que a gente imaginou. Tudo piorou um pouco”.
Fonte: Valor Econômico

