Por Assis Moreira — De Genebra
13/06/2022 05h00 Atualizado há 4 horas
Se os países permitirem ou aceitarem a fragmentação econômica e regulatória, com formação de blocos, os custos serão substanciais para todos, especialmente para economias emergentes e menos desenvolvidas, devendo enfrentar maior exasperação política e agitação social.
Esse foi o alerta da diretora-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Ngozi Okonjo-Iweala, ao abrir a primeira conferência em cinco anos, com cerca de 100 ministros, em Genebra. Ela disse que o mundo mudou nesse período e hoje vive um acúmulo de crises simultâneas – pandemia, segurança internacional, alta de preços de alimentos e de energia, além da questão climática.
Estimativas da OMC, disse ela, mostram que se a interdependência da economia mundial resultar em dois blocos comerciais autônomos, a consequência em termos de especialização e tecnologia será uma baixa do Produto Interno Bruto (PIB) real global de 5%. Os mais atingidos seriam Índia, com -9% do PIB, China, com -7%, Rússia, -10%, União Europeia e Japão, com -4%, e os EUA, com -1%.
Em comparação, na crise financeira de 2008-2009, a produção potencial dos países ricos diminuiu 3,5%. Ou seja, a baixa de 5% com a fragmentação em blocos seria apenas o começo em termos de custo de transações, alocação desordenada de recursos e estresse financeiro. Segundo estudo da OMC, a desintegração global em dois blocos, com custos proibitivos entre eles, torna ainda mais difícil para os países pobres recuperarem parte do atraso em relação aos países ricos. Além de turbulências políticas e sociais, haveria intensa pressão migratória.
Ngozi observou que não se deve cometer o erro de deixar tensões geopolíticas contaminarem os trabalhos na OMC. Ela citou Martin Luther King: “podemos vir de diferentes barcos, mas estamos no mesmo barco agora”. Ou saem juntos ou afundam juntos.
Destacou que essas crises simultâneas são sem precedentes, e nenhum país vai resolvê-las sozinho. Nesse contexto, Ngozi pediu vontade política dos ministros reunidos em Genebra para tentar acordos e reforçar o multilateralismo. “Se conseguirmos um ou dois (acordos) será um sucesso, mas não será fácil”, admitiu ela.
O ministro de comércio da Índia, Piyush Goyal, deu o tom, mantendo propostas consideradas “maximalistas”. Sobre o pedido de mais flexibilidade para quebra de patente para produção de remédios anti-covid, o ministro disse que “os países ricos precisam fazer uma introspeção’’ por sua posição na pandemia. “Precisamos curvar nossas cabeças de vergonha por nossa incapacidade de responder à pandemia a tempo.” Também reclamou de exigências dos desenvolvidos na negociação do acordo para cortar subsídios no setor pesqueiro. “As nações responsáveis pelo esgotamento do estoque de peixes deveriam assumir a responsabilidade, tendo explorado os oceanos por muito tempo, dando subsídios”, disse ele.
Já o ministro de comércio da China, Wang Wentao, disse que Pequim trabalha para “construir consenso, salvaguardar conjuntamente a autoridade e a eficácia da OMC, tirar a economia global das sombras e pressionar por sua recuperação”.
Para a China, a reforma da OMC “precisa fazer avançar a globalização, não revertê-la”. Ele cobrou que a OMC responda à tendência geral de expandir a globalização, tornando-a mais inclusiva, equilibrada e benéfica para todos. Pequim também pediu a restauração rápida do Órgão de Apelação, espécie de corte suprema do comércio internacional, para evitar que o comércio internacional retroceda para a “lei da selva”. O ministro insistiu que não importa como o mundo vai mudar, “a fé na China e seu compromisso com a reforma e a abertura não vacilará”.
A representante comercial dos EUA, Katherine Tai, disse que Washington está comprometido com a OMC, mas pediu modernização da entidade para se adaptar às realidades globais em transformação. “O processo de reforma deve evitar ser excessivamente prescritivo desde o início. As boas ideias vêm de todos os lugares.”
A União Europeia também defendeu a modernização da OMC, o que inclui novas formas de negociar para acelerar acordos.
À margem da conferência ministerial, ministros de comércio de 56 países manifestaram apoio à Ucrânia, denunciaram o impacto da guerra no comércio exterior ucraniano e se comprometeram a facilitar o acesso de seus produtos nos mercados. Mas o Brasil não aderiu, mantendo a posição de que esse é o tipo de assunto que deve ser tratado em outros foros, como o Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Fonte: Valor Econômico

