Num 2023 cheio de viradas no cenário, os gestores de multimercados que pautam suas estratégias com base nas perspectivas macroeconômicas, no Brasil ou no exterior, suaram a camisa para obter resultados acima do CDI, de 13,04%, principal referencial do segmento.
Olhando-se só para essa janela temporal, poucas carteiras tiveram desempenho que aparentemente valeu deixar parcela do dinheiro fora da renda fixa tradicional e delegar a escolha dos ativos para os gestores profissionais – e pagando por isso. Mas esse é um tipo de investimento em que é preciso avaliar a consistência de resultados no longo prazo, a volatilidade e a aderência aos mandatos, principalmente nos períodos de maior estresse.
Para 2024, com o avanço da queda da Selic e a avaliação de que lá fora o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) finalmente encerrou o ciclo de aperto monetário – e que o próximo movimento é para baixo -, a expectativa é de um ano mais promissor para os fundos.
Como bem resumiu Luis Stuhlberger, em entrevista ao Valor, com a disseminação dos títulos de crédito isentos, fazer gestão de recursos de terceiros tornou-se ainda mais desafiador. “Não é uma questão de marketing, é de performance. Temos que ser melhores.”
No pelotão dos multimercados macro de maior patrimônio, o Verde conseguiu fechar o ano com retorno de 14,53%. Outros fundos grandes de referência, como os da SPX, JGP ou Ibiuna não tiveram a mesma sorte Ao fazer um balanço de como foi 2023 para a Verde, Stuhlberger disse estar feliz por terminar o ano com tal resultado, mas triste porque a classe como um todo sofreu muitos resgates. “Mãos à obra, porque chorar não resolve a vida de ninguém.”
Considerando-se fundos efetivamente classificados como multimercados macro, a Luz Soluções analisou o desempenho de 57 portfólios e a média de rentabilidade no ano passado foi de 11,5%, o equivalente a 88,3% do CDI. Em 24 meses, esse conjunto teve retorno médio de 21,8%, ou 80,4% do referencial. No acumulado de 36 meses, a performance chega a 22,3%, ou 68,03% do CDI.
Apesar da média baixa, quando se olha os dez fundos com melhor desempenho, a rentabilidade média acumulada em 2023 foi de 23,62%, o equivalente a 180% do CDI. Carteiras de menor patrimônio, como o Versa Tracker (69,6%), puxam os resultados para cima. O resultado positivo desses fundos se mantém no acumulado de 24 meses, chegando a pouco mais de 100% do CDI, mas no acumulado de 36 meses cai para 67% do CDI, também puxado pelo Versa (-31,6%).
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Vale a ressalva de que debaixo da classificação multimercado livre está boa parte das carteiras tradicionais com viés macro.
O ano de 2023 foi particularmente complicado para operar estratégias no exterior, diz Marco Mecchi, sócio-responsável pela divisão macro da AZ Quest. “As taxas de juros [futuras] nos Estados Unidos ficaram muito erráticas, falou-se em recessão, com o Fed aliviando no fim do ano. Foi mais difícil ter posição direcional”, afirma. “E no ‘onshore’ [local] muita gente estava fora [dos ativos brasileiros] no início do ano pelo receio do pós-eleição.”
Com a escolha de nomes para os ministérios comparáveis ao do primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e passos mais ao centro que apontavam alguma sobriedade fiscal, a percepção dentro da AZ Quest era que “os preços estavam errados, não era para ter preços de Dilma [Rousseff, a ex-presidente], mas de Lula 1.” Num primeiro momento, Mecchi ficou “vendido” (prevendo a baixa) no dólar/real e depois montou estratégias de opções em que ganharia dinheiro se os juros caíssem ou ficassem parados – se subissem as perdas seriam limitadas. No meio do ano, o holofote foi para a bolsa, e a casa “entrou em Brasil muito antes que os outros fundos”.
Para 2024, ele vê desafios tanto para a cena local, em meio à busca de receitas para diminuir o déficit público pelo ministro da Fazenda Fernando Haddad, quanto para a externa, com as eleições nos Estados Unidos. “Logo mais o mercado vai estar operando a chance de [Donald] Trump concorrer [à presidência], essa é uma incógnita. O que ele fez no primeiro governo foi diminuir o imposto, coisa que não pode fazer agora em meio a uma crise fiscal. Os investidores talvez não vejam isso com bons olhos.”
Com os leilões do Tesouro americano e o fiscal sob pressão, o mundo emergente pode sofrer. Lá fora, a estratégia tem sido aplicar em juros curtos e tomar posição contrária nas taxas de dez anos, diz o gestor da AZ Quest. Não há nada direcional.
Mechi vê oportunidades no Brasil, mais adiantado no seu ciclo de redução de juros, mas avalia que 2024 tende a ser outro ciclo volátil. Ele afirma gostar de posições em câmbio e em bolsa, mas que em estratégias ligadas a juros o jogo já ficou menos favorável porque os preços já incorporam uma Selic final de 9%, ante os 11,75% atuais.
Para a Absolute, o que deu certo foi um diagnóstico que destoava do consenso. A leitura era que o controle da espiral inflacionária nas economias não necessariamente resultaria num freio para a atividade, diz Fabiano Rios, sócio-fundador e gestor da asset. “A gente achava que se a inflação começasse a caminhar para a direção da meta numa velocidade minimamente razoável, os bancos centrais acomodariam isso e trocariam a parada brusca por uma inflação que demorasse mais para convergir”, afirma.
Ao observar os preços dos ativos, a avaliação era que havia uma assimetria grande. A exposição em bolsa no Brasil e no exterior via opções deu a maior contribuição para o desempenho de 2023.
O gestor espera um ambiente favorável à tomada de risco em 2024 e com a volatilidade baixa das opções diz que consegue ter posições grandes, com perda limitada, e sem pagar caro por isso. “É um cenário em que é possível entregar retornos expressivos olhando para frente”, diz Rios. Por ora, a preferência é bolsa e em algumas geografias ele diz gostar de estratégias ligadas a juros. “Eu venho todo dia trabalhar para mudar de opinião, estou convicto com o ‘call’ de curto prazo, mas se os dados mudarem, eu mudo também.”
Foi também a leitura de que os preços dos ativos incorporavam um pessimismo exagerado que a Mapfre Investimentos colheu bons resultados para um de seus multimercados. Após a eleição de Lula, as taxas dos contratos de juros não embutiam “nenhum afrouxamento monetário”, lembra Carlos Eduardo Eichhorn, diretor de investimentos da gestora. A gestão ficou nas movimentações táticas, entrando e saindo, capturando assim ganhos em posições prefixadas e também em juro real, quando a NTN-B bateu os 5,80%, 6% ao ano. O segundo semestre mostrou-se ainda mais difícil com dúvidas sobre o cumprimento do arcabouço fiscal. “A volatilidade não foi baixa, não foi um caminho fácil”, diz.
O ano de 2024 começou para a Mapfre com posição zerada em prefixados, privilegiando estratégias ligadas a juro real nos vencimentos intermediários a partir de 2028, diz Eichhorn. Operações de arbitragem no juro também vêm sendo calibradas a partir de estudos estatísticos, de maneira dinâmica.
O executivo conta ainda que o multimercado colheu boa parte do retorno em renda variável, com posições ativas que chegaram a representar 30% da carteira, um posicionamento mais pesado do que se observava no mercado. Foram cerca de 20 ações que deram retorno superior ao Ibovespa no ano passado.
O diagnóstico de que a atividade americana resistiria trouxe bons resultados para o multimercado da Clave Capital. “Muita gente teve que zerar a posição no meio do caminho. Embora a convicção fosse relativamente alta, a gente se impõe um limite que permitiu que persistisse na tese, num tamanho que aguentava”, diz Rodrigo Carvalho, executivo-chefe de investimentos da vertical macro da casa. “Como os fundamento por trás não pioraram, até melhoraram, não fazia sentido cortar posições e a gente conseguiu recuperar bem no fim do ano.”
Com um fundo menor do que a média dos principais multimercados, o gestor acrescenta que conseguiu ter agilidade para mudar o foco quando identificou oportunidades no Brasil, onde os movimentos de correção costumam ser bruscos.
Ele diz ver uma combinação favorável com a estabilidade do crescimento da China, importante para a pauta de exportações brasileiras, e o país sendo uma das poucas economias “investíveis” entre os emergentes. “Tirando Brasil e México, não há outro país com mercado de capitais desenvolvido para absorver o fluxo estrangeiro e o ‘valuation’ aqui é mais barato do que no México”, diz Carvalho.
A moderação do governo Lula, com o ministro Haddad equilibrando o discurso pró-austeridade fiscal, além de números surpreendentes da balança comercial trazendo estabilidade para o câmbio serviram como pano de fundo mais positivo para o Brasil, segundo Helder Soares, diretor de investimentos da Principal Claritas.
No primeiro trimestre o desempenho do multimercado da casa foi ruim porque esse cenário demorou a se materializar e os ativos balançaram com a quebra do Silicon Valley Bank (SVB) e outros bancos americanos regionais. Já no segundo trimestre, o fundo voltou a rodar acima do CDI com estratégias de juros nominais. Agora, a principal aposta é em juros reais, com a NTN-B com vencimento em 2050 num nível pior do que no início de 2023. Há também exposição na bolsa e no próprio real.
“Apesar de não poder descartar alguma turbulência por causa de uma desaceleração mais forte nos EUA, o primeiro trimestre tende a ser mais positivo”, afirma Soares.
Fonte: Valor Econômico

