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No “inferno astral” que culminou com a pior performance semestral da série para os multimercados, com valorização de apenas 0,20% do índice de hedge funds da Anbima (IHFA), os fundos que pautam suas decisões de investimentos com base na leitura do ambiente macroeconômico consumiram boa parte da gordura que tinham em relação ao CDI.
Das cerca de 70 carteiras acompanhadas pelo Guia Valor de Fundos, só 22% ficam acima do referencial num intervalo de dois anos e meio, encerrado em junho. Em 2022 a fatia era de 67%, caindo a 24% no ano passado e a 6% de janeiro para cá. Os cálculos são do economista Marcelo d’Agosto, coordenador do guia.
No rol de sobreviventes ao CDI em dois dígitos e às mudanças frenéticas de cenário, no Brasil e no exterior, estão nomes longevos da indústria independente, casos de Absolute, Neo, Verde, Mapfre, Quantitas e JGP. Mas também há exemplos da nova geração de assets, como Capstone (de profissionais que saíram da SPX), Genoa (de um time vindo do Itaú) e Asa Investments, gestora do grupo de Alberto Safra.
“A janela dos últimos dois anos foi uma das piores para a classe porque, apesar de capturar muitos temas, o grosso [das estratégias] é em política monetária, e juros e inflação tiveram uma assimetria grande de informações”, resume Luca Spigonardo, analista de fundos da Arton Advisors.
Ele lembra que o ano começou, mais uma vez, com expectativas de início de cortes de juros pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano), o que não se concretizou com dados de atividade e de índices de preços acima do esperado. “Muito gestor estava posicionado nessa frente e perdeu dinheiro, foi um grande detrator de performance.”
Apesar da saída maciça de recursos dos fundos mistos (R$ 348 bilhões de 2022 para cá), o especialista diz não haver melhor instrumento para diversificação de portfólio, com acesso e retornos que se provam no tempo. Mas é também um momento de reciclagem da indústria. “Tem muita gestora nova passando por problemas sérios e que não deve continuar. Vão ficar as renomadas, sólidas, com patrimônios bilionários e times robustos, que sabem surfar os movimentos”, diz Spigonardo.
Ele entende que no médio e longo prazos quem estiver posicionado vai ganhar dinheiro. “Mas tem que ter paciência e o bolso correto dentro da classe, não estar sobrealocado porque daí sim começa a dor de cabeça. Se há uma reversão de resultados, o investidor não se conforma.”
No combo de resgates, outros fatores pesaram contra. O estoque crescente de títulos incentivados, com uma alta de 8,2%, para R$ 1,77 bilhão, segundo mapeamento da Verde, é um deles. Mudanças na tributação dos fundos fechados exclusivos e restritos, com a inclusão do come-cotas, o imposto semestral que incidia nos abertos de renda fixa, multimercados e cambiais, também. Sem o benefício do diferimento tributário, que potencializa o retorno, famílias abastadas revisaram a alocação.
“É óbvio que o principal problema da gente, nem vou dizer da ‘asset class’, é performar melhor”, diz Luis Stuhlberger, executivo-chefe e de investimentos da Verde, em conversa com o Valor (leia em ‘Nenhum país é governável com a mentalidade gasto é vida’). “Ano passado a gente não foi mal, deu CDI mais 1,5% líquido e neste virou a chave de compreensão da complexidade séria do fiscal brasileiro. Não quero dar a impressão de que a culpa é do Brasil, longe disso. A gente tem que melhorar, estamos trabalhando nisso.”
A primeira metade de 2024 caracteriza um ambiente típico para os fundos com perfil macro, diz Filippe Santa Fé, gestor de juros do Asa Hedge. “O cenário mudou porque os dados mudaram, não porque os gestores interpretaram errado. E o custo de reprecificar a trajetória de juros aqui e lá fora acabou pegando a rentabilidade de todo mundo em cheio.”
Santa Fé afirma ser raro ver aquela tendência clara de 2022, que fez com que os multimercados brasileiros tivessem ótima performance com estratégias ligadas a juros no exterior, antecipando pressões inflacionárias e um ciclo de aperto mais duro nos EUA, na sequência dos estímulos monetários e fiscais da pandemia.
Aquele diagnóstico, lembra, foi fruto da experiência dos gestores de países emergentes em acompanhar ciclos econômicos completos, com a inflação batendo na capacidade produtiva, forçando os formuladores de política monetária a lidar com isso.
“O retorno da indústria como um todo foi tão melhor que no passado, o nosso inclusive”, diz Santa Fé. “Depois disso, a queixa constante dos cotistas é que não conseguiram manter o nível de performance. Tem a ver de fato com o horizonte macro. Só que aquela visibilidade é que foi em caráter de exceção.” O trabalho não vai ficar mais fácil, reconhece o gestor, mesmo que o Fed comece de fato a reduzir as taxas em setembro, cenário-base da casa.
O quadro segue nebuloso, sobretudo, por causa do processo eleitoral nos EUA e da possível imposição de tarifas comerciais se o ex-presidente Donald Trump voltar à Casa Branca. Haveria impactos potenciais sobre inflação. “Não acho que haverá grandes movimentos direcionais enquanto se estiver discutindo a eleição americana e o que vem dela. E para ativos de emergentes em geral tende a ser pior”, diz Santa Fé.
Os fundos macro da Absolute, que tinham ficado abaixo do CDI de janeiro a junho, já recuperaram terreno em julho e no seu histórico acumulam retorno excedente, com certa folga. “É um pouco frustrante porque a gente acertou o cenário e poderia ter sido melhor”, diz Fabiano Rios, sócio-fundador e executivo-chefe de investimentos (CIO) da asset. Não foi um semestre bom, mas também nada “horroroso”, ficando dentro da normalidade do mandato.
Segundo Rios, as posições em juros globais e em bolsa no Brasil trouxeram perdas, enquanto a renda variável lá fora e a renda fixa local, ganhos. Agora, tem privilegiado ações de bancos e de empresas de média capitalização fora do universo da tecnologia no exterior. Nesse tipo de rotação, ele avalia que ações locais também vão se beneficiar.
À frente, a casa prevê que o Fed começará a relaxar a sua política monetária em setembro, com a inflação convergindo para a meta sem provocar recessão. “Não acho que será um ciclo enorme, vai cortando devagar, sentindo o ajuste no meio do caminho.”
Embora a Absolute tenha captado recursos no primeiro semestre (puxado pela estratégia de crédito) e nos últimos dois anos, Rios afirma que a alocação mais estrutural nos multimercados depende da recuperação da performance.
“Se o investidor acredita na capacidade de gerar alfa dessas casas, a mensagem é que é essa fase ruim e passa como aconteceu antes”, diz Rios. “Novas tendências vão surgir e os multimercados bons tendem a capturá-las. Não sou pessimista com a indústria, acredito na geração de valor e no foco grande no cliente. No longo prazo, a percepção desse benefício vai ficando mais óbvia.” O importante, aconselha, é o investidor não tomar decisões baseadas no curto prazo, deixar o tempo maturar as estratégias, senão não faz sentido ter multimercados.
Os ataques do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Banco Central, de Roberto Campos Neto, tiveram como consequência marcações negativas na cota da Neo no segundo trimestre, destoando do histórico. Como resposta aos ruídos, o dólar disparou e levou as taxas de juros negociadas no mercado futuro a embutirem altas de até 2 pontos percentuais para a Selic, hoje em 10,5% ao ano, relata Fabio Dall’Acqua, sócio responsável pela área de relações com investidores da casa. “Para nós, era menos relevante se fosse parar [de cortar] em 10,5% ou 10%, o mais importante era o cenário 12 meses à frente, sem o BC ter que voltar a subir.”
A quebra de confiança, lida como temporária, não fez a Neo virar a mão a ponto de montar posições negativas em Brasil, diz o executivo. Dall’Acqua cita que o aumento do prêmio de risco não veio acompanhado da disparada da inflação ou de sinais de que a economia vá sair dos trilhos, mas da falta de previsibilidade mínima de como vai ser o novo BC quando Campos Neto deixar o posto no fim do ano.
Com um estilo de gestão que privilegia posições relativas, os multimercados até tinham exposição prevendo alta das taxas longas, como forma de proteção, mas o estresse do segundo trimestre mexeu com as curtas.
O sócio da Neo diz que ao longo de 20 anos houve poucas sequências negativas, com recuperação relativamente rápida dos tombos. Em 70% das cotas diárias, o multimercado bate o CDI e mais de 90% dos meses terminam positivos. Num exercício interno feito pela asset, o executivo diz que aqueles fundos que conseguem atravessar os momentos de estresse de forma estável, sem ser obrigados a vender posições para limitar perdas, em geral reagem bem na sequência.
Ele atribui a consistência de longo prazo à construção de posições de valor relativo, o que faz o fundo sofrer menos em períodos adversos, mas também não capturar ganhos na intensidade das carteiras mais direcionais. “A gente vai empilhando um pouco de resultado todo mês, é a característica do produto, é uma estratégia que funciona muito para o Brasil, que tem inconsistências na precificação.”
Os ativos em geral têm sofrido, da bolsa às Notas do Tesouro Nacional série B (NTN-B), e o CDI alto tornou a vida dos gestores mais difícil, diz Rogério Braga, sócio e gestor dos multimercados da Quantitas. “E cresceu muito o número de gestores nos últimos quatro anos e obviamente a briga por alfa [retorno acima do CDI] ficou maior num mercado mais competitivo.”
Juros nos EUA nas máximas históricas, a NTN-B a IPCA mais 6,3% e uma situação econômica e fiscal no Brasil sem solução têm formado um caldeirão complexo em que é “mais difícil bater o CDI para a média da maior parte da indústria”, continua Braga. “Há bons gestores e quando se olha em prazos um pouco maiores, eles batem o ‘benchmark’ [referencial].”
Neste ano, o Quantitas Mallorca roda próximo do CDI, mas no seu histórico não ficou abaixo do indexador em nenhum ano, diz o gestor. Prevalece a estratégia de valor relativo e o gerenciamento tático de posições, dependendo menos dos vaivéns macroeconômicos. E é justamente nas fases de maior depreciação, que costuma montar posições. Em bolsa, por exemplo, o fundo tem atualmente 22% do patrimônio, a maior parcela dos últimos 24 meses. “Conforme o prêmio de risco vai se reduzindo e o cenário fica mais claro, a gente vai reduzindo as posições. O que se vê, normalmente, é parte dos agentes esperando o cenário ficar mais visível. Só que o incerto tem prêmio de risco maior.”
Fonte: Valor Econômico

