Sem aumento de 50% no número de sessões, receita ficaria limitada a R$ 36,5 bilhões
Por Jéssica Sant’Ana e Beatriz Olivon — De Brasília
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A expectativa do governo de arrecadar R$ 54,7 bilhões em 2024 com o retorno do voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) depende da realização de sessões extraordinárias, que aumentem em 50% a carga de trabalho distribuída a cada conselheiro. Sem essas sessões adicionais, a arrecadação prevista cai para R$ 36,5 bilhões. É o que mostram notas técnicas obtidas pelo Valor, via Lei de Acesso à Informação (LAI). As notas foram disponibilizadas pela Receita Federal. O Carf negou acesso aos documentos.
Após o Valor ter acesso aos documentos, o Carf confirmou, em nota, que pretende fazer sessões extras em 2024. Porém, não deu mais detalhes – se as reuniões serão presenciais ou virtuais, por exemplo. Para este ano, não há previsão de sessões extras, informou o presidente, Carlos Higino. Os dias “livres” no calendário de julgamento do Carf são na segunda e na sexta-feira. De terça a quinta, já acontecem as reuniões das turmas.
Reservadamente, um conselheiro representante dos contribuintes disse que desconhece essa proposta de aumentar em 50% a sua carga de trabalho para a Fazenda arrecadar mais. Luiz Gustavo Bichara, sócio-fundador da Bichara Advogados, afirma ser um erro o governo considerar que os “conselheiros têm enorme tempo ocioso, podendo trabalhar 50% a mais”.
As notas técnicas obtidas pela reportagem mostram que o Carf informou à Receita a estimativa de ingresso efetivo, com o retorno do voto de qualidade, de R$ 25,6 bilhões em 2024 para a União, em valores líquidos (ou seja, já descontando as transferências aos entes subnacionais). Em valores brutos, ou seja, antes das transferências constitucionais a Estados e municípios, os R$ 25,6 bilhões correspondem a R$ 36,5 bilhões, nos cálculos da Receita.
“[O governo] transforma o Carf em uma máquina de moer contribuintes”
— Luiz Gustavo Bichara
Já os R$ 36,5 bilhões aumentariam para R$ 54,7 bilhões com a possibilidade de sessões extraordinárias, proposta apresentada pelo Carf. “Há, ainda, proposta deste conselho para a possibilidade de sessões extraordinárias, aditando-se em 50% a carga de trabalho distribuída a cada conselheiro”, diz nota técnica.
O governo optou por incluir no Orçamento de 2024 a expectativa de arrecadação considerando as novas sessões. O retorno do voto de qualidade no Carf é a principal das dez medidas da equipe econômica para conseguir um incremento de R$ 168,5 bilhões em arrecadação no ano que vem – valor necessário para chegar à promessa de zerar o déficit primário das contas públicas.
Os valores, contudo, envolvem várias incertezas. Conforme mostrou o Valor, há ainda outras discrepâncias na proposta de Orçamento enviada ao Congresso, como a expectativa de arrecadar integralmente R$ 35 bilhões com a medida provisória da subvenção de ICMS, algo que a própria Receita desaconselhou, e os R$ 34,5 bilhões de receita com permissões e concessões de ferrovias que dependem de processos conciliatórios em trâmite no Tribunal de Contas da União (TCU).
Para Bichara, a meta de arrecadação considerada pelo governo com o retorno do voto de qualidade é “miseravelmente falha”. Ele afirma que a equipe econômica ignorou o fato de que os contribuintes se valerão de créditos de prejuízo fiscal – em vez de dinheiro – para liquidar os débitos decididos pelo voto de desempate.
“[O governo] transforma o Carf em uma máquina de moer contribuintes, acreditando que os moídos aceitarão, sem qualquer resistência, abrir mão de buscar no Judiciário o reconhecimento de suas razões”, diz o tributarista. O conselho é a última instância para o contribuinte discutir, de forma administrativa, as cobranças da Receita Federal. Porém, ao perder, pode recorrer ao Judiciário.
Há, ainda, um risco não calculado pelo governo: o de suspensão das sessões do Carf. O Sindifisco Nacional (Sindicato dos Auditores-Fiscais da Receita Federal) aprovou ações de mobilização e greve da categoria a partir do dia 20 de novembro, por causa do pagamento do bônus de produtividade, questão que ainda está em aberto, e devido ao baixo orçamento como um todo reservado para a Receita no próximo ano. O Carf informou que não comenta sobre movimentos grevistas.
De acordo com as notas técnicas, a arrecadação com o retorno do voto de qualidade foi calculada considerando uma metodologia em “estrutura não linear mais bem representada por uma árvore binomial”, além de um relatório de auditoria do TCU e da dissertação de mestrado de Ricardo Fagundes da Silveira. Em julho, o estoque de processos somava cerca de R$1,097 trilhão de crédito tributário em litígio.
A maior parte do valor esperado de arrecadação vem de processos relacionados ao Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ). Em seguida, aparecem litígios envolvendo a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins).
Fonte: Valor Econômico