Com as projeções do mercado para o IPCA, entre 3,5% e 4%, e uma Selic perto de 9%, a meta de inflação para 2025 pode estar em xeque. Essa é uma discussão que pode ganhar força ao longo deste ano. O Banco Central (BC) precisa calibrar bem a política monetária sob o risco de desarranjar o câmbio e perder a batalha contra a alta dos preços na economia.
“A conta não fecha, a nossa meta é de 3%”, disse André Raduan, sócio-fundador da Genoa Capital, ao participar de evento do Bradesco BBI ontem. Para ele, muitos agentes do mercado já normalizaram uma inflação entre 3,5% e 4% e se o BC referendar tal intervalo, “não vai parar nisso” e o IPCA pode ser até maior, “porque a política monetária é meio assimétrica.”
Mesmo diante de pressões políticas, ele não acha que o BC de Roberto Campos Neto vá por essa direção, considerando até os integrantes mais pró-corte de juros.
Raduan imagina que em algum momento, as estimativas de inflação do mercado no boletim Focus vão estar mais perto de 4%. Prosseguir com cortes de juros com a inflação acima da meta, seria um sinal ruim. “O câmbio vai andar, as pessoas vão olhar a âncora monetária como menos poderosa.”
No curto prazo, ele acha que uma Selic de 9,75%, 9,5% é razoável, mas não dá para confiar que o próximo movimento seja de queda. “Se comprar [essa tese], o câmbio sofre bem, nós [Brasil] estamos com carrego baixo, se apertar ainda mais com cara de ‘bad policy’, o câmbio sofre.”
Embora o déficit em conta corrente esteja baixo, o país não tem atraído fluxos de capitais estrangeiros, continuou o gestor. “Não vejo grande espaço para apreciação [do real].” A visão de Raduan é que, se o dólar cai, é oportunidade de compra. Com a expectativa de um ciclo de afrouxamento monetário mais “raso” nos Estados Unidos, o fluxo estrangeiro tende a ficar longe de economias emergentes, a seu ver.
Uma redução mais forte de juros no Brasil seria um risco para o real, afirmou Carlos Woelz, sócio-fundador da Kapitalo. “Já vi inúmeros ciclos de política monetária no Brasil e nunca vi pararem em 10,25% ou 10%.” O mais provável, disse, é que a Selic chegue a pelo menos 9,75% ao ano. No último encontro do Copom, o BC baixou a taxa para 10,75%.
Para Woelz, o ponto final no ciclo monetário pode ficar para o próximo presidente do BC, já que Campos Neto encerra seu mandato no fim do ano. A leitura é que a autoridade monetária pode fazer uma pausa e deixar a discussão de ajustes adicionais para 2025.
Já Felipe Guerra, executivo-chefe de investimentos (CIO) da Legacy Capital, disse estar otimista com a dinâmica inflacionária ao longo do ano e em 2025. Cortes de juros em países desenvolvidos devem permitir alguma redução adicional da Selic no Brasil, avalia. A China exportando deflação também contribui para isso.
O gestor comentou que não chegou a ficar otimista com o real, com projeções que chegaram a colocar a taxa de câmbio em R$ 4,5 ou até abaixo disso em relação ao dólar. “A conta corrente está maravilhosa e o BC está intervindo no câmbio? Não parece ser tão boa assim, parece ter pouco ‘upside’ [potencial de valorização para o real].”
Com fluxo de dólares da safra agrícola neste mês, Guerra até vê a moeda brasileira se apreciando no curto prazo, “é uma janela para comprar dólar versus outros ativos brasileiros ou internacionais”.
À medida que as taxas de juros recuem e com o canal dos títulos isentos sendo fechado, ele considera que a “hora da bolsa vai chegar”, especialmente quando a Selic cruzar a fronteira de um dígito. “Em algum momento o brasileiro vai sair da febre dos isentos e alocar em bolsa, no crédito mais apimentado, como as debêntures não isentas”, disse. “Estamos nos preparando para isso. O dólar é oportunidade para se proteger enquanto o fluxo não vem.”
Fonte: Valor Econômico

